Galtiênio da Cruz Paulino

O Código de Processo Penal traz em seu art. 310, com a redação estabelecida pela lei n. 13.964/2019, o instituto da audiência de custódia<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, aplicável nos casos de prisão em flagrante<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. A realização dessa audiência se destina a três objetivos: a) aferir a legalidade da prisão; b) verificar se os direitos e garantias fundamentais do custodiado foram observados (ex.: não ter sido torturado); c) analisar o cabimento da continuidade da segregação da liberdade do custodiado.
Ocorre que a Constituição Federal determina, no que diz respeito à prisão de um parlamente, em seu art. 53, §3º, que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.” 
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Nesse caso, ocorrendo a prisão em flagrante de crime inafiançável de um parlamentar, é cabível a realização de audiência de custódia, se compete à respectiva Casa do Congresso Nacional “resolver sobre a prisão”? Em sendo cabível, quem deve realizar a audiência de custódia?
Essa discussão veio à tona após recente prisão em flagrante delito de um parlamentar federal<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> <a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal declarou a legalidade da medida, em seguida foi realizada audiência de custódia e, posteriormente, a Câmara dos Deputados decidiu manter a restrição da liberdade do parlamentar.
<blockquote class="jota-article__eye">Toda prisão em flagrante envolve a análise de dois aspectos, o da legalidade e o da necessidade. Atualmente, esses aspectos, junto com um terceiro (respeito aos direitos e garantias fundamentais do custodiado) são aferidos em uma audiência de custódia.</blockquote>
O primeiro aspecto, a legalidade do ato administrativo de prisão<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, é de análise final do Poder Judiciário, única esfera da Administração Pública capaz de declarar em definitivo a legalidade ou a ilegalidade de um ato administrativo. No mesmo sentido é a questão referente aos direitos e garantias fundamentais de uma pessoa. Apenas o Judiciário poderá declarar em definitivo se eles (direitos e garantias fundamentais) foram respeitados.
O aspecto da necessidade da prisão envolve o juízo de ponderação entre o direito à liberdade do custodiado e o direito da sociedade à segurança. Essa análise, em regra, é realizada pelo Poder Judiciário.
Ocorre que a prisão de um parlamentar envolve outros direitos, em especial a representatividade da sociedade perante a gestão pública. O parlamentar é um longa manus da sociedade. Diante dessa peculiaridade do mandato legislativo, a Constituição Federal estipula no citado dispositivo (art. 53, §2º) que compete ao povo, por meio da respectiva Casa Legislativa, decidir se deverá prevalecer, em caso de prisão em flagrante de um parlamentar, o direito da sociedade à segurança ou o direito da sociedade à representatividade.
Nesse sentido, o procedimento da audiência de custódia deve ser compatibilizado com as peculiaridades constitucionais/valorativas da prisão de um parlamentar. Ao juízo caberá analisar a legalidade do ato e sobre a observância dos direitos e garantias fundamentais do custodiado, em decorrência de ser a esfera estatal capaz de se posicionar em definitivo sobre esses aspectos. À Casa Legislativa respectiva caberá se manifestar sobre a necessidade da continuidade da segregação da liberdade do parlamentar, não podendo discutir a legalidade da prisão em flagrante.
No caso recente envolvendo a prisão de um parlamentar federal, o Supremo Tribunal Federal, órgão competente em termos criminais para a análise jurisdicional do caso, considerou, por meio do seu tribunal pleno, a legalidade da prisão e designou para o dia seguinte a realização da audiência de custódia. Restou analisar na audiência se os direitos e garantias fundamentais do parlamentar foram observados no momento da prisão, pois já havia ocorrido uma análise antecipada de legalidade pelo juízo competente, bem como a outro órgão, a Câmara dos Deputados, incumbia aferir se a continuidade da segregação da liberdade do parlamentar era o interesse social que deveria prevalecer.
Desse modo, é possível a realização de audiência de custódia em caso de prisão de parlamentar em flagrante de crime inafiançável, porém os três aspectos tradicionais do ato devem ser fracionados, buscando compatibilizá-lo com a previsão normativa da Constituição Federal, especialmente aplicável ao parlamentar federal.
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O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=b9z7dDRHnrg
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente:       <a href="http://?#art3">(Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)</a>
I - relaxar a prisão ilegal; ou           <a href="http://?#art1">(Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).</a>
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do <a href="http://?#art312...">art. 312 deste Código</a>, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou              <a href="http://?#art1">(Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).</a>
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.              <a href="http://?#art1">(Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).</a>
1º Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em qualquer das condições constantes dos <a href="http://?#art23i">incisos I, II ou III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal)</a>, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação.    <a href="http://?#art3">(Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 13.964, de 2019)</a>
2º Se o juiz verificar que o agente é reincidente ou que integra organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, deverá denegar a liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares. <a href="http://?#art3">(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)</a>
3º A autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão.   <a href="http://?#art3">(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)</a>
4º Transcorridas 24 (vinte e quatro) horas após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva.      <a href="http://?#art3">(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Particularmente esse autor entende que a única hipótese de prisão que se admite a audiência de custódia é a em flagrante delito. Vide: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/audiencia-de-custodia-e-os-limites-de-incidencia-06082020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>  Não se está discutindo aqui se de fato foi uma prisão em flagrante ou se a medida era cabível.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> https://www.camara.leg.br/noticias/729294-camara-decide-manter-prisao-do-deputado-daniel-silveira
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> A prisão em flagrante é configurada por meio de um ato administrativo.

handcuffs

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JOTA

Cabe a realização de audiência de custódia se compete ao Congresso 'resolver sobre a prisão'?

Audiência de custódia e a prisão de um parlamentar

Em flagrante de crime inafiançável, cabe a realização de audiência de custódia, se compete ao Congresso 'resolver sobre a prisão'?