Cecília Gomez Sodré

Konstantin Gerber

O texto substitutivo do PL 399/2015, cuja redação foi elaborada no gabinete do deputado federal Luciano Ducci (PSB-PR), deixou muitas pessoas envolvidas com a demanda de regulamentação do plantio individual e associativo da cannabis para fins medicinais sem saber se apóia ou se rejeita, tendo em vista que diversas demandas da sociedade civil foram ignoradas, como o cultivo doméstico, a descriminalização do consumo pessoal, o desencarceramento e a reparação histórica pelas vítimas da guerra às drogas.
Apesar de terem sido incluídas as Associações de Pacientes, estas foram praticamente equiparadas às empresas, já que a proposta prevê diversas medidas de controle que implicam altos investimentos. Outra proposta que contempla as associações civis de uso medicinal é o PLS 4776/2019, de autoria do senador Flávio Arns (Podemos-PR), bastando que o associado disponha de prescrição médica, deixando, porém, os requisitos para o regulamento administrativo.
Conforme a minuta do substitutivo do PL 399/2015, somente poderão cultivar as pessoas jurídicas, aí incluídas empresas privadas, instituições de pesquisa e ensino públicas ou privadas, o Estado (mediante a Farmácia Viva do SUS) e as Associações de Pacientes, todos devendo atender a requisitos de controle.
<a href="http://conteudo.jota.info/aprovometro-jota"><img class="aligncenter wp-image-292714 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/aprovometro.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>As sementes e mudas utilizadas no cultivo devem ser certificadas de acordo com a Lei nº 10.711/2003, a chamada Lei de Sementes, para atestar a origem genética por meio de laboratório credenciado. Essa lei e o regulamento (Decreto 10.586/2020) preveem as diversas regras que as pessoas físicas ou jurídicas devem atender para terem autorização de produção, beneficiamento, comercialização, importação e exportação de sementes e mudas.
Apesar das normas dispensarem o atendimento aos inúmeros requisitos e cadastros junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para sementes crioulas, tradicionais e da agricultura familiar, o PL 399/15 não incluiu essa possibilidade. O não atendimento às normas da Lei de Sementes implica na aplicação de sanções que vão, desde advertência, até multa e fechamento do estabelecimento.
O melhor caminho seria a descriminalização tanto do autocultivo, quanto do cultivo associativo, com distribuição apenas e estritamente entre associados, prevendo-se a dispensa para associações de exigências de certificação, no caso de variedades genéticas tradicionais, com regras de certificação participativa, como para orgânicos da agricultura familiar.
Uma possibilidade para pessoas físicas seria a previsão de excludente de ilicitude para o plantio individual com finalidades medicinais, como o faz o PLS 514/2017, de autoria da Comissão de Direitos e Legislação Participativa do Senado, conquanto que acompanhado de receita médica, excludente que deve abranger a conduta de importação de sementes, situação que aliás já foi objeto de manifestação pelo Poder Judiciário de que não configura fato típico.
<blockquote class="jota-article__eye">O PL 399/15 estipula que o cultivo medicinal é licenciado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); e o cultivo industrial, incluída a finalidade veterinária, pelo MAPA.</blockquote>
São previstas cotas de cultivo de acordo com demanda pré-contratada e com finalidade pré-determinada, devendo ser mantidos controles de rastreabilidade desde a aquisição da semente até o processamento final e descarte, implicando em investimentos em tecnologia e controle. Prevê também um Plano de Segurança Patrimonial para evitar a entrada de pessoas não autorizadas, com sistema de videomonitoramento, restrição de acesso e cerca elétrica.
Há critérios para o armazenamento das sementes, plantas, insumos e extratos de cannabis, para o descarte de resíduos e da mesma forma para o transporte, inclusive para associações civis, só podendo ser feito em veículo particular da associação ou de seu responsável legal. O cultivo de cannabis medicinal só poderá ser feito em casas de vegetação, o chamado cultivo indoor, o que parece destoar da experiência <a href="https://sechat.com.br/maior-plantacao-europeia-de-cannabis-medicinal-fica-na-regiao-de-alentejo-em-portugal/#:~:text=A%20planta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Aljustrel,ao%20ar%20livre%20da%20Europa." target="_blank" rel="noopener noreferrer">portuguesa</a>.
Já o cultivo outdoor fica reservado para o cânhamo industrial. De acordo com a proposta, será exigida a presença de um responsável técnico, com nível superior e registro no órgão de classe, que se responsabilizará pela garantia das boas práticas e técnicas de cultivo, bem como pelo teor de THC das plantas cultivadas.
O PL 399/15 prevê a possibilidade das associações fornecerem produtos magistrais ou oficinais fitoterápicos de acordo com as regras mínimas previstas para as Farmácias Vivas do SUS. Também será exigido das associações a obediência às leis (Lei 5.991/1973 e Lei 6.360/1976) e às normas infralegais de controle sanitário, segurança e de registro de medicamentos sujeitos a controle especial.
As embalagens dos produtos elaborados pelas associações deverão exibir obrigatoriamente informação sobre os teores de canabinóides presentes em sua fórmula. Isso também implica em possuir uma tecnologia de análise laboratorial ou um convênio com um laboratório ou instituto de pesquisa.
As associações já constituídas quando da publicação da lei terão o prazo de 24 meses para se adequar às regras previstas. O descumprimento das normas do PL 399/15 ensejará a aplicação das sanções previstas na Lei 6.437/1977, que trata sobre as infrações à legislação sanitária federal, cujas penalidades vão desde advertência, passando por aplicação de multas de até R$ 1,5 milhão até a interdição total do estabelecimento. Além dessas sanções administrativas, o descumprimento também poderá ensejar sanções de natureza civil e penal.
Em tese, mantém-se a possibilidade de indiciar as associações que não estejam enquadradas como associações criminosas. O art. 27 ressalta que as ações praticadas de acordo com o PL não serão consideradas ato ilícito de acordo com a Lei 11.343/2006, a Lei de Drogas. Ou seja: o autocultivo, o uso adulto da planta in natura, bem como o não atendimento às exigências ali previstas poderão ser enquadradas como crime.
<blockquote class="jota-article__eye">Observa-se que a quantidade de requisitos de controle que demandam investimento financeiro para o cultivo e processamento da cannabis pelas associações são tão altos que podem inviabilizar a atuação das associações de pacientes e talvez até implicar no fechamento das já existentes.</blockquote>
O que será das pequenas associações de mães de crianças autistas que possuem seus cultivos no quintal de suas casas, que também são a sede das associações, e que já produzem remédios caseiros adequados e eficazes para o tratamento de seus filhos? Terão que parar de cultivar? Terão que buscar doação de pessoas que possuam esses recursos financeiros para adaptar seus cultivos às exigências da proposta legislativa? E se não conseguirem? Terão que recorrer à justiça para garantir seu direito à saúde.
Os requisitos para Farmácia Viva, estendidos para associações, poderiam ser previstos em uma lei instituidora de Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. De se ressaltar que a aplicação das regras da Farmácia Viva, um regramento de direito público, faz sentido nas hipóteses daquelas associações que venham a compor o parque industrial da saúde ou venham de algum modo compor a política de saúde por meio de desenvolvimento de fitoterápico tradicional com possibilidade de distribuição a terceiros não associados, o que depende de testes clínicos de validação e também de boas práticas.
Na hipótese de distribuição única e estritamente entre associados, entende-se que deve prevalecer a autonomia associativa, com regras de direito privado, bastando o acompanhamento médico por meio de laudos observacionais, em prestígio à autodeterminação, dignidade e privacidade dos pacientes.
Sustenta-se a existência de um direito fundamental ao remédio caseiro advindo de fitoterápico tradicional. A farmacovigilância de plantas medicinais deve abarcar os compostos fitoterápicos artesanais de cannabis: uma farmacovigilância participativa democrática em que se possa relatar efeitos adversos, sem contudo ignorar a necessidade de acesso a testes genéticos e testes cromatográficos de modo que pacientes possam conhecer sua bioafinidade a canabinóides, bem como monitorar os parâmetros de canabinóides nas variedades cultivadas e nos extratos, preparados e tinturas.
Pensar em dose padrão pode até fazer sentido para sintéticos ou medicamentos com THC purificado, mas, no caso de formulações oficinais, há necessidade de construção de uma farmacovigilância participativa. O papel da pesquisa é justamente fornecer estudos para que a cannabis integre os formulários de fitoterápicos da Farmacopéia Brasileira. No caso do PL 399/15, emenda aditiva pode ser apresenta para que um Conselho Consultivo do Setor Regulado da Cannabis, integrado por membros de associações e do poder público, seja criado, como na <a href="http://servicios.infoleg.gob.ar/infolegInternet/anexos/270000-274999/273801/norma.htm#:~:text=Uso%20Medicinal%20de%20la%20Planta%20de%20Cannabis%20y%20sus%20derivados.&amp;text=La%20presente%20ley%20tiene%20por,cuidado%20integral%20de%20la%20salud." target="_blank" rel="noopener noreferrer">Argentina</a>.
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O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw

This is marijuana

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JOTA

Conforme a minuta do substitutivo do projeto de lei, somente pessoas jurídicas poderão fazer cultivo

Associações de uso medicinal de cannabis no PL 399/2015

O papel da pesquisa é fornecer estudos para que a canabis integre os formulários de fitoterápicos da Farmacopéia Brasileira