Caio Ramos

Guilherme Martins Pellegrini

Já há algum tempo, denuncia-se, no Brasil e no exterior, uma <a href="https://oglobo.globo.com/blogs/fumus-boni-iuris/post/2024/08/artigo-o-sapo-na-panela-e-a-erosao-do-modelo-de-agencias-reguladoras.ghtml">erosão do modelo de agências reguladoras independentes</a>. O compromisso com decisões regulatórias técnicas e imparciais, que outrora inspirou a implantação do sistema, parece ter saído de moda.
Movimentos político-institucionais têm levado à redução do espaço de atuação das agências reguladoras e da sua autonomia mundo afora. São movimentos que partem de diversas fontes. Na maioria das vezes, das <a href="https://noticias.uol.com.br/colunas/andreza-matais/2024/08/20/ministro-ameaca-intervencao-na-aneel-e-acusa-dirhttps:/noticias.uol.com.br/colunas/andreza-matais/2024/08/20/ministro-ameaca-intervencao-na-aneel-e-acusa-diretores-de-inercia.htmetores-de-inercia.htm">instâncias centrais do Poder Executivo</a>, mas, em alguns casos, também do Judiciário. Assim ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, em que decisões recentes da Suprema Corte colocaram limites à independência das agências, implicando, de certo modo, uma <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/publicistas/a-mutacao-do-estado-administrativo-nos-eua">mutação do Estado administrativo norte-americano</a>.
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A tendência, entretanto, tem algumas exceções. Exemplo disso é a recente Lei Complementar 1.413, de 23 de setembro de 2024, do estado de São Paulo. Trata-se de lei que reformula o regime jurídico das agências reguladoras estaduais existentes, a Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) e a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), bem como transforma o Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), uma autarquia “comum”, em agência reguladora, denominada Agência de Águas do Estado de São Paulo (SP-Águas).
Em princípio, a LC 1.413 reproduz em São Paulo algumas das previsões da Lei Federal 13.848/2019, que, há alguns anos, uniformizou a disciplina legal das agências reguladoras da União. No entanto, a lei paulista vai além de regras incrementais importadas da legislação federal. A lei também contém dispositivos que inovam substancialmente no ambiente regulatório nacional e atacam alguns dos problemas que, historicamente, comprometeram a autonomia das agências e a efetividade do modelo de regulação independente no Brasil.
Uma parte significativa da LC 1.413 é dedicada a detalhar os contornos da autonomia das agências reguladoras e estabelecer salvaguardas contra práticas conhecidamente prejudiciais à sua independência. Por exemplo, o projeto esclarece que a autonomia decisória das agências significa a impossibilidade de revisão das suas decisões no âmbito do Poder Executivo.
Afastou-se, assim, o fantasma dos recursos hierárquicos impróprios que, no âmbito federal, ainda assombram as decisões das agências. Também foi incrementada a autonomia administrativa, autorizando-as a prover os seus quadros comissionados independentemente de autorização governamental, e a autonomia orçamentária-financeira das entidades reguladoras.
Nesse campo, as agências reguladoras estaduais passaram a ter a prerrogativa de encaminhar as suas propostas orçamentárias diretamente à Fazenda, com a garantia de que as dotações de custeio e pessoal suportadas por seus próprios recursos não serão alteradas pelo governo.
Além disso, foi vedado o recolhimento, ao Tesouro, do saldo de recursos próprios não executados pelas agências ao final de cada exercício, manobra outrora utilizada para equilibrar as contas do governo às custas de verbas dos setores regulados. E o mais importante: foi proibido o contingenciamento de despesas custeáveis com recursos próprios das agências, prática há muito censurada tanto pela academia quanto por órgãos de controle. Em contrapartida, as agências deverão adotar cautelas e cumprir indicadores de responsabilidade fiscal, sob pena de perderem tais garantias.
Afora essas inovações mais disruptivas, a LC 1.413 também faz o “feijão com arroz”: padroniza a estrutura das agências reguladoras estaduais, amplia e valoriza o seu quadro de pessoal, bem como melhor delimita as suas competências. Nesse âmbito, aproveitou-se a oportunidade para atribuir à regulação de agências independentes setores que, até então, eram regulados ou pela administração direta, ou por entidades sem o mesmo grau de autonomia e capacitação técnica. É o caso, por exemplo, dos setores de transporte metroferroviário e metropolitano, que passaram a ser de responsabilidade da Artesp.
Após a aprovação na Assembleia Legislativa, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) destacou a <a href="https://www.instagram.com/tarcisiogdf/reel/C_wTGmdsLv3/">importância da lei para a agenda de desestatizações </a>do governo. Afinal, mecanismos regulatórios próprios serão essenciais para que as agências paulistas consigam exercer seu papel em um ambiente no qual São Paulo se vê cada vez mais diante de serviços públicos prestados por particulares.
Basta ver que a Artesp, além do tradicional programa de concessões rodoviárias, deverá fiscalizar todo o transporte coletivo de passageiros, além de um programa metroviário que pretende <a href="https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2024/09/aos-50-metro-de-sp-tem-planos-de-expansao-inedita-e-privatizacao.shtml">dobrar a malha por meio de parcerias privadas</a>. A Arsesp por sua vez, já encarregada dos setores de gás e energia, também fiscalizará parcerias na área social e, mais do que isso, o setor de saneamento pós desestatização da Sabesp.
De qualquer forma, trechos da LC 1.413 introduzidos por emendas parlamentares foram vetados pelo governador. O veto recaiu principalmente sobre dispositivos que criavam um conselho de supervisão das atividades das agências reguladoras estaduais. De acordo com o governo, a finalidade visada pela proposta já seria suficientemente atendida por meio de outros mecanismos previstos na lei. É o caso, por exemplo, das análises de impacto, agendas regulatórias e planos estratégicos e de gestão que as agências deverão passar a elaborar e divulgar periodicamente à sociedade.
As consequências práticas da reforma legislativa para o ecossistema regulatório paulista e para a efetiva independência das agências reguladoras estaduais ainda devem ser aguardadas. Afinal, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/reg/acaba-de-nascer-a-agencia-nacional-da-mineracao">autonomia não é algo que apenas a lei possa entregar</a>. De todo modo, como sugere o próprio nome do <a href="https://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/ultimas-noticias/sp-na-direcao-certa-governo-define-diretrizes-para-ampliar-investimentos-e-eficiencia/">programa governamental de que é parte integrante</a>, a medida parece colocar o estado de São Paulo na “direção certa”, rumando na contramão de movimentos erosivos do modelo de regulação independente.

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JOTA

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