Leonardo Barém Leite

O grande filósofo e pensador Bauman, que nos deixou no início de 2017, revolucionou o moderno entendimento da nossa sociedade, e das nossas relações.
Sua obra maior, de certa maneira presente em vários de seus fantásticos, provocadores, e profundos livros abordou a Modernidade Líquida, e com isso a fluidez, a fragilidade, a rapidez e o caráter efêmero das relações.
Um dos pontos mais marcantes se debruça sobre as relações, passando pelas alianças, pelas amizades e pelos amores, sempre forçando o pensamento de que quase tudo hoje é mais rápido,  mais fluido, e sem raízes, sem alicerces. Como todo pensador, Bauman foi também um provocador, que procurou lançar ideias e nos fazer refletir, para que cada um de nós tire a sua própria conclusão.
Sem a pretensão de estar necessariamente certo, e menos ainda de ser o único a estar certo, demonstrando a sua sensibilidade, sabedoria, e consciência, ele não qualificava a sociedade atual como certa ou errado, melhor ou pior, mas provocava a reflexão.
Essa mesma sociedade, na qual todos estamos inseridos, e que no campo empresarial congrega os departamentos jurídicos, tem minado as relações sólidas, profundas e mais estruturadas e duradouras, seja das próprias pessoas que integram a pessoa jurídica para a qual trabalham (o chamado “turn over”), seja de seus parceiros externos (auditores, empresas de consultoria, escritórios de advocacia etc.).
A palavra parceria, como já abordamos em outros artigos, é usada de forma cada vez mais fluida e casual, quase como se a parceria fosse algo unilateral (apenas em benefício próprio), e apenas por alguns dias – sem que se pense em parcerias reais, profundas, sustentáveis.
As relações efêmeras podem existir, e existem, mas sabemos que não são sustentáveis, e que com isso não criam raízes e não se fortificam e nem solidificam.
No campo interno, gestores jurídicos têm cada vez maior dificuldade para manter as suas equipes, que se desfazem a todo momento, em clara demonstração de sua fragilidade; mas muitas vezes o próprio gestor também “bate asas” rapidamente, e “troca” de equipe e até de empresa.
Sendo essa a realidade, talvez só nos caiba aprender a conviver com ela, no curto prazo, mas o que faremos com essa consciência no médio e no longo prazo? Vamos abandonar a ideia da sustentabilidade por completo?
A visão de fluidez e de curto prazo, que muitas empresas atualmente demonstram ter, pode ser uma das causas mais fortes da cultura do apagar incêndios – ao invés de se evitar que ocorram. 
Nos últimos anos, mais e mais gestores de departamentos jurídicos comentam que estão sempre atuando como bombeiros, sempre recebendo informações bombásticas, quando na realidade tudo já explodiu. Muitos gestores comentam que não conseguem atuar de forma preventiva de maneira consistente e mais profunda, pois a correria do dia a dia e o atendimento ao “incêndio do dia”, não permitem que se dediquem a questões mais profundas.
Parece haver uma cultura exagerada ao imediatismo, que podemos e devemos discutir, em nome da sustentabilidade.
Atuar apenas no incêndio e na emergência, decidir tudo na correria e sem muita reflexão, tomar decisões com análise superficial e muitas vezes sem conseguir enxergar o que pode estar “mais embaixo”, “apertar” parceiros além do limite do razoável, baseando-se na tese da parceria unilateral, e até mesmo trocar colaboradores externos e internos a todo momento, pode não ser a melhor alternativa.
Relações curtas e líquidas podem fazer algum sentido pontualmente, mas não se sustentam. E mais, no campo empresarial, onde o dinheiro é sempre importante, precisamos pensar no que de fato é melhor para a empresa – e talvez nem sempre façamos isso.
Decisões e atitudes tomadas sempre na correria, sem muita base, e trocando frequentemente de parceiros (que não se sentem realmente parceiros, por sentirem que são sempre apertados, sempre considerados culpados de tudo, sempre relegados a ultimo plano, e descartáveis) tendem a custar mais caro.
Para que realmente se ajude o negócio da empresa, sabemos ser  importante conhecer muito bem, a fundo e de maneira ampla, o que leva tempo, exige método, sistemas, processos  e dedicação.
Parece ter chegado a hora de aprendermos de fato a lição de Bauman, que foi um tremendo conhecedor das relações humanas, e que como ninguém  tento entender que a sociedade, bem como os relacionamentos, são baseados em pessoas, em seres sensíveis e emotivos.
Será mesmo que a cultura do imediatismo, da redução de custos acima de qualquer coisa, das parcerias e das relações efêmeras, da mentalidade de apenas apagar incêndios, e a troca de pessoas descartáveis é a maneira mais inteligente que conhecemos?
Será mesmo que se tratarmos nossos colaboradores como pessoas descartáveis, assim como nosso parceiros externos, e se sempre mostrarmos a eles que a relação é frágil e baseada apenas no hoje e no agora, sem profundidade e sem sustentação, conseguiremos os melhores e mais sustentáveis resultados?
Será mesmo que a cultura das relações efêmeras é aliada da excelência na gestão jurídica estratégica nas empresas e que se trata da melhor forma de ajudar as empresas?
Parece-nos  extremamente importante, profunda e oportuna essa reflexão, na nossa maneira de lidarmos com as empresas, nossos parceiros internos (“business partners”), colaboradores, e parceiros externos.
O seu advogado externo, por exemplo, é de fato seu parceiro, e ambos se ajudam, ambos são realmente agentes de relações sólidas, profundas e estruturadas, ou é apertado a todo momento por redução de custos insustentáveis?
As relações que construímos são mesmo relações importantes, ou tratamos as pessoas de maneira líquida, que muitas vezes sabem que correm o risco de serem “jogados fora” a qualquer momento e na primeira oportunidade?
Pense nisso e nas suas relações. Aproveite esse momento para entender melhor o pensamento de Bauman e as relações humanas. Pode valer a pena e ser inclusive em benefício da sua empresa.
Se conseguir, parabéns!!
Esse é um dos vários tópicos que a moderna e estratégica gestão jurídica nas empresas vem estudando, e que tem evoluído bastante. Procure conhecer mais sobre a advocacia corporativa, seus desafios, as melhores práticas, e o que se tem feito de mais moderno no Brasil.

bauman

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Bauman e os departamentos jurídicos das empresas

Somos todos líquidos?