Thiago Dias Costa

No dia a dia de suas atividades, praticamente qualquer empresa necessita obter recursos junto a instituições financeiras – o que, evidentemente, fica condicionado à prestação de garantias idôneas a tais instituições. Uma das formas mais usuais de prestação dessas garantias é a cessão fiduciária, em favor das instituições financeiras, de créditos futuros, oriundos dos próprios contratos que serão executados com os recursos emprestados.
A dinâmica é a seguinte: a empresa obtém recursos de uma instituição financeira para poder executar certos contratos e, em garantia, cede fiduciariamente os créditos que, futuramente, serão pagos por seus clientes em razão do cumprimento desses mesmos contratos. A partir do momento da cessão, a empresa notifica os seus clientes para que façam os pagamentos diretamente em conta vinculada mantida na própria instituição financeira credora – em mecanismo popularmente conhecido como “trava bancária”.
Diante da trava bancária, a instituição financeira passa a receber diretamente o valor dos créditos cedidos, podendo utilizar parte desse valor para a satisfação das parcelas de seu próprio crédito, repassando o excedente ao devedor. Esse mecanismo permanece vigente até que os créditos do credor fiduciário sejam quitados.
As travas bancárias, como ressaltado, são um mecanismo normal e essencial ao dia a dia de qualquer empresa. Muito embora se veja momentaneamente privada de parte de seu fluxo de pagamentos – que são destinados ao credor fiduciário –, a empresa acaba sendo beneficiada, na medida em que consegue obter financiamento sem precisar onerar bens de seu ativo não circulante.
Num cenário normal, mesmo privada de parte de seu fluxo financeiro, a empresa ainda tem como arcar com os custos necessários ao cumprimento dos contratos com seus clientes, por meio da utilização de outras fontes de recursos, ou mesmo da parte dos créditos que excede as parcelas mensais assumidas junto à instituição financeira.
Essa lógica, no entanto, se modifica substancialmente quando a empresa atravessa um período de crise econômico-financeira – principalmente quando tal crise conduz ao ajuizamento de um pedido de recuperação judicial.
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Isso porque, durante um período de crise, os níveis de caixa da empresa devedora experimentam sensível decréscimo, e ela passa a ter cada vez mais dificuldade para deslocar recursos de outras fontes para o cumprimento dos contratos com seus clientes para pagamento de suas dívidas. Tal situação é ainda agravada pelo vencimento antecipado dos contratos financeiros, que acarreta a retenção integral dos créditos pelos credores fiduciários (modificando a dinâmica contratual original e privando a empresa devedora do acesso aos valores que excedem a parcela mensal).
Diante desse cenário de crescente estrangulamento financeiro, a empresa devedora se vê gradualmente impossibilitada de arcar com os custos necessários ao cumprimento dos contratos com seus clientes – sendo, então, obrigada a inadimplir tais contratos e a se sujeitar às sanções daí decorrentes, como multas e indenizações, além de sérios prejuízos à sua imagem.
Mais do que isso: o inadimplemento de tais contratos, além de causar prejuízos à própria empresa e a seus clientes, faz com que os créditos desses contratos não se tornem exigíveis – passando a frustrar, também, as expectativas da própria instituição financeira credora, que recebeu esses créditos em garantia.
Como facilmente se observa, esta é uma situação que prejudica a um só tempo todas as partes envolvidas. O cliente da empresa é prejudicado pelo fato de ver seu contrato inadimplido. A empresa em crise sofre inúmeros prejuízos diretos e indiretos decorrentes do inadimplemento, agravando ainda mais seu já deficitário quadro econômico-financeiro. E a instituição financeira, por sua vez, passa a não receber nem os pagamentos, e nem a sua garantia, na medida em que o inadimplemento dos contratos firmados entre a empresa e os seus clientes faz com que se tornem inexigíveis (posto que não performados) os créditos que seriam repassados ao credor fiduciário.
Trata-se, aqui, de um autêntico “dilema do prisioneiro”, cuja manutenção acarretará prejuízos a todos os envolvidos. Em tais situações, mostra-se imprescindível que o Poder Judiciário, como terceiro imparcial, atue para assegurar que seja adotada a solução mais racional e favorável a todos.
Dentre tais soluções, poder-se-ia citar, por exemplo a liberação parcial das travas bancárias, apenas no limite necessário para que a empresa possa dar cumprimento às suas obrigações contratuais. Outra solução possível, a depender do caso concreto, poderia ser o afastamento do vencimento antecipado dos contratos financeiros, de modo a assegurar à empresa devedora o acesso aos créditos que excederem a parcela mensal – solução esta que privilegia o contrato firmado entre as partes, primando apenas pelo restabelecimento da dinâmica contratual original. Vale ressaltar a existência de algumas decisões de segunda instância estadual onde tais soluções foram adotadas.
Tais sugestões, cabe frisar, são apenas exemplificativas, devendo sua aplicação ser precedida de uma minuciosa análise jurídica e econômica caso a caso. Para longe de representarem desrespeito às garantias fiduciárias constituídas, tais soluções têm por objetivo exatamente resguardar a eficácia dessas garantias ao próprio credor, além de possibilitar a continuidade da atividade empresarial do devedor e, principalmente, minimizar os prejuízos que esse pernicioso “dilema do prisioneiro” causa a todos os personagens (devedor, credores e stakeholders) envolvidos na recuperação da empresa.

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JOTA

Uma situação que prejudica a um só tempo todas as partes envolvidas

As travas bancárias e o dilema do prisioneiro

Uma situação que prejudica a um só tempo todas as partes envolvidas