Arthur de Paula Lopes Almeida

Flavio Meyer

No nosso <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/aumentos-de-capital-em-conflitos-societarios-14052021">último encontro aqui no JOTA</a>, abordamos cenários em que o aumento de capital se impõe como medida efetivamente necessária para a companhia. Agora, convém analisarmos os critérios para fixação do preço de emissão das novas ações e a eventual configuração da diluição (in)justificada. O tema não é novo, mas ganha considerável relevância quando constatamos se tratar da principal causa de questionamentos judiciais de operações de aumento de capital envolvendo a emissão de novas ações<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
A <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/mercado/lei-6404-76-lei-das-sa-entenda-principais-regulacoes-22032022">Lei das S.A.</a> estabelece, em seu artigo 170, §1º, o objetivo básico para a fixação do preço de emissão das novas ações: não haver diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, mesmo existindo direito de preferência.
Para que se alcance esse desiderato, a Lei das S.A. elenca três critérios que podem ser utilizados de forma isolada ou cumulativa: 1) perspectiva de rentabilidade; 2) valor do patrimônio líquido da ação e 3) cotação em bolsa ou mercado de balcão organizado. O §7º do artigo 170 estabelece, ainda, que a proposta de aumento de capital deverá destacar o(s) critério(s) utilizado(s), “justificando pormenorizadamente os aspectos econômicos que determinaram a sua escolha”.
A abordagem sobre a fixação do preço de emissão das novas ações só tem lugar após superada uma premissa elementar: a efetiva necessidade do aumento de capital. Não sendo o aumento necessário, para-se por aí.
Mais: caso o aumento de capital seja efetivamente essencial, não basta apenas justificar sua necessidade. É de fundamental importância que se discrimine, também, o porquê de se ter escolhido esse ou aquele critério de fixação do preço de emissão das novas ações. A justificativa pormenorizada irá permitir avaliar, posteriormente, se o mecanismo de decisão empresarial foi, ou não, adequado.
Percebe-se então que a Lei das S.A. parece ter instituído um mecanismo de dupla justificativa: 1) uma justificativa inicial para a efetiva necessidade do aumento de capital, e, caso superado esse ponto, 2) uma outra justificativa focada nos critérios de fixação do preço de emissão.
As regras do jogo contra a diluição injustificada são fixadas pelo §1º do artigo 170 da Lei das S.A. Os três critérios lá elencados podem ser lidos como a “moldura” sugerida por Kelsen<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>: a indeterminação legislativa não objetiva especificar o “único” preço de emissão adequado, mas, sim, um espaço amostral para possíveis preços de emissão<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Lamy Filho e Bulhões Pedreira afirmam que só o interesse da companhia pode justificar a diluição. E fazem um caveat relevante: “[a] distinção entre a diluição legítima e ilegítima não pode ser precisada na lei porque pressupõe o conhecimento, em cada caso, das diversas circunstâncias relativas à intensidade do interesse da companhia na obtenção de recursos adicionais, à espécie e quantidade dos subscritores potenciais das novas ações e ao nível de preço de emissão que é necessário fixar para que esses investidores potenciais subscrevam efetivamente o aumento"<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Sob qualquer prisma que se analise o assunto, no entanto, parece inquestionável que a necessidade de aumento de capital não deve servir como justificativa para a diluição acionária. São assuntos distintos, e devem ser tratados de formas separadas.
Embora tal assertiva seja auto evidente, não é raro observar algumas confusões conceituais entre a justificativa do aumento de capital e a justificativa da eventual diluição.
Observe-se, por exemplo, o seguinte precedente do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/superior-tribunal-de-justica">STJ</a>: partindo-se de criticável interpretação a contrario sensu da lição de Carvalhosa<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, entendeu-se que “[h]avendo razões de ordem econômica ou administrativa para a proposta de aumento de capital social, sobretudo quando tal medida é indispensável à própria sobrevivência da empresa, considera-se justificada a diluição da participação dos sócios minoritários, aos quais deve ser assegurado o direito de preferência na aquisição das novas ações, nos termos do artigo 170, §1º, da Lei nº 6.404/1976"<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Além de, aparentemente, não estar plenamente alinhado com a lição que o embasou, tal precedente parece excluir a necessidade da dupla justificativa mencionada linhas acima. Mas seria mesmo assim? E, se assim fosse – se a necessidade do aumento justificaria a diluição –, não seria o §7º do artigo 170 da Lei das S.A. letra morta?
Os questionamentos acima são bem endereçados em paradigmático voto parcialmente vencido de autoria do desembargador Cesar Ciampolini, do TJSP: “[a] correta análise de aumentos de capital, desse modo, deve levar em consideração, necessariamente, a existência 1) de justificativas da necessidade da injeção de recursos; e 2) da legitimação econômica do preço escolhido. Não se pode admitir ocorra a diluição de acionista minoritário quando presente apenas uma das justificativas"<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
É justamente tal dupla justificativa que ensejou a divisão do presente texto em duas partes distintas. A justificativa da necessidade de aumento de capital – endereçada na parte 1 publicada no JOTA – não se confunde com a justificativa pormenorizada dos aspectos econômicos que determinaram a escolha do preço de emissão.
Parece-nos que a consolidação desse entendimento de dupla justificativa pode ser ferramenta de grande valia – tanto para as companhias e os participantes do mercado, quanto para os árbitros e magistrados que eventualmente se deparem com discussões assemelhadas.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Vide Almeida, Arthur de Paula Lopes. Irregularidades nos aumentos de capital das sociedades anônimas: perspectivas de Tribunais selecionados e da CVM. 2019. Dissertação (Mestrado em Direito Comercial) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019 – dissertação que também inspirou a elaboração deste artigo.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Kelsen, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 390.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Essa abrangência conceitual aplicável à fixação do preço de emissão se alinha com a business judgement rule e os standards para construção de uma decisão informada, refletida e desinteressada – mas deixaremos esse tema para uma próxima oportunidade.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Lamy Filho, Alfredo; Pedreira, José Luiz Bulhões. Abuso do poder de controle em aumento do capital social de banco comercial. In: A lei das S/A. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, v. 2, p. 503.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Excerto utilizado no referido precedente: "[s]erá também injustificada a diluição quando não houver causa para o aumento, ou seja, não tiver este razão econômica atual para ser efetivado" (Comentários à lei de sociedades anônimas, 3º volume: arts. 138 a 205, 6. ed. rev. E atual., São Paulo: Saraiva, 2014, p. 748).”
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> STJ. REsp nº 1337265/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 27.11.2018, DJ 07.12.2018.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> TJSP. Ap. nº 0076875-71.2001.8.26.0100, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Rel. Des. Enio Zuliani, j. 04.07.2018. Voto vencido: Des. Revisor Cesar Ciampolini.

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JOTA

Fixação do preço de emissão e diluição (in)justificada

Aumentos de capital em conflitos societários &#8211; parte 2

Aumentos de capital em conflitos societários - parte 2

Lei das S.A. estabelece objetivo básico para fixação do preço de emissão de novas ações: não haver diluição injustificada