Leonardo Munhoz

Nos últimos dias circula no Brasil a <a href="https://www.canalrural.com.br/noticias/agricultura/estados-unidos-libera-agricultura-area-conservacao-ambiental/">notícia</a> de que os Estados Unidos, por meio do seu Ministério da Agricultura (USDA), liberaram atividades agropecuárias em áreas de preservação ambiental devido à maior demanda de produção ocasionada pelos impactos do conflito na <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ucrania">Ucrânia</a>. Tal notícia pode gerar questionamentos se os EUA vêm flexibilizando a sua norma ambiental para propriedades rurais e se haveria a possibilidade de se fazer o mesmo no Brasil. Dessa forma, é importante analisar o Direito Comparado, para que ruídos nesse tema sejam evitados.
Nos Estados Unidos a norma que regula a atividade agropecuária, seus subsídios e, inclusive, práticas de proteção ambiental é o Farm Bill. O texto teve origem nos anos 1930, com a finalidade de solucionar o problema criado com o abuso do uso da terra no meio-oeste do país, que na época gerou vários prejuízos (tempestades de areia, etc). Em 1985, o Farm Bill foi emendado com o Conservation Programs. Esta parte da norma estabeleceu três programas centrais para a preservação do meio ambiente e práticas agropecuárias mais sustentáveis: o Working Lands Conservation Programs<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, o Land Retirement Programs<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> e os Easements Programs<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
O Working Lands Conservation Programs, constituído por Conservation Stewardship Program (CSP)<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> e Environmental Quality Incentives Program (EQIP)<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>, possibilita que o produtor adote práticas sustentáveis no campo, estabelecidas pelo USDA, sendo recompensado financeiramente por isso. Já o Land Retirement Programs<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>e o Easements Programs<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a> são programas em que o produtor sofre uma limitação do seu direito de propriedade em não desenvolver atividades agropecuárias em áreas de mata ciliar, tendo como contrapartida uma remuneração financeira estabelecida por contrato de 15 a 30 anos.
Em outras palavras, esses programas do Conservation Programs do Farm Bill são instrumentos de pagamento por serviços ambientais de caráter voluntário, financiados pelo poder público. Para se ter uma ideia, para o período 2014-2018 o Congresso dos EUA autorizou um orçamento de US$ 56 bilhões para o financiamento desses programas.<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>
A recente mudança feita pelo USDA ocorre especificamente no Land Retirement Programs, no seu instrumento de Conservation Reserve Program (CRP).<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a> Com essa alteração, o produtor parte de um contrato de CRP pode no seu último ano de vigência (15º ano) optar pela não renovação e preparar a terra para futura atividade agropecuária, devido à maior demanda de produção global, em vez de manter a mata ciliar antes <a href="https://www.fsa.usda.gov/state-offices/Illinois/news-releases/2022/usda-to-allow-producers-to-request-voluntary-termination-of-conservation-reserve-program-contract#:~:text=SPRINGFIELD%2C%20Illinois%2C%20May%2026%2C,season%20for%20fiscal%20year%202022">financiada pelo governo</a>.
Assim, o USDA não estaria liberando agricultura em áreas de preservação ambiental, já que todos os três programas voluntários, com seus respectivos contratos de PSA, foram mantidos. Somente para contratos de CRP, exclusivamente no seu último ano ao optar pela não renovação (prerrogativa do produtor), é permitido de forma prévia preparar o solo para atividades agropecuárias.
Neste ponto, também deve-se notar a diferença da estrutura legal de preservação do meio ambiente utilizada por EUA e Brasil. Nos EUA a preservação de matas ciliares não é uma obrigação legal, mas sim uma opção do produtor rural em participar de um programa de PSA, o qual é um mecanismo de mercado. Já no Brasil, a manutenção de matas ciliares é uma obrigação legal estabelecida no Código Florestal (Lei Federal 12.651/2012), com a Área de Preservação Permanente (APP), exclusivamente de caráter de comando e controle.
Ambas as estruturas legais protegendo as matas ciliares possuem vantagens e desvantagens. Nos EUA, por ser um PSA opcional, financiado pelo poder público, o produtor tem um incentivo próprio em preservar, devido à remuneração econômica. Já no Brasil, por ser uma obrigação imposta por lei, o produtor arca com o ônus da limitação ao seu direito de propriedade com a APP.
Por outro lado, o sistema legal de comando e controle brasileiro protege uma área muito maior. Com APP e Reserva Legal, hoje o Brasil tem preservados aproximadamente 120 milhões de hectares<a href="#_ftn12" name="_ftnref12">[12]</a>, enquanto os EUA para 2022 estão <a href="https://www.fsa.usda.gov/news-room/news-releases/2022/usda-announces-conservation-reserve-program-signups-for-2022">protegendo somente 8,9 milhões de hectares</a>, uma vez que a extensão do Conservation Programs depende diretamente do orçamento disponibilizado para o ano em questão.
Observando esses números, fica evidente a eficácia da proteção imposta pelo Código Florestal e pelo esforço e sacrifício do produtor rural brasileiro. Assim, seria pertinente criar mecanismos e ações que beneficiem o produtor nacional por seguir essa legislação. Tornar o Código Florestal referência de produção sustentável no mundo, habilitar programas de PSA referentes à APP e RL, entre outros, pode afastar a impressão de que o Código Florestal é meramente um ônus para a atividade econômica, inclusive fortalecendo a preservação ambiental nas propriedades rurais do país.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn2">[1]</a> 16 U.S.C. § 3865.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn3">[2]</a> 16 U.S.C. § 3831
<a href="#_ftnref3" name="_ftn4">[3]</a> 16 U.S.C. § 3831 d, 1, e
<a href="#_ftnref4" name="_ftn5">[4]</a> 16 U.S.C. § 3839aa-21
<a href="#_ftnref5" name="_ftn6">[5]</a> 16 U.S.C. § 3839aa
<a href="#_ftnref6" name="_ftn7">[6]</a> 16 U.S.C. § 3831
<a href="#_ftnref7" name="_ftn8">[7]</a> 16 U.S.C. § 3865.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn9">[8]</a> Congressional Research Service, Conservation Provisions in the 2014 Farm Bill (P.L. 113-79), Megan Stubbs. Specialist in Agricultural Conservation and Natural Resources Policy, April 24, 2014, p. 4. Available at: <a href="http://www.nationalaglawcenter.org/wp-content/uploads/assets/crs/R43504.pdf">http://www.nationalaglawcenter.org/wp-content/uploads/assets/crs/R43504.pdf</a>
<a href="#_ftnref9" name="_ftn10">[9]</a> 16 U.S.C. § 3831
<a href="#_ftnref10" name="_ftn12">[10]</a> Serviço Florestal Brasileiro. Boletim Informativo, Edição especial de 4 anos do CAR, 2018. Disponível em: <a href="http://www.florestal.gov.br/boletins-do-car/3657-boletim-informativo-edicao-especial-4-anoscar/file">http://www.florestal.gov.br/boletins-do-car/3657-boletim-informativo-edicao-especial-4-anoscar/file</a>

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