Ana Beatriz Quintas Santiago de Alcantara

Caiã Lopes Caramori

É desafiador analisar os impactos do forte aumento do IGP (Índice Geral de Preços) em 2020-2021, porque ainda se tem um contexto macroeconômico mundial incerto, no qual a COVID-19 fez com que diversas políticas monetárias e fiscais externas fossem tomadas em prol de uma rápida recuperação dos principais mercados e índices de ações. No entanto, a crítica aponta tais ações como uma indução de comportamento artificial e distantes da economia real.
Tanto a aposta global na recuperação das economias decorrente da aplicação de vacinas quanto o aumento da liquidez em decorrência da injeção anabólica de dólares na economia mundial geraram um ambiente econômico propício à valorização das commodities e uma consequente queda de performance do Real face ao Dólar Americano. Tais fatos, aliados às restrições de ofertas de bens em virtude da pandemia, contribuíram para tal alta do IGP.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>O efeito da desvalorização do Real no IGP é um dos que mais chama a atenção, pois não se vê o mesmo impacto de forma abrupta em outros índices de preços, como por exemplo o IPCA. Historicamente, falar sobre estes dois índices e da variação do valor do Dólar face ao Real remonta aos anos 90, precisamente, o aumento da deflagração do Plano Real e a grande desconfiança em relação aos índices praticados pelo governo. Quem não se lembra do costume de fixar os preços contratuais em dólares, apesar do questionamento sobre a legalidade da prática?
Pois bem, em meio a uma década em que a ordem da vez era o controle inflacionário, a estabilização da moeda levou à maior utilização do IPCA para efeitos de controle econômico, inclusive, pelo Banco Central.  Por outro lado, o IGP continuou a ser utilizado em “contratos do dia a dia” e pelo setor privado de forma geral.
Criado no final da década de 40, o IGP é composto pelos seguintes subíndices: (i) IPA-M (Índice de Preço ao Produtor Amplo – Mercado), com peso 60%; (ii) IPC-M (Índice de Preços ao Consumidor), com peso 30%; e (iii) INCC-M (Índice Nacional do Custo de Construção), com peso 10%.
É notório que a composição do IGP não reflete necessariamente os hábitos de consumo dos brasileiros, principalmente, no que se refere ao setor de serviços e mercado imobiliário. Portanto, já se vislumbra potencial controvérsia quanto à inadequabilidade deste índice para determinados tipos de contrato.
<blockquote class="jota-article__eye">Assim, da mesma forma que em décadas passadas se adotava impropriamente a indexação de alguns contratos em dólar, criou-se um hábito econômico-contratual de indexação ao IGP que não se justifica para todos os setores.</blockquote>
Por ora, o que se pretende colocar em contexto é a hipossuficiência ou onerosidade excessiva imputadas a determinadas partes contratuais, que, neste momento, saem prejudicadas, em decorrência de um descasamento entre o índice indexador adotado nos contratos e a situação real dos brasileiros quanto a sua renda e os preços atrelados à indústria. Aqui, a controvérsia jurídica já se encontra instaurada.
A questão se alastra ao momento em que se questiona até que ponto tal alteração atípica pode ser considerada um critério válido para revisão contratual ou, de outra parte, se seria obrigatória a substituição do índice, tendo em vista, por exemplo, a aplicação das teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva, nos termos do Código Civil e da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Seja qual for a teoria aplicável à questão jurídica, o que importa, ao final, é o caso concreto. Até que ponto um contrato de aluguel residencial, por exemplo, deve ser reajustado com base em um índice de composição econômica semelhante ao IGP? A utilização desta modalidade de índice promove a segurança jurídica necessária para preservação das relações contratuais que estruturam nossa sociedade? Os mesmos questionamentos podem ser estendidos ao demais tipos de contratos reajustado pelo IGP, como locação comercial e planos de saúde, bem como às tarifas públicas e pensões alimentícias.
Não se tem uma resposta definitiva, e tampouco seria possível esgotar o tema com este curto ensaio, porém há um elefante na sala que não pode mais ser ignorado.
<blockquote class="jota-article__eye">O reajuste contratual foi pensado como uma forma de manter o contrato equilibrado, contextualizado e vivo. Porém, o que se tem observado nos últimos meses é o encerramento de contratos em razão do aumento atípico do IGP.</blockquote>
Assim, a análise quanto à possibilidade de revisão contratual deve partir necessariamente do caso concreto, de forma a considerar as peculiaridades da relação jurídica subjacente ao contrato. A depender das condições das partes e da alocação de riscos contratual, cabe a nós, aplicadores do direito, transportar a teoria para a prática e, assim, avaliar de forma individualizada cada relação jurídica colocada em questão, optando por métodos de resolução de controvérsias que sejam adequados à necessidade da parte e que levem em consideração toda a eficiência econômico-jurídica que o caso requer.
Infelizmente (ou felizmente), não há uma resposta geral para todos os casos, mas sim diversas alternativas que podem ser adotadas para mitigar os danos de um aumento substancial no valor das prestações. Dentre essas alternativas, tem-se a revisão contratual ampla, renegociação específica de cláusulas econômicas, remodelagem da estrutura financeira do contrato, alteração do sistema de garantias, apenas para citar algumas das possibilidades que, repete-se, deverão ser aplicadas de forma adequada ao caso concreto.
Esta é a estratégia que se tem em mãos. Devemos buscar soluções para o inevitável paradigma: o índice escolhido para manter vivos os contratos é, em muitos casos, a razão de sua morte prematura, inclusive em diversos setores de atividades específicas. Uma sociedade em que os contratos não são cumpridos e certos anacronismos são sustentados simplesmente em nome dos costumes ou da letra fria da norma deve abrir espaço para a reflexão e mudanças.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=b9z7dDRHnrg
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JOTA

Um anacronismo econômico de efeitos jurídicos nefastos

O aumento do IGP-M e os costumes de mercado

O aumento do IGP-M e os costumes de mercado. Um anacronismo econômico de efeitos jurídicos nefastos