Viviane dos Reis Ferreira

Os escritórios de massa convivem diariamente com autores que demandam sucessivamente contra grandes empresas assoberbando cada vez mais o judiciário. Como forma de explicitar esse fenômeno, o site do TJRJ disponibiliza o número de ações propostas em face das trinta empresas com maior número de processos judiciais. No mês de setembro de 2015, o número chegou a 38.672. 
A observação desta quantidade assustadora de processos foi a gênese deste artigo. Foi traçado o objetivo de quantificar o número de ações que determinado grupo de autores propôs de forma recorrente nos últimos cinco anos. 
Para isso, é preciso entender o conceito de autores contumazes: pessoas físicas que propõem um número grande de ações em um determinado período de tempo. Este tipo de autor é especialmente relevante em um período em que muitos falam da morosidade da justiça. 
Embora sejam discussões relevantes, é necessário fazer alguns questionamentos adicionais: quantas dessas demandas são fabricadas? Quantas o autor não procurou a solucionar a questão administrativamente? O que faz com que um autor proponha inúmeras ações em face do mesmo réu, mas continue a se relacionar com ele? E, por fim, objeto desse estudo, quantas foram propostas por esses autores seriais? 
Esses questionamentos são inevitáveis porque é evidente que esse litigante habitual é uma das causas da demora na prestação jurisdicional. 
Foram analisados 543 processos, escolhidos aleatoriamente, do escritório Gondim Advogados Associados em fase recursal nos juizados especiais cíveis do estado do Rio de Janeiro. 
Todos os autores destas ações são pessoas físicas. Para cada CPF encontrado, buscou-se outras ações apresentadas pela mesma pessoa no site do TJRJ. Este levantamento foi feito na primeira semana de outubro de 2015, com processos datados de 2010 a 2015. 
Foram encontrados 529 autores que propuseram 2234 processos, o que resulta em uma média de quatro processos por autor.
Da análise inicial desses números é possível concluir que somente 76 (14,3%) autores geram a metade desses processos. Também impressiona o fato de um único autor ter ajuizado 95 ações contra empresas em um período de quatro anos.
Para entender melhor a influência dos autores contumazes no total de ações, utilizou-se o Princípio de Pareto, também conhecido como princípio 80-20. Ele afirma que para muitos fenômenos, 80% das consequências advêm de 20% das causas.
Também foi feita uma análise gráfica da distribuição dos processos e ficou claro que 20% dos autores geram mais de 60% das ações. É estarrecedor pensarmos que este percentual pequeno de pessoas é responsável por mais da metade dos processos ajuizados nos últimos cinco anos.
Finalmente, analisou-se também o autor com mais ações – 95 nos últimos quatro anos. 58% dos processos foram propostos em face de duas instituições financeiras e 41% em face de duas empresas de telefonia. Causa estranheza o número de demandas propostas em face das empresas de telefonia.
Desde 2009, a ANATEL instituiu o conceito de portabilidade que permite que um cliente leve consigo seu número de telefone sem nenhum prejuízo para o cliente. Mesmo assim, o autor mantém relacionamento comercial com a mesma empresa, propondo inúmeras ações.
É claro que a lentidão da justiça traz insegurança jurídica, prejudica o autor que realmente foi lesado e que apenas procurou o judiciário porque não conseguiu solucionar seu problema na esfera administrativa.
Também é evidente que o não pagamento de custas, em razão da gratuidade de justiça, é um facilitador para esse tipo de comportamento.
Por outro lado, este trabalho deixa claro a existência desses autores seriais e o quanto a atuação deles congestiona e traz prejuízo ao poder judiciário.
Diante deste fenômeno, os advogados das empresas demandadas tem o papel importantíssimo no combate a esse comportamento abusivo – o de identificar e levar ao conhecimento dos julgadores quem são esses autores contumazes.
São clientes nocivos que não buscam solução administrativa, não tentam melhorar seu relacionamento com as empresas e propõem demandas fabricadas, com o objetivo de receber a compensação por danos morais não demonstrados nos autos, e, muitas vezes, em vários processos pelo mesmo fato.
Por outro lado, as empresas devem questionar se é interessante manter o relacionamento comercial com esses clientes que apesar de insatisfeitos não procuram outra instituição financeira, empresa de telefonia ou loja.
Resta ainda uma reflexão do próprio poder judiciário. Alguns juízes das turmas recursais do Estado do RJ já se sensibilizam com o argumento de que o dano moral do autor contumaz deve ser analisado de forma diferenciada. Visando a melhoria da justiça, os juízes precisam ser alertados a respeito dos efeitos nocivos causados por esses autores seriais na justiça do país.

Tribunal-de-Justiça-RJ-01

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Autores contumazes, os 'serial killers' do Judiciário brasileiro

Uma análise de processos em curso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro