Ana Paula O. Ávila

Luciana Aranalde

A prática de assédio moral e sexual foi objeto de pesquisa feita no ano passado pela<a href="https://www.ibanet.org/" target="_blank" rel="noopener noreferrer"> International Bar Association</a> (IBA, associação global que congrega profissionais ligados ao Direito), cujos resultados <a href="https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/pesquisa-empirica/assedio-sexual-brasil-15052019">já foram divulgados aqui no JOTA</a>. Saltam aos olhos os dados revelados de que 33% das mulheres já sofreram assédio sexual (sendo que 75% das vítimas não reportaram o caso por temor à repercussão) e 50% já foram vítimas de assédio moral (sendo que metade não reporta o incidente). 53% dos ambientes de trabalho possuíam políticas claras para a prevenção do assédio e apenas 22% dos entrevistados receberam algum tipo de treinamento nesse sentido.
O interessante nesses dados é que eles refletem a situação do assédio nos escritórios de advocacia, locais onde, devido à formação de profissionais que necessariamente passam pelo estudo da Constituição Federal, as questões atinentes aos direitos fundamentais são – ou deveriam ser – itens de série. Porque é isso que o assédio compromete: os direitos fundamentais à dignidade, à liberdade, à autodeterminação, à integridade física e psíquica, à intimidade, à moral e à imagem das vítimas. Se esses são os números em escritórios de advocacia, é constrangedor imaginar em que pé andam as coisas nos locais onde a sensibilização sobre esses direitos não é parte das rotinas.
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Em 2019, a Convenção 190 da OIT usou as expressões “violência ou assédio” para referir “uma gama de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou ameaças, tanto isoladas quanto recorrentes, que objetivam (ou podem resultar em) danos psíquicos, psicológicos, sexuais ou econômicos, incluindo a violência e o assédio baseados em gênero” (tradução livre).
O tema é extremamente relevante para a área de compliance das empresas: primeiro, porque no Brasil o assédio sexual é tipificado como crime no Código Penal (art. 216-A) e a omissão diante de sua prática terá profundos reflexos para a imagem da organização; segundo, porque o Tribunal Superior do Trabalho (TST), apoiado no art. 932, inc. III, do Código Civil Brasileiro, vem firmando o entendimento de que a responsabilidade civil da empresa é objetiva (independe de sua culpa, portanto) em razão do assédio moral ou sexual praticado por seus empregados no âmbito da relação de emprego, ainda que sem o conhecimento do empregador.
Cabe ressaltar que há outras sanções dirigidas às organizações onde ocorre o assédio. Basta lembrar, por exemplo, que a Lei n. 11.948/09 proíbe, em seu art. 4º, a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente.
Também é sabido que muitas empresas adotam a chamada gestão por estresse ou straining, caracterizada quando as vítimas do constrangimento psicológico são todos os empregados, indistintamente, de um mesmo empregador, estabelecimento ou setor. Trata-se do “assédio moral organizacional”, o qual implicará, igualmente, dano moral compensável em razão de ato ilícito. Por meio desta "técnica gerencial", os empregados são levados ao limite de sua produtividade em razão de ameaças que vão da humilhação e ridicularização em público até a despedida.
Essa modalidade é mais grave que o tradicional assédio moral interpessoal, por se tratar de uma prática institucionalizada pela empresa, cuja meta é incrementar a lucratividade às custas da dignidade dos trabalhadores. Caracterizada esta hipótese, será devida uma indenização por dano moral coletivo com tripla função: (a) a função punitiva, para punir a conduta; (b) a função pedagógica, para dissuadir os infratores (função pedagógica específica) e a sociedade (função pedagógica genérica) de incorrerem em tal prática; e ainda (c) a função reparadora, na medida do possível, dos bens lesados, nos termos do art. 13 da Lei 7.347/85.
Com tudo isso na mesa, a prática de assédio, tanto sexual quanto moral, para além de ensejar a responsabilização individual de quem o pratica, exige muita atenção quanto aos riscos que representa para as empresas.
<blockquote class="jota-article__eye">Como não importa averiguar sua culpa, é o empregador quem de fato responderá pelos atos praticados por seus empregados, serviçais e prepostos (CC, art. 933).</blockquote>
Em que pese a métrica estipulada pelo art. 223-G, §1º, da CLT (tema controvertido em quatro ações que tramitam no Supremo, as ADIs 5.870, 6.050, 6.069 e 6.082), na Justiça do Trabalho as indenizações devidas pelas empresas em razão do dano moral à vítima são comumente arbitradas em valores que vão de 5 a 15 mil reais, passivo que se soma aos graves prejuízos que podem atingir a reputação da empresa se o caso não for conduzido com diligência e discrição. A oscilação na fixação da indenização decorrerá justamente do modo como a empresa lida com o assédio e como a crise é gerida a partir do recebimento de uma denúncia.
Gestão de crise, de acordo com o Business Standard 11200:2014, é a direção geral da resposta de uma organização a eventos disruptivos, de modo eficaz e tempestivo, a fim de evitar ou minimizar os danos à lucratividade, à reputação e/ou à capacidade operacional de uma organização. A par da proteção da dignidade dos trabalhadores, é em razão dos danos à reputação que o compliance da empresa deve ter especial cuidado com as denúncias de assédio, daí a importância de protocolos pré-estabelecidos que forneçam aos dirigentes orientações sobre o que fazer.
Preventivamente, as empresas devem adotar e divulgar uma política clara de combate ao assédio, realizando o respectivo treinamento de todos os funcionários. Os treinamentos devem ser conduzidos a partir de abordagens práticas, já que as definições legais de assédio sexual e moral são genéricas e abstratas, podendo se manifestar concretamente por diversas modalidades de conduta. Além disso, todos devem ficar cientes das possíveis consequências do assédio, que vão da advertência à dispensa por justa causa do assediador.
Em havendo a necessidade de remediação, os canais de denúncia e demais recursos de compliance devem estar disponíveis para os relatos de assédio, os quais deverão ser prontamente investigados, procedendo-se à coleta de provas documentais e testemunhais. Tudo deve ser devidamente documentado, resguardando-se a confidencialidade para proteger tanto os direitos da vítima como os do acusado.
Durante todo esse processo, a empresa deve prestar assistência à vítima, demonstrando empatia, oferecendo apoio psicológico e, à medida que a investigação avança, mantendo a vítima informada sobre as providências tomadas para a apuração dos fatos. Isso é muito importante para que o caso seja resolvido interna e discretamente, pois, em geral, as vítimas só levam as denúncias a público quando sentem que nada vai acontecer ou acreditam que a empresa não está realmente comprometida em responsabilizar o agressor e reparar os danos. Finalmente, apurada a denúncia e comprovado o assédio, o afastamento do assediador é medida que se impõe, numa demonstração de que o Código de Conduta da empresa existe para ser levado a sério.
Aliada a esses recursos de compliance, destaca-se ainda a mediação como ferramenta para prevenir, gerir e resolver conflitos de forma eficiente. Este instrumento tem sido fundamental para promover mudanças de paradigma, sobretudo por sua proposta de abandonar a cultura da competição e da sentença judicial como único método para solucionar conflitos. De fato, a maioria dos conflitos surge em razão de comunicação equivocada, tanto pela falta de entendimento de uma das partes quanto pela desinformação de ambas, e o ânimo belicoso é ainda potencializado pela explosão emocional ou por propostas muito distantes do real interesse de quem vivencia o problema.
Tudo isso também se passa em situações de assédio e esse tipo de problema, quando publicizado, intensifica os já irreversíveis prejuízos às partes no conflito. A figura do mediador, nesse cenário, é de vital importância para ajudar os envolvidos a focar em interesses – não em posições – e no escopo de gerar propostas criativas e parâmetros justos e adequados para uma solução definitiva da disputa. A grande vantagem de instituir-se o procedimento prévio de mediação como estratégia de gestão empresarial, para além do uso das ferramentas mais adequadas ao tratamento do conflito, está justamente no aspecto da confidencialidade, tão crucial nessas situações.
Se, apesar dessas cautelas, o caso vem à tona e se torna público, é certo que a empresa sofrerá o escrutínio quanto à sua reação diante do fato e também quanto às medidas que tenham sido adotadas na prevenção do assédio. Apesar da responsabilização objetiva da empresa, sua postura de intolerância ao assédio e sua diligência na apuração dos fatos não só serão consideradas na delimitação do passivo financeiro, como serão fundamentais para resguardar a imagem e a reputação da empresa, preservando-a contra outras repercussões graves que antes mencionamos.
<blockquote class="jota-article__eye">Na comunicação com o público, é importante lembrar que só a verdade tempestiva faz cessar boatos.</blockquote>
Sendo assim, se o fato se tornou assunto em redes sociais, cumpre à organização não negar a sua ocorrência e assumir publicamente a responsabilidade que lhe compete, pois fazer o contrário só inflamará uma onda maior de rumores e críticas à sua postura.
Deve-se manter sob sigilo todas as informações concernentes à privacidade dos envolvidos – e o público saberá compreender que esse resguardo é legítimo. Mas atente-se que preservar a confidencialidade está muito longe de simplesmente negar o ocorrido ou fingir que nada aconteceu – e temos visto grandes empresas pagando caro por tais atitudes perante à opinião pública. O momento exigirá outra postura: admitir falhas internas e aprender com elas, desculpar-se publicamente e demonstrar empatia com as  vítimas e seus familiares, de modo a expressar que, apesar do lamentável ocorrido, a resposta da organização soube fazer frente à gravidade dos acontecimentos.
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O episódio 47 do podcast Sem Precedentes analisa o julgamento do Supremo Tribunal Federal que decidiu pela inconstitucionalidade da reeleição dos presidentes do Congresso. Ouça:
https://youtu.be/roD5SwCzhLI
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assédio

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JOTA

Segundo a IBA, 33% das mulheres já sofreram assédio sexual, sendo que 75% das vítimas não reportaram o caso

A gestão de crise envolvendo o assédio

Segundo a IBA, 33% das mulheres já sofreram assédio sexual, sendo que 75% das vítimas não reportaram o caso por temor à repercussão