Gustavo Alves de Barros

Eis a seguinte situação: uma empresa do ramo da metalurgia, ligada à indústria automobilística, relata que mantém negócio com uma montadora que envolve fornecimento de equipamentos e tecnologia como parte da obrigação da prestação de seus serviços. Alega que o negócio ajustado é comutativo de execução continuada, devidamente vigente desde a década de 1980. Relata que os atuais preços praticados pela montadora para a aquisição de seus serviços a colocam em desvantagem entre a prestação e a contraprestação, encontrando-se operando muito abaixo do limite razoável de lucro. Afirma que em situação anterior já teria tentado negociar com a montadora um reajuste de preços, no entanto, sem sucesso. Relata que a situação lhe causa, portanto, prejuízos econômicos, pois o contrato celebrado não permite a interrupção da execução do fornecimento. Segundo afirma, tem justo motivo para a revisão ou, então, o desfazimento do negócio.
A questão real ora colocada em apreço não é algo de grande novidade e impacto para os que atuam no Direito de Empresa. No entanto, certamente é razão de dúvida do empresariado, e seguramente afeta a relação comercial realizada entre as empresas.
É expresso que as partes são livres para contratar de acordo com as suas vontades, ante a natureza do negócio jurídico que pretendem celebrar entre si. Entretanto, esse livre arbítrio encontra limites em comandos principiológicos na lei, como o artigo 422 do Código Civil, que trata, bem como positiva na norma legal, os princípios da probidade e boa-fé objetiva como regras gerais aplicáveis a todos os tipos de contrato.
Por força de tais princípios, as partes são legalmente obrigadas a cumprir o quanto ajustado contratualmente seguindo um padrão de conduta com base em valores como a probidade, a honestidade e a lealdade, tanto na execução como na conclusão do contrato. Tais regras principiológicas nada mais são que a própria função social do contrato, que trazem segurança jurídica aos contratantes. No caso específico em apreço, em linhas gerais, a empresa metalúrgica é obrigada a fornecer, e a montadora a pagar.
No entanto, como se faz presente no caso da presente situação, no curso da execução de um contrato, o cenário fático-econômico pode se alterar por força de circunstâncias supervenientes especiais concretas, tornando desproporcional a uma parte a execução da prestação que se obrigou perante a outra.
Nesse contexto, entendo, e deixando espaço para debates, cabe a aplicação da Teoria da Imprevisão. À luz de tal teoria, é razoável afirmar que a obrigatoriedade aos termos ajustados no contrato não é absoluta. Referida teoria é ligada ao princípio da igualdade, que dentre outras razões, é aplicada a evitar justamente a desproporcionalidade em prejuízo de um em face de outro contratante.
No campo da lei, há previsão legal expressa que sustente a possibilidade de alegação em juízo, feita pelo contratante “prejudicado”, de desequilíbrio econômico em contrato. Essa alegação tem fundamento nas hipóteses dos artigos 317 e 478 do Código Civil, mesmo que não haja expressa base contratual.
i. Art. 317/CC: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”;
ii. Art. 478/CC: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
Notem que a lei possibilita tanto a revisão judicial dos termos dos contratos quanto à própria rescisão. A despeito disso, no entanto, não é razoável que deliberadamente qualquer empresa interrompa a execução de qualquer contrato. A negativa, por simples capricho, vai contra a boa-fé que a lei impõe a todos, e caracteriza um ato ilícito, passível de ser levado ao controle do Judiciário.
Entendo que o direito de alegar em juízo a tese de desequilíbrio econômico deve ser fundada em razões objetivas atreladas a provas claras, como índices abertos e detalhados de preços praticados; documentos que demonstrem efetivamente a alteração profunda de equilíbrio das prestações decorrente de fato novo que leva a uma parte à insolvência, ou que a faz arcar com prejuízos sobremaneira gravosos.
Evidentemente, não há como decretar certeza absoluta de sucesso em eventual demanda, mas as razões de direito de mérito parecem bastante consistentes, desde que fundadas em provas que efetivamente atendam os comandos expressos dos artigos 317 e 478 do Código Civil.
A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente sedimentou entendimento num determinado caso por todo análogo a presente questão ao julgar o recurso de Agravo em Recurso Especial 722.620-RS (2015/0130672-7), sendo o relator Sua Excelência o Ministro Luis Felipe Salomão. Nela, o tribunal acatou, de forma unânime, os termos do acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja ementa é:
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO. ONEROSIDADE EXCESSIVA CARACTERIZADA. Contrato de fornecimento de oxigênio pelo prazo de cinco anos com cláusula de consumo mínimo. Pedido de rescisão do ajuste pela onerosidade excessiva. Demonstrada a desproprocionalidade entre a prestação e a contraprestação no contrato de execução continuada, cabível a sua rescisão, evitando o enriquecimento de uma das partes em detrimento da outra. Prova dos autos que aponta a oneração de um dos contratantes além do limite do razoável. Sentença confirmada. Negaram provimento ao recurso. Unânime."
Desse modo, levando em consideração a situação específica levantada, os aspectos legais acima expostos, e a jurisprudência dos Tribunais, acredito que a proposta de ação jurídica, visando a defesa dos interesses da parte prejudicada nesse tipo de questão, compreende:
i. inicialmente, uma interpelação a parte contratualmente não prejudicada para que esta demonstre que as mudanças ocorridas que contribuem para o atual cenário econômico aplicado aos termos do contrato não lhe é manifestamente mais vantajosa, e as razões que a justificam;
ii. caso haja uma resposta, a avaliação das razões, e definição do passo seguinte;
iii. caso não haja uma resposta formal, a propositura de ação judicial competente, para suprimento judicial do desequilíbrio econômico.

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Demanda deve ser fundada em razões objetivas, como índices abertos e detalhados de preços praticados

Aspectos para alegação em juízo de desequilíbrio econômico em contrato particular

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