Amauri Saad

Foi sancionada em janeiro de 2019 a Lei nº 16.933, que estabelece “as diretrizes gerais para a prorrogação e relicitação dos contratos de parceria” no âmbito do estado de São Paulo. A lei paulista faz referência explícita a institutos introduzidos pelo chamado PPI – Programa de Parcerias e Investimentos na esfera federal. Mas não se limita a apenas reproduzir tais figuras: o que o “PPI paulista” faz é adaptá-las ao arcabouço normativo estadual, com o cuidado de superar relevantes limitações que estavam presentes no modelo federal.
Como se sabe, o PPI federal, introduzido pelas Leis nºs 13.334/2016 e 13.448/2017, tem como objetivo fundamental viabilizar projetos de infraestrutura considerados prioritários, o que envolve a sua requalificação, quer mediante a sua transferência a terceiros (após o encerramento de contratos com parceiros privados em dificuldades, via nova licitação ou, mais precisamente, “relicitação”), quer mediante o reequilíbrio de contratos em andamento (pela via, entre outras medidas, da sua prorrogação antecipada).
<ul class="jota-article__internal-links">
<li>+JOTA: <a href="https://www.jota.info/assine">Assine o JOTA e não deixe de ler nenhum destaque! 
</a></li>
</ul>
O modelo estadual, na mesma linha, aplica-se a todas as parcerias firmadas pelo estado de São Paulo, compreendendo as concessões comuns, concessões patrocinadas, concessões administrativas, permissões de serviço público, arrendamentos de bem público, concessões de direito real e outros negócios jurídicos “público-privados que, em função do seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volumes de investimentos, longo prazo, risco ou incertezas envolvidos, adotem estrutura jurídica semelhante” (art. 1º, §2º).
A “prorrogação dos contratos de parceria”, no modelo paulista assim como no modelo federal, se diferencia da chamada “prorrogação antecipada”.
Enquanto a primeira consiste na prorrogação, diríamos, “normal” dos contratos, que ocorre já próxima da data de encerramento destes, a segunda se dá, como já indica o próprio nome, em momento antecipado, distante do final do contrato (arts. 4º a 7º).
Ambas as figuras podem ser solicitadas pelo contratado privado e a decisão que as aprove (ou negue) reveste-se de certa dose de discricionariedade por parte da Administração. Por que “certa dose de discricionariedade”? Porque haverá casos em que a prorrogação será praticamente inevitável, o que se dá sobretudo naqueles casos de desequilíbrio econômico-financeiro que não puderem ser solucionados de nenhuma outra forma (por exemplo, quanto o Poder Público não disponha de recursos para pagamento de subsídios e/ou não possa repassar às tarifas os valores necessários ao reequilíbrio).
Igualmente, para que haja a prorrogação contratual, é imprescindível, nos termos da lei, haver a previsão de novos investimentos na concessão, bem como a existência de estudos detalhados que demonstrem a vantajosidade da prorrogação pretendida em relação à realização de nova licitação para o empreendimento.
Quanto ao prazo máximo da prorrogação, a lei paulista mostra a sua evolução em relação ao modelo federal: enquanto neste não são permitidas prorrogações não previstas no edital ou no contrato, a lei paulista expressamente consigna que “fica estabelecido como prazo máximo de prorrogação do contrato o tempo estipulado para a amortização dos investimentos realizados ou para reequilíbrio contratual, ainda que não conste previsão expressa no edital ou no contrato quanto à possibilidade de prorrogação.” (art. 4º, §2º).
Com este dispositivo a lei paulista concretiza, no plano do direito positivo, o entendimento, a nosso ver acertado, de parcela da doutrina para quem, ao lado das prorrogações (e prazos máximos) permitidas expressamente na legislação, editais e contratos, que poderíamos denominar “prorrogações ordinárias”, existiriam aquelas prorrogações (e respectivos prazos contratuais máximos) não sujeitas a qualquer limitação, seja legal, seja contratual ou editalícia, porque decorrentes da necessidade de promover o reequilíbrio econômico-financeiro em situações nas quais não sejam possíveis ou desejáveis, do ponto de vista do interesse público, formas alternativas, como subsídios orçamentários, aumento de contraprestação ou de tarifa.
O prazo máximo da prorrogação será o prazo necessário para o saneamento do desequilíbrio. Isto, longe de ser uma violação do princípio da legalidade, constitui medida a um só tempo amparada pelo princípio da eficiência, pois significa a melhor utilização dos recursos disponíveis, e concretizadora da garantia ao direito ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, ambos consagrados na Constituição Federal (art. 37, caput, e XXI).
Também importante é a previsão de garantias a serem concedidas ao parceiro privado quando da prorrogação dos contratos parceria “como forma de mitigar os riscos contratuais e diminuir os custos a eles associados” (art. 7º, §1º, “9”).
Essa regra permite a redução dos riscos envolvidos nas parcerias, viabilizando consequentemente a redução de custos e contribuindo, inclusive do ponto de vista de investidores externos, para a sustentabilidade de cada projeto. Note-se que não se trata, propriamente, de uma novidade. O modelo das PPPs, decorrente da Lei Federal nº 11.079/2004, já prevê obrigatoriamente garantias do parceiro público ao parceiro privado (art. 8º).
O problema se coloca quanto às concessões comuns: embora a Lei Federal nº 8.987/1995 preveja, em seu art. 23, V, como uma das cláusulas essenciais dos contratos de concessão, a que estabeleça as garantias do projeto, sem estabelecer qualquer restrição ao estabelecimento de garantias em favor do particular, tem sido tradição, tanto nas modelagens de concessões comuns quanto na própria reflexão doutrinária, a compreensão de que descaberia, em tais contratos, o estabelecimento de garantias ao particular. Tal raciocínio, como demonstro no meu “Liberdade das formas nas contratações públicas” (Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2019), é evidentemente equivocado e só tem contribuído para a realização de projetos de infraestrutura disfuncionais, para dizer o mínimo.
A relicitação na lei paulista segue, em linhas gerais, o modelo federal, que surgiu, lembre-se, em período de aguda crise econômica.
Trata-se de instituto de extinção consensual do vinculo contratual, que tem lugar nas situações em que se evidencia a incapacidade do particular de prosseguir com a execução do contrato, ou pelo menos a probabilidade de que isso aconteça.
A relicitação é benéfica para o contratado, que deixa de suportar os efeitos de um processo de caducidade, mas também para administração pública, que pode relicitar o mesmo objeto sem se preocupar com eventual contencioso provocado pelo anterior contratado.
O encerramento do vínculo contratual se dá por meio de termo aditivo, do qual constarão a aderência irrevogável e irretratável do atual contratado à relicitação do empreendimento e à posterior extinção amigável do ajuste originário, a suspensão das obrigações de investimento relacionadas ao empreendimento, e o compromisso arbitral entre as partes (se já não existir um no contrário originário).
Eventuais indenizações devidas ao anterior contratado podem ser pagas pelo vencedor da relicitação do projeto. Ficam expressamente proibidos de participar da relicitação o anterior contratado e seus acionistas que tenham participação de pelo menos 20% (art. 11).
Por último, a Lei Estadual nº 16933/2019 prevê que a generalidade das parcerias no estado de São Paulo poderá ser submetida à arbitragem e a outros meios de solução de controvérsias. Neste sentido, o legislador paulista acertou ao qualificar como direitos patrimoniais disponíveis (e portanto passíveis de submissão à arbitragem) as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, o cálculo de indenizações decorrentes da extinção ou de transferência do contrato de parceria, o inadimplemento das obrigações contratuais por qualquer das partes e divergências quanto à execução técnica de determinada obrigação contratualmente estabelecida.
Tais aspectos são, para fora de qualquer dúvida, os mais relevantes no tocante aos contratos de parceria, e a sua qualificação expressa como “direitos patrimoniais disponíveis” garante maior segurança jurídica a todos aqueles que se disponham a contratar com o Poder Público paulista.
O modelo estabelecido para o PPI paulista é virtuoso e permitirá a resolução de inúmeros problemas enfrentados pelo estado na condução dos seus contratos de parceria. A Lei Estadual nº 16933/2019 vai no caminho, que sempre defendemos, de permitir maior liberdade à administração pública a fim de que esta possa perseguir a concretização do princípio da eficiência em suas atividades.

Road infrastructure in Brasilia, the capital of Brazil.

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Lei paulista mostra a sua evolução em relação ao modelo federal

As novidades da lei estadual nº 16.933/2019 e o ‘PPI paulista’

Lei paulista mostra a sua evolução em relação ao modelo federal