Nikolay Bispo

O último dia 17 de agosto foi muito comemorado pelo ecossistema de negócios de impacto socioambiental, devido à edição do <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11646.htm">Decreto 11.646/2023</a>, publicado no dia anterior pelo Poder Executivo.
Trata-se de um decreto autônomo da Presidência, que <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-do-tracking/governo-edita-decreto-que-institui-estrategia-nacional-de-economia-de-impacto-22082023">visa organizar uma política nacional de incentivo e acompanhamento da economia de impacto</a>. O decreto é importante, pois de maneira mais precisa que seu antecessor (Decreto 9.977/2019) traz definições conceituais relevantes, que há tempos enfrentam disputa de narrativa, como economia de impacto e organizações intermediárias (art. 3º).
O inciso II do artigo 4º é preciso ao trazer que essa política objetiva aumentar a quantidade de negócios de impacto, principalmente por meio da geração de dados. Acredito que esse é o ponto de maior importância, pois os dados são escassos e estão muito distantes da realidade brasileira de negócios de impacto, que, acreditem, é imensa, muito maior do que a maioria imagina.
O Comitê de Economia de Impacto também foi ampliado para 50 membros, sendo 25 de instituições governamentais e 25 do setor privado de organizações da sociedade civil e de associações representativas de estados e municípios (art. 6º).
Ainda que os avanços e as comemorações sejam importantes, o decreto nos traz uma excelente oportunidade de continuar a refletir e avançar nessa temática. Apesar de ter um conceito funcional de negócios de impacto, há pouco incentivo ou espaço para se chegar aos negócios de impacto socioambiental que não estão no radar e que não adotam a linguagem do mercado tradicional ou a das organizações intermediárias tradicionais.
O empreendimento periférico, negro e de pessoas que estão fora do circuito tradicional (marceneiros(as), pedreiros(as), profissionais da saúde e do autocuidado, pessoas que atuam em negócios na região amazônica, produtores(as) culturais, entre tantos(as) outros(as)) é enorme no Brasil. A maioria desses(as) empreendedores(as) conheceu o empreendedorismo por necessidades, valores e visão de vida e não por meio de uma formação em economia sustentável, economia criativa, economia colaborativa, economia verde – e tantos outros nomes requintados dados a esse mercado em ascensão.
Apesar do aumento em investimentos de impacto, pouquíssimos recursos chegam, efetivamente, até essas pessoas, mesmo sendo negócios com potencial incrível. Vale lembrar que são esses negócios que inspiraram teorias iniciais sobre negócios de impacto e que permitiram pensar em modelos que podemos chamar de profissionais – para usar uma linguagem comum.
O conceito atribuído pelo Decreto, seja de economia de impacto, seja de negócio de impacto, continua a ser de uma caracterização profissional – no sentido do linguajar do mercado, o que tem gerado equívocos nas estratégias de entidades privadas e públicas de investimento e mapeamento de negócios de impacto.
A linguagem exclusivista e míope de negócios de impacto está atrelada a uma narrativa dominante e mercadológica de ESG (do inglês Environmental, Social and Governance, ou Ambiental, Social e Governança), que permeia e orienta a maior parte do mercado tradicional; essa linguagem afasta e deixa fora da zona de observação negócios mais concretos, com menos glamour e que não adotam a linguagem de mercado.
Normalmente, os negócios de impacto “raiz” não nascem com tal denominação e não são idealizados por profissionais dos principais centros tradicionais de inovação, além de não estarem preocupados com índices de impacto, que pouco nos dizem sobre a realidade e o impacto social, de verdade. São negócios que, de maneira consciente, objetivam fortalecer a sua comunidade local, fazer o dinheiro circular naquele espaço, gerar redes de conexão entre a sua comunidade e acabar com sistemas de predação ali existentes.
O Comitê de Economia de Impacto, que foi reorganizado, é importante e ampliou o acesso, mas a pergunta é: quantas organizações intermediárias e quantos negócios de impacto desse perfil terão acesso a esse comitê para discutir e levar pontos que estão fora do radar dos profissionais de ESG? No final do dia, os negócios “não profissionais” geram tanto ou mais impacto que qualquer outro negócio de impacto “profissional”. Portanto, ambos os negócios devem receber apoio, pois há um grande Brasil para fora dos índices de impacto, um Brasil com negócios que podem transformar e acelerar cada vez mais o desenvolvimento sustentável do país.
Alguns dados – não verificados – já apontam que cerca de 3,1% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro é gerado pela chamada “economia criativa”, e em São Paulo, estima-se que já sejam 3,9% do PIB paulista. Esses dados, que com certeza não captam os pequenos e médios negócios de impacto fora do mercado tradicional, já são indícios do potencial e da necessidade de se pensar políticas públicas e privadas mais amplas e capazes de enxergar esse setor.
Os avanços são importantes e graças a eles que podemos discutir pontos como esses, mas precisamos discutir a fundo negócios de impacto na essência desse conceito e começar a acessar camadas de forte impacto social.

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JOTA

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