Lucas Gabriel Troyan Rodrigues

Usualmente temos notado discussões acerca dos abusos cometidos por funcionários públicos pertencentes ao sistema de justiça, bem como propostas de alterações legislativas que possibilitem a responsabilização de tais agentes, em especial o Projeto Lei de Abuso de Autoridade, o qual foi contaminado por interpretações e declarações inverídicas de que buscava inviabilizar o combate a criminalidade, entretanto, buscava-se tão somente inibir as recorrentes violações de direitos fundamentais dos cidadãos, independente se este é autor de alguma infração penal.
 É evidente que a ausência de legislações com previsões efetivas de responsabilização pelos atos cometidos pelos agentes públicos favorece práticas ilegais e arbitrárias, mas este cenário torna-se ainda mais temeroso quando um determinado tipo penal “estimula” o cometimento de abusos e intimida o cidadão de forma prévia, este é o caso do crime de Desacato, previsto no Artigo 331 do Código Penal brasileiro.
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 O referido tipo penal consiste em uma proteção extra à honra do funcionário público quando ocorrer-lhe alguma ofensa em virtude de sua função, a fim de tutelar a dignidade da função exercida e do próprio Estado. Ocorre que, esta previsão é típica de estados totalitários que visam restringir liberdades e justificar arbitrariedades por meio de criminalizações genéricas, as quais poderão enquadrar inúmeras condutas a depender do réu e do interesse do Estado em reprimi-lo, sendo este um instrumento eficaz para inibir os cidadãos de usufruírem de sua liberdade de expressão por temor à sanções penais.
 Deste modo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sustenta que os países signatários ao Pacto de São José da Costa Rica devem extirpar as legislações de desacato de seus ordenamentos jurídicos, além de sua manifestação em inúmeros casos concretos envolvendo o Chile, Argentina, Panamá, Peru e Venezuela, consolidando a prevalência do art. 13 do referido Pacto que dispõem sobre a liberdade de expressão frente as legislações domésticas de desacato que restringem tal liberdade de forma prévia.
 Seguindo este entendimento o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.640.084 julgado <a href="https://www.jota.info/justica/desacato-nao-e-crime-decide-stj-15122016" target="_blank" rel="noopener">em 2016</a>, sob relatoria do min. Ribeiro Dantas, manifestou-se de forma unanime pela impossibilidade de aplicação do crime de desacato no ordenamento jurídico brasileiro por ser contrario ao pacto supracitado do qual o Brasil é signatário, prescindindo de revogação legislativa, tendo em vista o controle de convencionalidade entre a legislação doméstica e as normas internacionais que compete à esta Corte.
 De maneira oposta, a segunda turma do Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus nº 141.949 <a href="https://www.jota.info/stf/pelo-menos-5-ministros-do-stf-sao-pela-manutencao-de-desacato-como-crime-09082018" target="_blank" rel="noopener">julgado em 2018</a>, sob relatoria do min. Gilmar Mendes, considerou que o tipo penal em questão é compatível com o Estado Democrático de Direito, rejeitando a hipótese de ofensa à liberdade de expressão ou pensamento.
 Vale ressaltar, que neste caso houve divergência no voto do min. Edson Fachin, ressaltando a importância do princípio republicano, o qual repele que funcionários públicos ostentem qualquer privilégio em relação as demais pessoas, bem como alinhando-se ao entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, decidindo pela nulidade da condenação baseada no crime de desacato.
 Em relação ao tema, caberá ao Supremo se manifestar via controle concentrado de constitucionalidade, na ADPF nº 496 ajuizada pelo Conselho Federal da OAB em 2017, a qual sustenta a inviabilidade de recepção deste tipo penal pela Constituição Federal com base nas recomendações e precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos, bem como pela afronta direta ao texto constitucional, em especial em relação à liberdade de expressão e aos princípios republicano, legalidade, igualdade e do próprio Estado Democrático de Direito.
 Enquanto esta norma permanecer em vigência poderá ser empregada por agentes públicos como forma de imposição e ameaça, ou ainda, qualquer cidadão de imediato se sentirá ameaçado ao simplesmente reclamar de uma prestação de serviço público que esteja sendo realizada de forma insatisfatória, inibindo a própria participação cidadã e caracterizando uma restrição prévia a liberdade de expressão.
Além de que a revogação do tipo penal em questão não inibirá que as condutas que excedam os limites da liberdade de expressão se enquadrem nos crimes específicos contra a honra, já previstos na legislação brasileira.
 A título de exemplo destes abusos, denota-se neste chocante vídeo (veja <a href="https://www.youtube.com/watch?v=YzxAxZ9xHD8" target="_blank" rel="noopener">aqui</a>) ocorrido recentemente, no qual um magistrado em Minas Gerais humilha uma testemunha o mandando “calar a boca”, seguido da típica ameaça de prendê-lo por desacato caso a testemunha continuasse tentando explicar que não estava afrontando sua autoridade, mas apenas respondendo aos questionamentos realizados na audiência, restando ao cidadão somente a subordinação frente a imposição de poder pelo agente estatal no curso da própria prestação jurisdicional que anseia alcançar o mais próximo possível daquilo que conhecemos por justiça.
 Deste modo, se faz indispensável a manifestação do Supremo em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a fim de declarar a impossibilidade de recepção da norma jurídica em questão pela Carta Magna, haja vista sua evidente incompatibilidade com o texto constitucional e contrariedade à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, qual ocupa hierarquia supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, conforme entendimento da própria Corte.

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JOTA

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