Pedro Dalese

Em 2019, a China possuía 1,319 bilhão de usuários de internet móvel, representando 32,17% dos usuários de todo o globo. As transações que envolveram pagamento online totalizaram a monta de RMB 249,88 trilhões (aproximadamente R$ 196,22 trilhões), o valor agregado da economia digital foi estimado em RMB 35,8 trilhões (aproximadamente R$ 28,11 trilhões), correspondendo a 36,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, e a indústria do e-commerce alcançou a cifra de RMB 34,81 trilhões (aproximadamente R$ 27,33 trilhões).<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Todavia, os expressivos números da pujante economia digital chinesa contrastam com o fato de o país ainda não possuir uma lei geral de proteção de informações pessoais que esteja em vigor. Nesse contexto, em que os dados e informações pessoais passam a exercer papel preponderante na economia chinesa, o Projeto de Lei de Proteção de Informações Pessoais da China (PLPIP)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> possui como um de seus grandes desafios equacionar os direitos dos titulares com o desenvolvimento econômico, tecnológico e a inovação.
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Observa-se, com efeito, que um dos objetivos preceituados no artigo inaugural do PLPIP diz respeito à proteção dos direitos e interesses dos titulares das informações pessoais. O reconhecimento da importância do assunto fez com que o legislador chinês, no capítulo IV (arts. 44 a 49), assegurasse garantias em relação ao tratamento das informações pessoais dos titulares, por meio dos direitos de acesso, informação, retificação, limitação do tratamento, exclusão de informações pessoais e explicação. Esses direitos poderão ser exercidos mediante simples manifestação do titular (arts. 44 e 61). No que tange às solicitações de acesso ou cópia de informações pessoais, os controladores deverão atendê-las dentro de um prazo razoável (art. 45).
Outro importante ponto do projeto de lei sobre os direitos dos titulares está inserido na redação do art. 47, que em sentido similar ao que versa o art. 17 do RGPD, traz o direito ao esquecimento ou direito ao apagamento em hipóteses determinadas.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Partindo da premissa de que na sociedade da informação o desenvolvimento da personalidade do indivíduo está diretamente associado ao tratamento conferido a suas informações pessoais, no art. 69, 2, o legislador chinês definiu as decisões automatizadas como sendo "as atividades de tratamento que utilizam informações pessoais para analisar, avaliar e decidir automaticamente, por meio de sistemas computacionais, comportamentos e hábitos individuais, interesses e hobbies ou situações relacionadas a finanças, saúde ou crédito", além de assegurar a necessidade de observância aos princípios da transparência, da justiça e da razoabilidade na tomada de tais decisões (art. 25).
No intuito de reforçar a autodeterminação informativa dos titulares, a parte final do art. 25, preceitua que nas situações em que decisões automatizadas coloquem em risco direitos e interesses do titular, o mesmo poderá exercer seus direitos de informação e revisão frente aos controladores, bem como exigir que a revisão da decisão automatizada seja realizada por um humano.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> Pois, nesse contexto, os titulares farão jus a garantias adequadas, dentre as quais, incluem-se informações específicas sobre as operações de tratamento, o direito de não ficar sujeito a decisões tomadas exclusivamente com base no tratamento automatizado, de manifestação e de explicação (art. 25).
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No âmbito das políticas de segurança pública e das modernas técnicas de vigilância e controle social, o art. 27 dispõe sobre alguns parâmetros a serem observados na implementação de equipamentos e sistemas de coleta de imagens ou de identificação pessoal em locais públicos, como o reconhecimento facial baseado em inteligência artificial. O dispositivo é expresso no sentido de que a adoção dessas medidas de segurança deverá ocorrer no intuito de salvaguardar a segurança pública, sendo vedada a publicação ou o fornecimento do material obtido a terceiros, exceto quando houver consentimento específico do titular ou previsão em legislação específica. Ademais, os titulares devem ser amplamente comunicados sobre a realização de tais atividades como, por exemplo, por meio de avisos informativos.
O PLPIP contém disposições que nos fazem refletir acerca dos novos aspectos que as relações comerciais e políticas chinesa passarão a adquirir após a sua entrada em vigor. A importância sobre esse novo olhar está ressaltada no art. 42 ao dispor que quando uma organização ou indivíduo estrangeiro realizarem um tratamento de informações pessoais que resulte em danos ou lesões aos direitos de cidadãos chineses, ao interesse público ou à segurança nacional, a Administração do Ciberespaço da China, principal autoridade reguladora do país, poderá adicionar o responsável pelo incidente numa lista de infratores,<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> além de impor medidas restritivas ou proibitivas em suas atividades de tratamento.
Com vistas a fortalecer a estrutura institucional do país para o desenvolvimento de políticas  públicas de privacidade e proteção de informações pessoais, o art. 58 do PLPIP, ao tratar das atividades de controle, organização e formulação de regras e diretrizes relacionadas à proteção de informações pessoais, afirma que, tais ações ficarão a cargo da Administração do Ciberespaço da China e dos Ministérios do Conselho de Estado.
Neste sentido, suplementando a Lei de Cibersegurança, o PLPIP engendra uma política regulatória de abrangência nacional e de caráter desconcentrado.
<blockquote class="jota-article__eye">A Administração do Ciberespaço da China surge como sendo a autoridade responsável pelo planejamento, coordenação, supervisão e gerenciamento das atividades relacionadas à proteção de informações pessoais (art. 56).</blockquote>
Os Ministérios do Conselho de Estado, no âmbito de suas atribuições, serão responsáveis pela fiscalização, gestão e enforcement da norma (art. 56). Por último, no que tange às cidades administrativas e de nível provincial, os deveres e responsabilidades de proteção, supervisão e gestão administrativa de suas respectivas autoridades de proteção de informações pessoais se darão conforme disposto no PLPIP e com base em legislação específica (art. 56). As ações de disseminação do conhecimento sobre a proteção de informações pessoais à população, registro de reclamações do titular em face do controlador e investigações de atividades em descumprimento à legislação também serão desenvolvidas de forma desconcentrada (art. 57).
No escopo de ação das autoridades reguladoras, emergem relevantes responsabilidades fiscalizatórias relacionadas à proteção de informações pessoais. Sendo assim, no caso de violação à legislação, poderão ser adotadas medidas corretivas, confiscatórias e multas de até RMB 1.000.000,00 (aproximadamente R$ 852.480,00). É importante destacar que com relação aos responsáveis pelas atividades de tratamento, as multas podem ser individualizadas, variando de RMB 10.000,00 (aproximadamente R$ 7.852,00) a RMB 100.000,00 (aproximadamente R$ 78.524,00) (art. 62).
Quando as violações ao regulamento forem consideradas como graves, as multas podem atingir RMB 50.000.000,00 (aproximadamente R$ 39.262.404,00) ou 5% da receita anual. Nessas hipóteses, além da sanção pecuniária, medidas como suspensão ou cessação das atividades de tratamento podem ser adotadas, bem como o cancelamento das licenças profissionais ou autorizações empresariais dos envolvidos no incidente (art. 62).
É possível observar também que o PLPIP, no que diz respeito às medidas de controle, fiscalização e persecução, possibilita a realização de interrogatórios, investigações pormenorizadas e auditorias, além da apreensão de equipamentos e sistemas informáticos utilizados no processamento de informações pessoais (art. 59).
Em razão do amplo espectro de incidência do PLPIP, o art. 66 preceitua que as violações à legislação podem acarretar danos coletivos. Dessa forma, as ações de reparação por danos coletivos podem ser exercidas perante o Tribunal Popular pelas Procuradorias do Povo, pela Administração do Ciberespaço da China, pelos Ministérios do Conselho de Estado e demais autoridades responsáveis pela proteção de informações pessoais (art. 66).
Sobre a transferência internacional de informações pessoais, o PLPIP destina o capítulo III (arts. 38 a 43) para tratar do assunto. Nos termos do art. 38, para que a sua realização esteja em conformidade com o regulamento os controladores devem atender a pelo menos uma das seguintes especificações: (1) obter aprovação em avaliação de segurança desenvolvida pela Administração do Ciberespaço da China; (2) obter certificação emitida por órgão especializado; (3) celebrar contrato com o destinatário estrangeiro e monitorar suas atividades de tratamento de acordo com os padrões de segurança previstos em lei, (4) atender a outras condições previstas pela Administração do Ciberespaço da China ou em legislação específica.
Em particular, o PLPIP aborda pela primeira vez regras relativas à transferência internacional de informações pessoais no território chinês.
Em razão das exigências de uma economia de mercado cada vez mais globalizada e digital, as regras do PLPIP fornecem maior flexibilidade operacional para as transferências internacionais de informações pessoais.
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O episódio 46 do podcast Sem Precedentes discute se o contrato de trabalho intermitente é ou não constitucional. Ouça:
https://youtu.be/o8E3sXtx7j0
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> ENGLISH.GOV.CN. China has over 1.3 billion mobile internet users. Disponível em: &lt;http://english.www.gov.cn/archive/statistics/202007/24/content_WS5f1a16eac6d029c1c26368e0.html#:~:text=BEIJING%20%E2%80%94%20China%20had%201.319%20billion,report%20on%20China's%20internet%20development&gt; Acessado em: 02/12/2020.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> NEWAMERICA. China's Draft Personal Information Protection Law. disponível em: &lt;https://www.newamerica.org/cybersecurity-initiative/digichina/blog/chinas-draft-personal-information-protection-law-full-translation/&gt; acessado em 03.11.2020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Artigo 47: Os controladores de informações pessoais devem, ativamente ou com base em solicitação do titular, excluir informações pessoais quando: O período de retenção expirar ou a finalidade do tratamento for alcançada; As atividades de tratamento que envolvam produtos ou serviços alcançarem suas finalidades; O titular revogar o seu consentimento; As atividades de tratamento forem realizadas de forma ilegal ou ilícita; Outras circunstâncias previstas em leis ou regulamentos administrativos.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Na atual redação do caput do art. 20 da LGPD, a revisão das decisões tomadas unicamente com base em tratamento automatizado de dados pessoais pode vir a ser realizada sem que haja intervenção humana. A lei nº 13.853/2019, ao alterar a redação do caput do art. 20, removeu a expressão "por pessoa natural" do dispositivo.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> No mesmo sentido: LGPD. Art. 52. Os agentes de tratamento de dados, em razão das infrações cometidas às normas previstas nesta Lei, ficam sujeitos às seguintes sanções administrativas aplicáveis pela autoridade nacional: (...) IV - publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência;

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JOTA

A proteção dos direitos dos titulares e as competências regulatórias no projeto de lei chinês

Aspectos gerais sobre o PL de proteção de informações pessoais da China

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