Andre Novaski
Sócio da área tributária do Demarest Advogados

Em agosto de 2021, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 14.193 (Lei 14.193/2021 ou Lei da SAF), a qual instituiu a Sociedade Anônima de Futebol (SAF). As SAF são sociedades empresárias dedicadas ao fomento e à prática do futebol, masculino e feminino. Assim, caso desejem, os clubes brasileiros poderão constituir SAFs para exercer a atividade do futebol.
Em linhas gerais, até a edição da Lei da SAF, os clubes podiam se organizar de duas formas: por meio de associações ou segundo o modelo de sociedades empresárias.
No modelo associativo, os clubes de futebol, seguindo os ditames da Lei 9.615/98 e do art. 53 e seguintes do Código Civil, tipicamente se organizam em associações civis sem fins lucrativos. Desta forma, partindo da premissa de que determinados requisitos[1] sejam atendidos, usufruirão do seguinte tratamento tributário favorecido:
Portanto, os clubes que estejam organizados como associações possuem isenção de IRPJ, CSLL e Cofins, além de recolherem o PIS à alíquota de 1% sobre a folha de salários.
Por outro lado, no modelo empresarial, a tributação será aquela ordinariamente aplicável às pessoas jurídicas, onde haverá a incidência do IRPJ à alíquota de 25% e CSLL à alíquota de 9% sobre os lucros auferidos, PIS/COFINS alíquota combinada de 3,65% ou de 9,25% sobre as receitas auferidas, a depender do regime adotado (lucro real ou lucro presumido), além da regular incidência das Contribuições Previdenciárias e ISS.
Apesar das sociedades empresariais possuírem vantagens relacionadas à gestão corporativa, acesso a instrumentos de captação de recursos e possibilidade de distribuição de lucros, fato é que a carga tributária a que estão sujeitas é significativamente mais elevada que àquela aplicável às associações. Desta forma, é de se compreender que até então pouquíssimos clubes tenham migrado para o modelo empresarial.
É neste contexto, então, que ocorre a promulgação da Lei da SAF, que prevê o Regime de Tributação Específica do Futebol (RTEF). Em linhas gerais, como o próprio nome já indica, o RTEF prevê um regime de apuração tributário diferenciado para as SAF, o qual pode ser resumido da seguinte forma:
- Recolhimento de 5% sobre as receitas mensais recebidas - por meio de documento único de arrecadação - englobando em tal recolhimento o IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e as Contribuições Previdenciárias devidas pela SAF[8].
- Neste primeiro momento, estão excluídas da tributação as receitas decorrentes da cessão dos diretos desportivos dos atletas[9].
- Recolhimento de 4% sobre as receitas mensais recebidas - por meio de documento único de arrecadação - englobando em tal recolhimento o IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e as Contribuições Previdenciárias devidas pela SAF.
- Receitas decorrentes da cessão dos diretos desportivos dos atletas passam a fazer do montante sujeito a alíquota mensal de 4%.
Vale notar que a SAF recolherá referidos tributos conforme o regime de caixa, ou seja, somente na medida em que efetivamente tenha o ingresso financeiro das respectivas receitas.
Desta maneira, objetivamente falando, temos que o regime tributário da SAF não é mais benéfico que o dos clubes, já que atualmente a grande maioria dos clubes está organizada como associações e possui ampla gama de isenções tributárias.
Por outro lado, o RTEF é muito mais benéfico que o regime tributário aplicável às empresas em geral, uma vez que prevê o recolhimento unificado de tributos federais a uma alíquota de 5% nos primeiros 5 anos e 4% a partir do sexto ano, conforme regime de caixa. [11]
Assim, apesar de estarem sujeitos a uma carga tributária superior à atualmente aplicável aos clubes organizados como associações, as SAF poderão se valer de um regime tributário muito mais benéfico que o aplicável às demais pessoas jurídicas. Além disso: (i) terão acesso a instrumentos de captação de recursos que não estão disponíveis para os clubes organizados como associações civis, (ii) poderão distribuir seus lucros, algo que os clubes organizados como associações civis atualmente não podem fazer e (iii) poderão adotar modelos profissionais de gestão.
Evidentemente que diversos fatores pesam na decisão de constituir ou não uma SAF e a situação de cada clube é particular. De qualquer forma, com a criação do RTEF, a carga tributária deixa de ser um entrave quase intransponível para a adoção do modelo empresarial, assim é de se esperar que vários clubes constituam SAF para exercer a atividade de futebol, como fizeram por exemplo Cruzeiro, Botafogo e Vasco.
[1] Previstos no art. 14 do Código Tributário Nacional (“CTN”), no arts. 12, §3º e 15, §3º da Lei 9.532/97 e no art. 18 da Lei 9.615/98 (“Lei Pelé).
[2] Art. 15 ‘caput’ e §1º da Lei 9.532/97.
[3] Art. 14, inc. X da Medida Provisória nº 2.158/01
[4] Art. 13, inc. IV da Medida Provisória nº 2.158/01
[5] Art. 22, § 6º da Lei 8.212/91
[6] Art. 22, §§ 7º, 8º e 9º da Lei 8.212/91
[7] Art. 32 “caput” da Lei 14.193/2021
[8] Art. 31 “caput” e §1º, incs. I a V da Lei 14.193/2021
[9] Art. 32, § 1º da Lei 14.193/2021
[10] Art. 32, § 2º da Lei 14.193/2021
[11] O RTEF não exime a SAF de recolher outros tributos como o ISS, o IOF, o IPTU e o ITBI.