Mário Augusto Silva Araújo

O teto de gastos objetiva equilibrar as contas públicas e promover o tão almejado ajuste fiscal, tentado há 22 anos desde a entrada em vigência da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A responsabilidade em relação às finanças públicas se dá em duas perspectivas: 1) moldura formal com a previsão do gasto por intermédio das leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA) e obediência às prescrições da LRF; e 2) arquitetura material pela observância do limite estabelecido pelo artigo 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: o teto de gastos. 
A tentativa de estabelecer limite ao gasto é voltada às despesas primárias, que são entendidas como “gastos realizados pelo governo para prover bens e serviços públicos à população, tais como saúde, educação, construção de rodovias, além de gastos necessários para a manutenção da estrutura do Estado (manutenção da máquina pública”[1]). 
Nesse pensamento, todo o planejamento estratégico da administração pública que tenha por escopo atender às demandas dos direitos fundamentais sociais deve levar em consideração o limite estabelecido pelo teto de gastos. 
Aquela forma de controle significa uma limitação em relação à prioridade alocativa e possui como indexador o IPCA acumulado (artigo 107, §1º, inciso II do ADCT) o que quer dizer, em outras palavras, que o teto de gastos é vinculado ao crescimento da inflação no período acumulado de um ano. 
O teto de gastos é um limite para a despesa primária, que se divide em obrigatória (constitucional e/ou legal) e discricionária (liberdade alocativa). 
Dessa maneira, se há um aumento na despesa primária obrigatória, em um pensamento inverso, necessariamente o gestor público deve diminuir o gasto primário discricionário em uma relação opostamente proporcional, e como o lençol sempre é curto, é preciso um malabarismo fiscal para a prestação de serviços adequados. 
Acontece que a indexação do crescimento do gasto público à variação da inflação aparentemente não é um meio adequado para controlar as despesas porque a demanda pela prestação de direitos sociais tem crescido constantemente, sobretudo com os efeitos advindos da pandemia da Covid-19 e isso pressiona a gestão pública para expandir políticas sociais e, consequentemente, aumentar o gasto. 
Inclusive como resposta aos efeitos socioeconômicos da pandemia, o legislador constituinte, nos termos da Emenda Constitucional 114/2021, acrescentou ao artigo 6º da Constituição, o parágrafo único, o qual dispõe que “todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária”. 
É, portanto, um reconhecimento constitucional da necessidade de uma política de distribuição de renda, e sobre o tema a Lei 10.835/2004 dispõe a respeito da responsabilidade de o Estado pagar um benefício “suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias” (artigo 1º, §2º). 
Acontece que aquela lei necessita de regulamentação e como o governo federal está em mora, houve provocação ao Supremo Tribunal Federal (STF) nos termos do Mandado de Injunção 7.300/DF, cuja relatoria está ao encargo do ministro Gilmar Mendes. 
Até então o STF tinha concedido a ordem injuncional para: 
<ol start="13">
<li>"i) determinar ao Presidente da República que, nos termos do artigo 8º, I, da Lei nº 13.300/2016, implemente, 'no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento do mérito (2022)', a fixação do valor disposto no artigo 2º da Lei nº 10.835/2004 para o estrato da população brasileira em situação de vulnerabilidade socioeconômica (extrema pobreza e pobreza - renda per capita inferior a R$ 89,00 e R$ 178,00, respectivamente - Decreto nº 5.209/2004), devendo adotar todas as medidas legais cabíveis, inclusive alterando o PPA, além de previsão na LDO e na LOA de 2022; e ii) realizar apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem as medidas administrativas e/ou legislativas necessárias à atualização dos valores dos benefícios básico e variáveis do programa Bolsa Família (Lei nº 10.836/2004), isolada ou conjuntamente, e, ainda, para que aprimorem os programas sociais de transferência de renda atualmente em vigor, mormente a Lei nº 10.835/2004, unificando-os, se possível".</li>
</ol>
Recentemente o ministro Gilmar Mendes proferiu uma decisão incidental naquele processo e reconheceu que a mora legislativa persiste. Além disso, pontuou que o programa <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/auxilio-brasil">Auxílio Brasil</a> (Lei 14.284/2021) “hoje faz as vias do programa permanente de transferência de renda previsto pela norma constitucional e afirmado pela ordem injuncial, em especial após a extinção possivelmente açodada de todo o plexo de políticas públicas de assistência social que perfaziam o antigo programa Bolsa Família (Lei 10.836/2004), por ele substituído”. 
Acontece que, pela lógica do teto de gastos, a disponibilidade orçamentária para a cobertura do Auxílio Brasil para o exercício de 2023, que hoje é de R$ 600, é de R$ 405,00, “o que implicaria em corte de quase um terço do valor nominal do benefício e perda de seu valor real ainda mais acentuada, considerada a inflação”, conforme registra o ministro. 
Como solução, decidiu pela possibilidade de abertura de créditos extraordinários e ao ponderar sobre critérios de urgência e imprevisibilidade, intrínsecos à abertura de créditos extraordinários, pontuou que: 
<blockquote class="jota-article__citation">"O caráter de urgência das referidas despesas estará plenamente preenchido ante o sensível agravamento da situação da população em circunstâncias de vulnerabilidade socioeconômica, demonstrada por inúmeros indicadores sociais e econômicos relevantes e acentuada pelas conhecida intercorrências externas observadas nos últimos anos (pandemia da Covid-19; crise de combustíveis), com significativa pressão inflacionária e considerável impacto sobre o poder de compra da população".</blockquote>
Concomitantemente, quanto ao caráter de imprevisibilidade das aludidas despesas, trata-se de circunstância decorrente da eventual inexistência de previsão orçamentária no PLOA 2023 capaz de garantir a manutenção do programa permanente de redistribuição de renda do parágrafo único do artigo 6º da Constituição em seu atual patamar, bem como do próprio estágio de transição governamental em que se encontra o governo federal, não sendo possível exigir retroativamente do novo governo que assumiu o poder no último 1º de janeiro que tivesse propiciado, na sessão legislativa anterior, a incorporação no orçamento de tais despesas. 
Dessa forma, afastou o pensamento estático da responsabilidade na gestão fiscal prescrito pelas normas do teto de gastos e da LRF, e pautou ao ordenamento jurídico uma nova proposta de reflexão: o diálogo harmônico e necessário entre a responsabilidade fiscal e a responsabilidade social. 
Inclusive é algo que está em consonância com a crescente exceção de gastos em relação ao teto, a teor da nova Emenda Constitucional 126/2022. 
Resta saber se o argumento se sustenta no decorrer do processo ou até mesmo se o teto de gastos é revogado. 
Espera-se que sim.
<hr />
[1] BRASIL, Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Introdução ao Orçamento Público. Módulo 2. Receita e Despesas Públicas. Brasília/DF. 2017.
BRASIL, Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Introdução ao Orçamento Público. Módulo 2. Receita e Despesas Públicas. Brasília/DF. 2017 
______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção 7.300/DF. Relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Crédito Auxílio Brasil

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JOTA

O diálogo harmônico e necessário entre a responsabilidade fiscal e a responsabilidade social

Auxílio Brasil, teto de gastos e o Mandado de Injunção 7.300/DF

O diálogo harmônico e necessário entre a responsabilidade fiscal e a responsabilidade social