Governo federal

Aumentar os impostos ou diminuir os benefícios?

Aprofundamento do déficit fiscal e da crise econômica, apesar das graves consequências sociais, criam rara oportunidade

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O déficit fiscal do governo federal vem aumentando desde 2014. Intensificou-se com medidas sanitárias de combate ao COVID-19. Projeções do Ministério da Economia apontam que chegaremos ao final do ano com rombo de mais de 700 bilhões de reais.

O crescente descompasso entre receitas e despesas aumenta a dívida pública e compromete as disponibilidades financeiras para investimento, impactando a qualidade de vida da população. A estimativa é que a dívida bruta chegue a 100% do PIB no final de 2020. Risco grande.

O ajuste das contas é imprescindível. E, em princípio, são duas as maneiras para romper o desequilíbrio vicioso e colocar o Brasil de volta na trilha do desenvolvimento.

A primeira é a redução gradual de gastos diretos realizados através de execução orçamentária. Estratégia priorizada pelo governo central nos últimos anos. Com esse foco, a emenda constitucional n⁰ 95/16 estabeleceu novo regime fiscal, limitando as despesas primárias aos mesmos valores do ano anterior, corrigidos apenas pela inflação.

A emenda abarcou, inclusive, obrigações constitucionais que asseguram direitos fundamentais, como as despesas com saúde e educação. Foi realizada também a reforma da previdência e encaminhados outros projetos para reestruturação da administração pública.

A segunda opção consiste na adoção de medidas que aumentem a arrecadação.  O caminho escolhido pelos governantes, em regra, é o aumento de impostos, como se observa da proposta de reforma tributária, recém-encaminhada. Criará grande sobrecarga, por exemplo, para o setor de serviços.

Em que pese as escolhas realizadas, o reequilíbrio das contas públicas não se dará apenas com a redução dos gastos diretos ou majoração da carga tributária. É preciso que haja o mesmo esforço para melhorar a governança e a eficiência arrecadatória por uma terceira via: o corte de incentivos tributários improdutivos. Verdadeiros privilégios fiscais.

Antes de reduzir as despesas com políticas sociais ou aumentar impostos, seria prudente reavaliar os inúmeros benefícios concedidos à iniciativa privada sem planejamento, sem racionalidade econômica e sem transparência, como já demonstrado pelos órgãos de controle. Falhas de governança que impedem o alcance dos resultados socioeconômicos e deprimem a receita pública.

O governo central – como os demais entes federativos – deve estabelecer rígido controle das metas e resultados dos benefícios, de forma a promover as indispensáveis revisões e cortes daqueles que não entregaram o que prometeram. Isto é, benefícios cuja eficiência e efetividade não sejam demonstradas em análise técnica pertinente. Afinal, desde a década de 60, os estudos de Stanley S. Surrey já demonstravam que a renúncia de receita também constitui um gasto público, ainda que indireto.

Os valores relacionados ao gasto tributário federal não são desprezíveis. A Receita Federal revela que as renúncias de receita tiveram um escalonamento de mais de 400% entre 2006 e 2020, passando de 77.687 para 320.799 bilhões de reais, o que representa mais de 20% da arrecadação e cerca de 4,3% do PIB.

No entanto, apesar de haver o reconhecimento de que tais incentivos também são causa do desajuste fiscal, essa agenda não tem sido priorizada ou tratada com a mesma austeridade dos gastos primários. O governo, até o momento, não apresentou a avaliação dos diversos programas de fomento, nem executou medidas efetivas e necessárias para evitar o desperdício desses escassos recursos.

Da mesma forma, ainda não há um teto para as renúncias de receita. Na gestão anterior, estabeleceu-se limites imediatos para as despesas públicas, mas o gasto tributário continuou em expansão.

O governo atual apresentou as propostas de emenda à constituição n⁰ 186/19 (PEC Emergencial) e n⁰ 188/19 (PEC Pacto Federativo), a fim de alterar o artigo 167 da CF/88. As PECs preveem prazos e diretrizes genéricas para revisão dos incentivos, incluindo o limite de 2% do PIB para as renuncias de receita.

No entanto, mesmo que o dispositivo seja aprovado, somente entra em vigor a partir de 2026; ou seja, sua implementação ficará para o próximo Chefe do Executivo. Enquanto isso, as renúncias de receita continuam crescendo, segundo estimativas da Receita Federal para 2020, não obstante a ausência de mecanismos que assegurem a transparência e a boa governança.

O aprofundamento do déficit fiscal e da crise econômica, apesar das graves consequências sociais, criam rara oportunidade: enfrentar tais privilégios e reformular as precárias estruturas institucionais que consolidaram inúmeros incentivos tributários ineficazes e ineficientes.