João Paulo da Silveira Ribeiro

Valmir de Oliveira Rodrigues Junior

O controle das contratações públicas pelos tribunais de contas no país tem sido objeto de grande repercussão. Não são raras as notícias e as manchetes que informam sobre a conclusão de auditorias que encontram graves irregularidades como sobrepreço e superfaturamento em obras públicas, ocasionando ações de ressarcimento e de improbidade administrativa em face dos gestores públicos envolvidos.
Contudo, pouco – ou quase nada – se discute sobre os critérios e parâmetros utilizados pelos tribunais de contas para alcançar suas conclusões. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Por imposição da Lei de Diretrizes Orçamentárias e, posteriormente, do Decreto nº 7.983/2013, a Administração Pública federal adota o Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI), mantido pela Caixa Econômica Federal, como referência para obras e serviços de engenharia. Por seu turno, para a contratação de serviços e obras de infraestrutura de transportes, a referência a ser adotada advém do Sistema de Custos Referências de Obras (SICRO), mantido pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).
Entretanto, conforme disposto no Roteiro de Auditoria de Obras Públicas do Tribunal de Contas da União (TCU), o SINAPI foi “concebido especialmente para atender às obras de edificações, saneamento e infraestrutura urbana”, ao passo em que o SICRO foi elaborado “precipuamente, às obras rodoviárias ou àquelas que contemplem serviços de pavimentação e terraplanagem em larga escala”.
Deste modo, a referência a ser adotada em qualquer caso – inclusive para aqueles de natureza complexa – utiliza custo padrão baseado em obras convencionais, repetitivas e de baixa complexidade. Em outras palavras: o mesmo referencial adotado para construção de moradias populares de menor custo é adotado pelos órgãos de controle para auditoria em obras públicas de construção e modernização de aeroportos, ferrovias, estádios, dentre outros.
Além da limitação de seu escopo, estes sistemas, por vezes, são incapazes de acompanhar a evolução do estágio da ciência. Com peculiar frequência, a construção civil se depara com novas técnicas, ferramentas e insumos aptos a incrementar a produtividade de equipamentos ou, ainda, substituir determinados serviços. Em um país marcado pela constante paralisação de obras de engenharia, muitas vezes por longos anos, não é incomum verificar a defasagem do estado da técnica inicial no momento de sua retomada.
Como se não bastasse, o procedimento de renovação dos sistemas de referência é extremamente moroso. Em 2017 e, após cerca de 11 anos de estudos, o DNIT implantou o novo SICRO, em substituição ao Sicro 2, vigente desde 2000. A nova referência apresentou diversas alterações metodológicas como, por exemplo, a alteração do cálculo da produtividade pela incidência de fatores de interferência de chuvas e tráfego, a alteração da metodologia do cálculo do custo horário de equipamentos, dentre outros. Estes elementos ocasionam a variação do preço final de referência e, por conseguinte, podem afastar eventual imputação de sobrepreço ou superfaturamento.
Infelizmente, são comuns as situações nas quais o gestor público e o parceiro privado são surpreendidos com a imputação da responsabilidade solidária para ressarcir o erário por danos provenientes de sobrepreço/superfaturamento em obras complexas – cite-se, exemplificativamente, a modernização de estádios, a construção de aeroportos ou de sistemas metroviários –, a partir de auditorias com base nas fontes oficiais de preço da Administração Pública federal (SINAPI e SICRO).
Entretanto, como assentado, o escopo dessas referências é limitado a analisar obras convencionais, repetitivas e de baixa complexidade. Se tratam, portanto, de grandezas distintas que, por óbvio, devem ser analisadas por medidas também distintas.
<blockquote class="jota-article__eye">Para se apurar a responsabilização de um gestor público em contratações de maior complexidade técnica, é fundamental que a economicidade do preço contratado possa ser atestada a partir do exame dos custos incorridos pela empresa contratada.</blockquote>
Um método eficiente e acolhido no âmbito das melhores práticas de auditoria do mundo consiste na adoção de estudos paramétricos, nos quais são comparados os valores pagos com o custo global de contratações semelhantes no Brasil e no exterior (1).
Diante disso, entende-se que, à luz do artigo 28 da LINDB, o agente público – e, por via de consequência, o particular – não podem ser responsabilizados por divergências metodológicas entre os critérios utilizados pelos tribunais de contas e aqueles adotados por ocasião da orçamentação e execução do contrato, desde que estes sejam devidamente fundamentados em premissas técnicas consistentes.
Não são raras as menções quanto à necessidade de capital privado para a consecução de grandes projetos de infraestrutura no país. Do mesmo modo, é recorrente o diagnóstico de que a atração desses investimentos depende de um cenário de maior previsibilidade e segurança. Deste modo, é imprescindível que, no âmbito das auditorias de obras públicas, seja afastada, de maneira definitiva, a materialização do denominado “crime de hermenêutica” – prática rechaçada no mundo inteiro, porém largamente praticada no Brasil – no qual o gestor público é punido apenas por ter adotado interpretação diversa daquela acolhida pelo órgão de controle (2).
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(1) A aplicação de estudos paramétricos possui previsão específica no âmbito das parcerias público-privadas: o art. 10, § 4º, da Lei nº 11.079/2004 prevê que a definição do valor de investimento do projeto se dará com base (i) em sistemas de custos que utilizem como insumo valores de mercado do setor específico do projeto ou (ii) considerando o custo global de obras semelhantes realizadas no Brasil ou no exterior.
(2) O Projeto de Lei nº 7.448/2018, que culminou na Lei Federal nº 13.655/2018, previa expressamente que “a decisão ou opinião baseada em jurisprudência ou doutrina, ainda que não pacificadas, em orientação geral ou, ainda, em interpretação razoável, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita por órgão de controle ou judicial” não caracteriza erro grosseiro (art. 28, § 1º). Em que pese o veto aposto ao dispositivo, sua premissa fundamental foi acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. Vide: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 35.196 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 12.11.2019, DJ 04.02.2020.

obras públicas

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JOTA

Discussão sobre os critérios e parâmetros utilizados pelos tribunais de contas para alcançar suas conclusões

Auditoria de obras públicas, divergências metodológicas e crime de hermenêutica

Discussão sobre os critérios e parâmetros utilizados pelos tribunais de contas para alcançar suas conclusões