Marcus Vinicius Dias

Em 2010 os Estados Unidos aprovaram um conjunto de leis que foram chamadas de Affordable Care Act. Popularmente ficaram conhecidas como Obamacare, em referência ao titular da Casa Branca da época. O objetivo era melhorar a qualidade e reduzir os custos dos serviços de saúde na América, encorajando, entre outras coisas, médicos, hospitais e outros prestadores de assistência a tornarem-se responsáveis por uma população de pacientes por meio de sistemas integrados de prestação de cuidado. Dentro desta reforma foi instituído o Share Saving Program, iniciativa que visa a compartilhar os resultados financeiros, frutos de economias na execução da assistência, entre os prestadores e o Medicare, que é o seguro federal de saúde ao qual está vinculada significativa parte da população. O modo pelo qual esse programa opera é através das Accountable Care Organizations (ACOs), que são organizações de saúde remuneradas pelos serviços prestados mediante à métricas de qualidade e redução de custos assistenciais, a partir de contratos estabelecidos com uma fonte pagadora para o cuidado de uma determinada população segurada. E uma parte da economia gerada na assistência fica com o prestador. Uma ACO que deseje participar do Share Saving Program deve celebrar um acordo com a fonte pagadora pública através de um contrato não inferior a três anos. A ideia é meritória. Compartilhar responsabilidades e resultados entre pagadores e prestadores; estabelecer métricas qualitativas às quais se vincule o pagamento do serviço prestado; buscar geração de valor ao usuário...
Mas para prover uma assistência integral que gere valor ao usuário e economia ao contratante, como regra, há a necessidade de multidisplinaridade e multiespecialidade médica. No intuito de assegurar este cuidado integral, houve a necessidade de, para a formação de uma ACO, reunir-se, dentro de uma joint venture, dentro de um pessoa jurídica ou de uma outra modalidade associativa empresarial, diversos prestadores de uma única cadeia de cuidado, que recebem de modo conjunto o repasse financeiro do Medicare. Adicionalmente, não há vedação que estas ACOs prestem serviços para outros seguros privados. Portanto, temos a formação de um novo grupo empresarial que se origina a partir de uma associação entre vários prestadores para oferecer um serviço especializado e regulamentado (uma vez que para ser uma ACO é necessário a observação de alguns critérios técnicos e de uma autorização governamental) para o mercado trilhonário da saúde americana. E isso acendeu o alerta das autoridades antitruste daquele país.
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Reconhecendo que as ACOs podem gerar oportunidades para os prestadores de saúde inovarem tanto no mercado de Medicare, como no mercado privado, e alcançarem para muitos outros consumidores os benefícios pretendidos pelo Congresso para os beneficiários de Medicare através do Share Saving Program, a Comissão de Comércio do Congresso, bem como a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça (equivalente americano ao nosso CADE), passaram a analisar com cautela esse movimento com intuito de maximizar e fomentar oportunidades de inovação e melhor qualidade de serviço para os usuários das ACOs. Estes órgãos reconhecem que nem todos essas ACOs são capazes de beneficiar os consumidores, e sob certas condições poderiam reduzir a concorrência e prejudicar os consumidores através de preços mais altos ou qualidade inferior dos cuidados de saúde. Assim, a análise antitruste dos requerentes de ACO ao Share Saving Program procura proteger tanto os beneficiários do Medicare quanto os pacientes com seguro privado de potenciais danos anticoncorrenciais, ao mesmo tempo que dá às ACOs a oportunidade de alcançar eficiências significativas. Para alcançar estes objetivos, desenvolveram a Declaração de Política de Aplicação da Legislação Antitruste relativa às Accountable Care Organizations que participam do Share Saving Program. Tal política destina-se a assegurar que os prestadores de cuidados de saúde tenham a clareza e orientação antitruste necessárias para formar ACOs pró-competitivas que participem tanto no mercado do púbico quanto do privado.
A declaração de política aplica-se a colaborações entre fornecedores independentes e grupos de fornecedores que são elegíveis e tem a intenção, ou foram aprovados, para participar no Share Saving Program. A declaração de política não se aplica a fusões, que seguem avaliadas à luz das Orientações sobre Fusões Horizontais das Agências, e também não se aplica a entidades únicas e plenamente integradas.
As leis antitruste tratam dos chamados acordos de fixação de preços “nus” e de repartição de mercado entre concorrentes como sendo ilegais per se. Os acordos conjuntos de preços entre prestadores de cuidados de saúde concorrentes são avaliados segundo a regra da razão (regra pela qual somente são consideradas ilegais as práticas que restrinjam de modo não razoável a concorrência). Entretanto, se os prestadores estão, financeira ou clinicamente, integrados, e o acordo é razoavelmente necessário para realizar os benefícios pró competitivos da integração, tal associação pode ser admitida pelas autoridades antitruste.
Uma análise baseada na regra da razão avalia se a colaboração é passível de ter efeitos anticoncorrenciais e, em caso afirmativo, se as potenciais eficiências pró competitivas da colaboração são suscetíveis de superar esses efeitos. Quanto maiores forem os prováveis efeitos anticoncorrenciais, maiores devem ser os possíveis ganhos de eficiência para que a colaboração seja aprovada aos olhos das leis antitruste. Os órgãos antitruste têm articulado as normas de integração tanto financeira como clínica em várias declarações públicas, discursos, análises empresariais e pareceres consultivos. Por exemplo, as declarações das agências sobre a Política de Aplicação da Legislação Antitruste nos Cuidados de Saúde ("Declarações sobre os Cuidados de Saúde") explicam que nos casos em que os participantes de joint ventures médicas concordaram em partilhar um risco financeiro substancial, o seu acordo de compartilhamento de riscos geralmente estabelece tanto um objetivo de eficiência global para o empreendimento quanto incentivos para que os participantes atinjam essa meta. As declarações dos cuidados de saúde explicam ainda que as joint ventures dos prestadores de saúde também podem envolver integração clínica suficiente para assegurar que o empreendimento possa produzir eficiências significativas. A integração clínica pode ser evidenciada pela joint venture implementando um programa ativo e contínuo para avaliar e modificar padrões de prática pelos prestadores de cuidados de saúde do empreendimento e para criar um elevado grau de interdependência e cooperação entre os prestadores de cuidados de saúde para controlar os custos e assegurar a qualidade.
O Affordable Care Act prevê que o Medicare pode aprovar ACO que cumpram determinados critérios de elegibilidade, incluindo: uma estrutura legal formal que permita à ACO receber e distribuir pagamentos para economias partilhadas; uma estrutura de liderança e gestão que inclua processos clínicos e administrativos; processos para promover a medicina baseada em evidências e o envolvimento dos pacientes; relatórios sobre medidas de qualidade e racionalidade de custos; e, por fim, de cuidados coordenados para os beneficiários.
Por outro lado, os órgãos antitruste não enumeraram previamente os critérios específicos necessários para estabelecer a integração clínica, mas responderam, quando provocados, à questionamentos de prestadores de cuidados de saúde que decidiram formas específicas de integrar os seus sistemas de prestação de cuidados de saúde para melhorar a qualidade e reduzir os custos. Os reguladores optaram por evitar prescrever a forma como a integração clínica deve ocorrer.
À luz dos critérios de elegibilidade do Medicare, e da sua monitorização dos resultados de cada ACO, a Comissão de Comércio do Congresso e a Divisão Antitruste do Departamento de Justiça tratarão as negociações conjuntas com pagadores privados como razoavelmente necessárias ao objetivo principal de uma ACO em melhorar a prestação de cuidados de saúde, e darão um tratamento de regra da razão a uma ACO que cumpra os requisitos de elegibilidade do Medicare, e participe no Share Saving Program, e utilize as mesmas estruturas de governação e liderança, e os mesmos processos clínicos e administrativos, que utiliza no Share Saving Program para servir pacientes em mercados privados.
O conceito de Saúde Baseada em Valor inaugurado por Michael Porter e Elizabeth Teisberg na 1ª década deste século, não só chacoalharam com a lógica da gestão e da assistência em saúde, como tem gerado frutos concretos por todo o mundo. Ao inverter a lógica do fee for service tradicional e atrelar a remuneração ao desempenho assistencial e ao valor gerado ao paciente, criaram não um modelo de pagamento de serviço, mas uma filosofia de cuidado em que o paciente está no centro do cuidado e o melhor desfecho assistencial possível ao menor custo unitário seja o alvo. Esse conceito é absolutamente intuitivo e desejável. E, pelo comentado acima, todo esforço para se atingir essa meta deve ser buscado. Mesmo que isso requeira atos de concentração concorrenciais, como nos aponta o CADE do Tio Sam. Mas para que tais atos de concentração sejam tolerados é necessário que se dê transparência aos desfechos clínicos, à economia gerada e à satisfação dos usuários...

hospital vazio

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JOTA

O que nos dizem os órgãos antitruste americanos?

Associação entre prestadores de saúde pode ser enquadrada como ato anticoncorrencial?

Associação entre prestadores de saúde pode ser enquadrada como ato anticoncorrencial? O que nos diz os órgãos antitruste norteamericanos