Eliana Calmon

O que uma das medidas do chamado “arcabouço fiscal” (uma questão política e orçamentária) tem a ver com o julgamento de dois recursos repetitivos (questão jurídica) no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stj">Superior Tribunal de Justiça (STJ)</a>?
É fato público e notório que o déficit nas contas públicas precisa ser contornado. Afinal, o comprometimento das receitas sem nenhuma margem para a realização de investimentos é extremamente prejudicial para o desenvolvimento da economia nacional. Esse é um dos principais desafios do governo federal na atualidade.
Para solucionar um orçamento negativo, as noções básicas de economia indicam que é necessário aumentar as receitas ou diminuir as despesas, sendo desejável a combinação de ambas as medidas.
Num país com entraves estruturais para o crescimento, contribuintes já submetidos a elevada carga tributária e amplo leque de direitos sociais assegurados pela Constituição cidadã, não há solução simples.
No campo político, dentre as medidas anunciadas recentemente para equacionar esse problema está a vedação do <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-graner/riscos-na-possivel-mudanca-da-regra-de-abatimento-de-incentivo-de-icms-no-irpj-csll-06042023">abatimento da base de cálculo do IRPJ e da CSLL dos incentivos fiscais de ICMS</a> concedidos pelos estados.
Por outro lado, no campo jurídico, esse mesmo tema está em discussão em dois recursos especiais afetados pela sistemática dos recursos repetitivos na Primeira Seção do STJ. A controvérsia é a possibilidade de aplicação do precedente firmado nos embargos de divergência no Recurso Especial 1.517.492 aos demais benefícios fiscais relacionados ao ICMS. A tese está assim sintetizada no acórdão de afetação:
<blockquote class="jota-article__citation">Definir se é possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, imunidade, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL (extensão do entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL).</blockquote>
Discute-se no REsp 1.945.110 diversos benefícios fiscais concedidos ao setor de transporte rodoviário de cargas, tais como isenção, redução de base de cálculo e crédito presumido de ICMS. O REsp 1.987.158, por sua vez, trata da redução da base de cálculo de ICMS em operações com equipamentos industriais e implementos agrícolas. Ambos são da relatoria do ministro Benedito Gonçalves
<h3>A relevância do tema</h3>
Em 2017, a Primeira Seção do STJ reconheceu a possibilidade de exclusão do crédito presumido de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL nos EREsp 1.517.492. Na ocasião, o colegiado verificou que a tributação do ganho decorrente de tal benefício fiscal viola o pacto federativo. Dito de forma simples, entendeu-se que se a União tributa o benefício do estado membro, limita a autonomia e a competência do ente federativo e fere os princípios mais basilares da Federação: cooperação e igualdade.
Mas esse precedente não resolveu as disputas envolvendo outras espécies de benefícios de ICMS, como isenções, reduções de base e de alíquota, entre outros. A lógica jurídica válida para o crédito presumido não serviria também para outros benefícios que possuem a mesma finalidade? Entendemos que sim. Seja pelos relevantíssimos argumentos jurídicos, seja pela similaridade prática entre as diversas espécies de benefícios de ICMS. Em todos os casos o contribuinte apura uma receita contábil equivalente à redução do ICMS.
É dentro desse contexto que se aguarda uma definição, pelo STJ, no julgamento dos referidos recursos repetitivos.
O entendimento a ser firmado terá consequências para uma quantidade expressiva de contribuintes, em especial do setor do agronegócio. Com o objetivo de reduzir o custo dos alimentos e da cesta básica, os estados concederam diversos incentivos fiscais para tais empresas.
As circunstâncias apontadas acima evidenciam que o projeto do governo federal conta com uma guinada jurisprudencial no STJ como uma das formas de assegurar o aumento das receitas.
No entanto, uma tese a ser firmada por uma corte cuja competência constitucional é preservar a vigência da legislação federal e uniformizar a jurisprudência não é o meio adequado para resolver os problemas das contas públicas, essencialmente político.
<h3>O cenário atual</h3>
No STJ, os recursos foram afetados no último dia 20 de março e incluídos em pauta para o próximo dia 26 de abril, em um intervalo de pouco mais de um mês.
Diante da relevância da matéria e dos contornos extrajurídicos que o governo federal está tentando atribuir à tese, verifica-se que o julgamento em tão curto espaço de tempo parece ser precipitado.
É certo que o <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm">art. 1037, §4º, do CPC</a> determina o julgamento com celeridade dos recursos afetados como repetitivos, fixando o prazo impróprio de um ano e a preferência sobre os demais feitos, exceto os que envolvam réu preso e pedidos de habeas corpus. 
No entanto, o art. 1.038 do CPC dispõe em seus incisos que o relator poderá (i) solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, (II) fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, com a finalidade de instruir o procedimento e (iii) requisitar informações aos tribunais inferiores a respeito da controvérsia. Ou seja, o mandamento do art. 1.037, §4º, do CPC deve ser cumprido sem atropelos, observando-se os requisitos do art. 1.038 do mesmo Código.
Esse procedimento é necessário sobretudo em um caso como o objeto da presente análise. Veja-se que há pedidos de ingresso como amicus curiae de entidades representativas de diversos setores da economia: Associação das Empresas Cerealistas do Brasil (ACERBA), Associação Paulista de Estudos Tributários (APET), Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (ABEGÁS), Comitê de Fomento Industrial de Camaçari (COFIC), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), Associação Nacional das Empresas Agenciadoras de Transporte de Cargas (ANATC) e Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CECAFÉ). Todos os requerimentos estão pendentes de apreciação.
Além de relevante do ponto de vista jurídico, o julgamento relâmpago não pode se ater ao discurso de “terrorismo econômico” do governo federal. De fato, as mudanças (necessárias para organizar as contas públicas) devem ser construídas pelas forças políticas e ter como premissa o respeito pela ordem jurídica vigente. Caso contrário, as medidas carecerão de credibilidade e serão objetos de contestações no Poder Judiciário.
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O escritório da autora atua nos casos mencionados neste artigo representando um dos amicus curiae.

icms

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JOTA

Ligados por um julgamento de recursos repetitivos

Benefícios de ICMS, o atual &#8216;arcabouço fiscal&#8217; do governo e o STJ

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Julgamento relâmpago no STJ sobre benefícios de ICMS não pode se ater ao discurso de “terrorismo econômico” do governo federal