Sofia Temer

Após ricas discussões a respeito dos Projetos de Lei apresentados em 2020 sobre a Lei da Ação Civil Pública (PLs 4778 e 4441), o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), em louvável iniciativa, apresentou uma nova proposta, em homenagem à professora Ada Pellegrini Grinover, no intuito de contemplar sugestões de ambos os projetos. Tal proposta deu origem ao PL 1.641/2021, apresentado pelo deputado federal Paulo Teixeira.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
O tema da autocomposição é um dos grandes destaques do PL 1.641/2021, mantendo a tendência do PL 4.441/2020. A própria justificação do projeto evidencia a intenção de “incorporar melhorias na autocomposição coletiva, consolidando o gênero como comum aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos”. De fato, não temos hoje um regramento claro ou seguro sobre acordos na tutela coletiva, sobretudo envolvendo direitos individuais homogêneos.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tracking_materias"><img class="size-medium wp-image-291207 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tracking-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a>O reforço fica claro quando o projeto enuncia, como princípio da tutela coletiva, “a resolução consensual e integral dos conflitos coletivos, mediante emprego de conciliação, mediação, negociação e outros meios adequados”. Mais do que isso, o PL tem um capítulo específico para o tema da autocomposição e indica princípios que regem a matéria:
“I – melhor tutela do interesse público, difuso, coletivo ou individual homogêneo;
II – transparência e publicidade; (...)
VI – boa-fé objetiva na previsão dos termos do acordo e na sua implementação;
VII – a observância a ordem pública, aos bons costumes e aos direitos fundamentais;
VIII – preservação da justiça, imparcialidade, proporcionalidade e razoabilidade na resolução da controvérsia por autocomposição;
IX – a isonomia e a segurança jurídica”. 
Dos princípios que devem reger a autocomposição coletiva, são especialmente relevantes os relativos à adequada representação dos interesses e participação dos sujeitos afetados, assim enunciados:
“III – participação, sempre que possível, do grupo social titular da pretensão coletiva e dos demais legitimados processuais;
IV – representatividade adequada e informação suficiente sobre os melhores termos para a tutela coletiva;
V – preservação de todos os interesses envolvidos, permitindo se, se for o caso, a segmentação do grupo em subgrupos com representantes adequados que possam tutelar de modo adequado os respectivos interesses;”
Para entender quem são os legitimados e representantes adequados para celebrar acordos, é preciso resgatar o que o PL fala sobre critérios de adequação da representação e legitimação para a própria ACP.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Em primeiro lugar, a adequação pressupõe, tanto para entes públicos como privados – e esse é um grande avanço – que a finalidade institucional tenha aderência à situação litigiosa. A FUNAI não é, a princípio, legitimada adequada para atuar em defesa de direitos de consumidores; o Procon tampouco o é para defesa do meio ambiente.
Em segundo lugar, a aferição da adequação sempre demandará uma análise fática e à luz da situação conflituosa – ao longo de todo o processo – considerando fatores como a credibilidade do sujeito, sua experiência, o histórico na proteção dos direitos, dentre outros fatores. O PL trabalha com cláusulas gerais e termos indeterminados, e isso é positivo, porque é um reconhecimento da complexidade das situações objeto de processos coletivos.
Em razão de tal complexidade e da diversidade de interesses que usualmente compõem o processo coletivo, quanto mais legitimados compuserem o processo ou forem ouvidos, melhor, porque maiores serão as chances de as perspectivas distintas serem levadas em consideração, o que significa maior proteção ao grupo, inclusive considerando seus subgrupos, o que é essencial também no momento da celebração de autocomposição. É preciso ouvir as agências reguladoras, o Ministério Público, a Defensoria Pública, amici curiae, etc, aproveitando-se as previsões do PL sobre participação ampliada (arts. 20 e 22) igualmente para celebração de acordos.
Isso garantirá que o acordo contemple os interesses e perspectivas dos sujeitos envolvidos na situação conflituosa, e que haja reflexão sobre a própria viabilidade e efetividade do acordo no que se refere à tutela integral dos direitos. Aliás, sobre esse ponto, o PL dispõe que, para a autocomposição, poderão ser ouvidos órgãos e entidades com capacidade técnica, para se manifestarem sobre a “viabilidade técnica, operacional e financeira” das obrigações a serem assumidas.
Uma última observação que merece destaque é a oportunização de participação direta dos afetados. Embora haja – e deva haver – um controle da representação adequada, é preciso fomentar a oitiva direta dos sujeitos envolvidos na situação conflituosa.
Afinal, a participação direta é um dos princípios da tutela coletiva (art. 2º, II, do PL), e, especificamente no regramento da autocomposição, há previsão de que para concretização de seus princípios – dentre os quais a participação e informação –, “é admissível o uso de qualquer técnica, tais como consultas públicas, reuniões e audiências públicas, inclusive com o uso de meios eletrônicos”.
O uso de tecnologia para incrementar o exercício da democracia – em especial num espaço público e político como o processo coletivo – é muito bem-vindo e o PL anda bem ao incentivá-lo. Para tanto, podemos sair um pouco da realidade do processo judicial e avaliar iniciativas em outros espaços de deliberação, como no processo legislativo, inclusive em outros lugares do mundo. Há diversas possibilidades, como se vê no interessante TedTalk de Pia Mancini sobre como fomentar a democracia da era da internet.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>
Em realidade, a participação “via votação”, embora pareça estranha ao processo jurisdicional, já é o que ocorre em sistemas estrangeiros e, no Brasil, em processos concursais, complexos e multipolares como os coletivos.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> O tema é cada vez mais atual, considerando a virtualização de quase todas as nossas relações e nossas atividades, como comprovam as assembleias, audiências e julgamentos virtuais.
O importante é viabilizar que os afetados sejam ouvidos – por representantes ou diretamente – no importante momento de autocomposição, o que pode viabilizar a solução integral do conflito e a “melhor tutela” dos interesses envolvidos.
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}, 3000);
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> O texto pode ser conferido em: <a href="https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2001406">https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2001406</a>.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> No PL, a autocomposição relacionada a direitos individuais homogêneos pode ser por adesão. Tivemos já alguns exemplos no cenário brasileiro, como o acordo homologado pelo STF e celebrado entre a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), o Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) e outras associações, intermediado pela Advocacia Geral da União (AGU) e com intervenção do Banco Central do Brasil (BACEN) sobre os valores devidos aos poupadores em razão dos reajustes decorrentes dos planos econômicos.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Tivemos a oportunidade de escrever sobre alguns aspectos, à luz dos projetos 4.778 e 4.441, em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/participacao-e-representatividade-adequada-no-processo-coletivo-14042021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Pia Mancini, How to upgrade democracy for the Internet era. TEDGlobal 2014. Disponível em: www.ted.com/talks/pia_mancini_how_to_upgrade_democracy_for_the_internet_era, acesso em 1.9.2019.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Sobre o tema: TEMER, Sofia. Participação no processo civil: repensando litisconsórcio, intervenção de terceiros e outras modalidades de atuação. Salvador: Juspodivm, 2020.

Os limites do NJP na Execução Fiscal

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JOTA

Autocomposição no processo coletivo e representação dos interesses dos afetados

Autocomposição no processo coletivo e representação dos interesses dos afetados: notas sobre o Projeto de Lei nº 1.641/2021

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Notas sobre o Projeto de Lei 1641/2021