Rafael Custódio

Vivian Calderoni

Na década de 1950, os países membros da ONU decidiram criar um documento que estabelecesse um piso mínimo para o tratamento de presos. Esse documento se chama Regras Mínimas de Tratamento do Preso e foi adotado em 1955. Todos os países membros da ONU devem segui-lo, ou seja, devem garantir que todos as pessoas encarceradas em seu território estejam protegidas pelos direitos elencados pelo texto.
Passados 60 anos desde a primeira versão do documento, a comunidade internacional se reuniu novamente para atualizar esses parâmetros. O objetivo: aumentar o respeito à dignidade dos presos, o acesso à saúde e o direito de defesa, além de regular punições disciplinares – limitando a 15 dias, por exemplo, o prazo máximo a que uma pessoa pode ser submetida ao isolamento solitário.
Este virtuoso processo teve início em 2012 em Viena. De lá para cá, foram realizados encontros em Buenos Aires, Viena novamente, e o quarto - e último - na Cidade do Cabo, em março de 2015. A escolha da cidade sul africana como sede da última e principal reunião é extremamente simbólica: foi lá, na prisão de Robben Island, que o ex-presidente Nelson Mandela passou 18 de seus 27 anos de cárcere
Simbolismo tão grande que, no dia 22/5, as novas regras foram formalizadas pela ONU, no âmbito da Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, e apelidadas de “Regras de Mandela”.
Um dos pontos mais emblemáticos do texto é o estabelecimento do limite máximo para a duração do isolamento de um preso (também chamado de confinamento solitário). As normas anteriores permitiam o isolamento e não previam limite de tempo, desde que a medida estivesse amparada pelo aval de um médico. Agora, criou-se um critério claro e objetivo a respeito do tema: a prática do isolamento só pode ser permitida por até 15 dias.
A fixação de um prazo máximo tem lastro em dados concretos sobre o impacto desse tipo de medida. Um dos estudos mais conceituados sobre os efeitos secundários da prisão-isolamento indica que o confinamento é associado ao aumento de queixas de ordem psiquiátrica, automutilação, suicídio e de danos contra a propriedade.
Segundo os pesquisadores Haney Craig e Mona Lycnh, da Universidade de Nova York, essas condições também aumentam a frustração do preso a um nível que pode provocar explosões de violência e investidas contra os funcionários. Os estudos de caso relatam ansiedade, pânico, raiva, perda de controle, automutilação e outros sintomas recorrentes nos presos:
Estudos sobre os efeitos da prisão em isolamento documentam uma grande variedade de nocivos efeitos psicológicos, incluindo aumento de atitudes negativas, insônias, ansiedade, pânico, retração, hipersensibilidade, disfunção cognitiva, alucinações, perda de controle, agressão, raiva, paranoia, perda de esperança, letargia, depressão, crise de nervos, automutilação e impulsos suicidas. (Tradução livre)
No Brasil, como se sabe, a aberração jurídica do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) permite que o preso seja isolado por até 360 dias. O prazo ainda pode ser renovado por até um sexto da pena, violando normas e princípios constitucionais. A flagrante inconstitucionalidade do regime brasileiro de isolamento é objeto de <a href="http://www.conectas.org/pt/acoes/stf-em-foco/noticia/8488-adi-4162-regime-disciplinar-diferenciado-rdd">Ação Direta de Inconstitucionalidade</a> proposta pelo Conselho Federal da OAB ao Supremo Tribunal Federal. A relatoria é da ministra <a href="http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2643750">Rosa Weber</a>.
O isolamento à brasileira é tão violador que o atual Relator Especial sobre Tortura da ONU, Juan Mendez, expressou seu assombro com o sistema brasileiro ao se pronunciar oficialmente nos autos da ADIN 4.162, afirmando em <a href="http://www.conectas.org/pt/acoes/stf-em-foco/noticia/8488-adi-4162-regime-disciplinar-diferenciado-rdd">rico parecer</a> que:
O RDD brasileiro pode ser considerado, por vários motivos, uma violação da obrigação internacional do Brasil de abolir em termos absolutos a prática da tortura ou tratamento cruel, desumano e degradante.<a href="https://mail.google.com/mail/u/0/#14d7d90c686cf90d__ftn1">[1]</a>
Como se vê, os ventos de Robben Island impulsionaram a ONU em direção a um futuro de mais garantias aos direitos humanos no cárcere. Agora, os países devem dar o passo fundamental de implementá-las em seus territórios. No caso concreto do RDD brasileiro, as regras sopram forte, falam alto. O STF só precisa ouvir.
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<a href="https://mail.google.com/mail/u/0/#14d7d90c686cf90d__ftnref1">[1]</a> <a href="http://www.conectas.org/pt/acoes/stf-em-foco/noticia/8488-adi-4162-regime-disciplinar-diferenciado-rdd">http://www.conectas.org/pt/acoes/stf-em-foco/noticia/8488-adi-4162-regime-disciplinar-diferenciado-rdd</a>
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* Rafael Custódio e Vivian Calderoni, são advogados do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos
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Prison interior

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JOTA

Diretrizes da ONU colocam em xeque regime de isolamento adotado pelos presídios brasileiros.

As “Regras de Mandela” e o STF

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