Larissa Casares

O Marco Legal do Saneamento Básico redefinido pela <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm">Lei 14.026/2020</a> trouxe para o âmbito legal questão já analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na <a href="https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&amp;docID=4576181">ADI 1842/RJ</a> acerca do exercício da titularidade dos serviços de saneamento básico em regionalizações compulsórias. Nos termos da redação dada ao art. 8º, inciso II, da Lei 11.445/2007, há a coparticipação no exercício da titularidade entre estado e municípios que compartilham efetivamente instalações operacionais quando integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões.
Ou seja, a operação dos serviços públicos de saneamento básico de interesse comum (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11445compilado.htm">art. 3º, inciso XIV da lei</a>) pressupõe sua organização, planejamento, prestação, regulação e fiscalização de forma integrada quando presentes dois pressupostos: o jurídico (lei complementar de criação de um modelo de regionalização compulsória) e o técnico (compartilhamento de instalações operacionais de infraestrutura de abastecimento de água e/ou de esgotamento sanitário entre dois ou mais municípios).
Referente a esse contexto normativo, sabe-se que inúmeros estados (como <a href="https://sapl.al.am.leg.br/media/sapl/public/normajuridica/2021/11430/lei_comp._214.pdf">Amazonas</a>, <a href="https://www3.al.es.gov.br/Arquivo/Documents/legislacao/html/LEC9682021.html">Espírito Santo</a>, <a href="http://arquivos.al.ma.leg.br:8080/ged/legislacao/LC_239">Maranhão</a>, <a href="https://paraiba.pb.gov.br/diretas/secretaria-de-infraestrutura-e-dos-recursos-hidricos/arquivos/LEICOMPLEMENTAR1682021MICRORREGIOESPARAIBA.pdf">Paraíba</a>, <a href="https://servicos.compesa.com.br/wp-content/uploads/2020/09/Publicacao-DOE-26.09.2020.pdf">Pernambuco</a>, <a href="http://www.diariooficial.pi.gov.br/diario/202206/TEMP06_94dda5de6c.pdf">Piauí</a>, <a href="https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/listarAtosAno.do?action=exibirImpressao&amp;codAto=250443">Paraná</a>, <a href="http://www.al.rn.gov.br/storage/legislacao/2021/mjj2p7esodv2wcm4jp3qfzdjoq7jt0.pdf">Rio Grande do Norte</a>, <a href="https://www.tjrr.jus.br/legislacao/phocadownload/LeisComplementaresEstaduais/2021/300_2021.pdf">Roraima</a>, <a href="http://leis.alesc.sc.gov.br/html/2010/523_2010_Lei_complementar.html">Santa Catarina</a>, <a href="https://al.se.leg.br/Legislacao/Complementar/2009/C1762009.pdf">Sergipe</a> e, mais recentemente, <a href="https://legisla.casacivil.go.gov.br/pesquisa_legislacao/107157/lei-complementar-182">Goiás</a>) reestruturaram a prestação dos serviços de saneamento básico a partir da criação de microrregiões de saneamento básico ou regiões metropolitanas, alterando-se, assim, nos termos do sobredito art. 8º, II, da Lei 11.445/2007, a titularidade desses serviços públicos.
No entanto, ponto pouco debatido até o momento pela literatura e pela jurisprudência diz respeito à transferência ou impacto da regionalização na titularidade dos bens públicos dos sistemas integrados de saneamento básico com a criação de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões.
Tal se diz, pois, se todos os feixes da titularidade dos serviços de saneamento básico são transferidos para o <a href="http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/paulo-modesto/regiao-metropolitana-estado-e-autonomia-municipal-a-governanca-interfederativa-em-questao">condomínio</a> constituído pelo conjunto formado por Estado e municípios das estruturas de regionalização compulsória, fato é que o regime jurídico dos bens afetos a tais serviços também passa a ser impactado, alterando potencialmente o domínio sobre essas infraestruturas físicas, sobretudo estações de tratamento de água e esgoto que, bem provável, estão/estarão edificadas no território de um município, mas atenderam ao tratamento de água e/ou de coleta de esgoto referente a mais de um município. Inclusive, essa eficiência técnica é esperada a partir de prestações regionalizadas.
Não fosse assim, haveria oneração da prestação dos serviços em flagrante violação ao princípio da modicidade tarifária. Explica-se.
Exemplificativamente, imagine-se que um município integre uma região metropolitana que tenha como serviço de interesse comum os serviços de água e esgotamento sanitário e que tenha a prestação dos serviços de saneamento básico a partir de um sistema integrado. Diante das outorgas obtidas nos recentes leilões de projetos regionalizados, este mesmo município pretende pleitear junto ao Colegiado Metropolitano – via de regra, o nome dado ao órgão deliberativo da estrutura interfederativa – a sua saída da regionalização, inclusive com medidas judiciais, sob o argumento de que os ativos afetados ao serviço estão situados na área de seu território. Como ficaria a saída desse município da prestação regionalizada no que se refere à indenização dos ativos do sistema integrado?
Outro exemplo, num caso mais extremo, cogite-se que um município por ter parte da infraestrutura de sistema integrado em seu território passe a exigir dos demais municípios que dependem dessa infraestrutura alguma contrapartida financeira.
Ainda, num terceiro caso, vislumbre-se que o Colegiado Metropolitano delibere pela extinção antecipada de uma dessas recentes concessões regionais. Como seria a indenização daquelas infraestruturas compartilhadas? Cada município da região seria responsável pelo pagamento in totum dos bens situados em seu território, ou seria de competência dos cotitulares que usufruem da infraestrutura compartilhada, incluindo-se o estado – dada a prescrição do art. 8º, II, da Lei 11.445/2007 – o fracionamento do ressarcimento pelos ativos não amortizados,?
Por fim, haveria repercussões na base de ativos regulatórios dessas prestações regionalizadas?
A resposta a essas quatros circunstâncias não é simples, até porque as relações jurídicas interfederativas de saneamento básico definitivamente inauguraram um novo capítulo desde a edição da Lei 14.026/2020. Daí porque conclui-se que, para o endereçamento do tema, é importante aferir qual é a alteração do regime jurídico dos bens públicos de sistemas integrados de saneamento básico, bem como os impactos dessa eventual alteração sobre a ótica da contabilidade pública, investigando-se se seria o caso – em regionalizações compulsórias – de se atribuir a cada município dependente do sistema uma fração ideal da totalidade do sistema integrado. Para além disso, o avanço do tema também merece tratamento normativo junto às leis de criação dessas estruturas de regionalização compulsórias e/ou seus regimentos internos.
Nesse sentido, parece que um caminho foi bem endereçado pela recém-publicada <a href="https://arquivos.ana.gov.br/_viewpdf/web/?file=https://arquivos.ana.gov.br/resolucoes/2023/0161-2023_Ato_Normativo_03082023_20230804082725.pdf?09:22:18">Norma de Referência 3</a> da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ana">ANA</a>). Publicada no último dia 4, a <a href="https://www.gov.br/ana/pt-br/assuntos/noticias-e-eventos/noticias/ana-publica-norma-de-referencia-sobre-indenizacao-de-investimentos-realizados-e-nao-amortizados-dos-contratos-de-abastecimento-de-agua-e-esgotamento-sanitario">Resolução ANA 161</a> aprovou a referida norma de referência que tem como objeto dispor sobre a metodologia de indenização de investimentos realizados e ainda não amortizados ou depreciados dos contratos de prestação de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Tal se diz, pois, em seu capítulo III, a NR 3 define como devem ser parametrizadas as indenizações relacionadas a sistemas integrados, prescrevendo expressamente que, quando couber, a indenização será feita proporcionalmente para cada município conectado ao sistema integrado. Nos termos do § 1º do art. 6 da NR 3, compete à entidade reguladora infranacional (ERI) a definição do critério de proporção, estabelecendo-se, exemplificativamente (i) o volume faturado; (ii) o volume macromedido; (iii) o número de economias ativas; (iv) a população atendida; ou, ainda, (v) outro critério desde que justificado pela ERI.
Outro avanço importante da NR 3 é que ela aloca aos municípios que são atendidos pelo sistema integrado a obrigação de indenizar tais ativos não amortizados, excluindo-se, numa primeira análise, o estado que integra a regionalização compulsória.
Dadas as camadas e os diversos enfoques possíveis dessas infraestruturas compartilhadas, o reconhecimento jurisprudencial e legal da cotitularidade dos serviços e a consequente repercussão prática de sistemas integrados – seja em contratos de programas vigentes, seja no âmbito das recentes concessões regionais – no que toca aos aspectos econômico-financeiros, jurídicos e contábeis, entende-se que o tema do regime jurídico dos bens públicos ganha novas perspectivas e merece ser revisitado à luz das novas interações jurídicas estruturadas a partir das relações interfederativas.

saneamento-básico

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Um caminho foi bem endereçado pela recém-publicada norma da Agência Nacional de Águas

Bens públicos de sistemas integrados de saneamento básico e a NR 3 da ANA

Um caminho foi bem endereçado pela recém-publicada NR 3 da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA)