João Henrique M. C. de Carvalho

Ádhryans Wylly Dias

O que seriam as “infrações penais insignificantes” que não vedariam a celebração de acordo de não persecução penal? O novo conceito, introduzido pela Lei 13.964/2019 – “Pacote Anticrime”, enseja incertezas, de modo que o objetivo do presente artigo, ainda que sem pretensão de exaurir o tema, é fixar balizas para compreender a questão.
Partindo-se do texto legal, verifica-se que é vedada a celebração do acordo com o agente que (i) houver sido beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo e (ii) reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas. Enquanto as regras de vedação parecem não ensejar maiores discussões, a exceção legal merece análise detalhada.
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De fato, as chamadas “infrações penais insignificantes”, praticadas antes do fato objeto do acordo, não encontram definição em qualquer diploma legal. Quanto à questão, Renée do Ó Souza entende que essas infrações consistiriam em “práticas delitivas insignificantes, caracterizadas pela inexpressividade da lesão ao bem jurídico e que, portanto, sequer foram objeto de atuação persecutória anterior”[1]. Assim, segundo esse conceito, equiparam-se as “infrações penais insignificantes” ao princípio da insignificância.
Ousamos discordar. A uma, porque, se a lei excluísse da análise infrações penais que sequer foram objeto de atuação persecutória anterior, essa previsão seria completamente inócua, pois, na prática, remeter-se-iam a inquéritos arquivados, os quais, pela própria natureza, não são aptos a valorar a conduta do investigado.
A duas, porque, no plano dogmático, o princípio da insignificância exclui a própria infração penal, por atipicidade material, de modo que não há equivalência entre o princípio e o novo conceito (infrações penais insignificantes) introduzido pelo legislador
Buscando elucidar a questão, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais emitiu o Enunciado Interpretativo nº 21, no qual se equipararam as infrações penais insignificantes àquelas de menor potencial ofensivo. Essa definição também parece padecer de consistência lógica com o próprio texto legal. Com efeito, é vedada a celebração do acordo com o agente que havia sido beneficiado com transação penal nos 5 anos anteriores ao cometimento da infração, bem como com aquele que seja reincidente.
Desse modo, o agente que já havia respondido por infração penal de menor potencial não poderá ser beneficiado pelo acordo de não persecução penal, seja se o processo tenha findado em transação penal devidamente adimplida, seja se tenha findado em condenação transitada em julgado.
Quanto àqueles que já respondam anteriormente por infração penal de menor potencial ofensivo, em que não caiba transação penal, a lei também indica a possibilidade de vedação da celebração do acordo relativo a nova infração.
Isso porque o fato de o agente responder a feitos em curso é idôneo para constatar sua conduta criminal habitual[2]. Portanto, restaria somente a possibilidade referente a transações e condenações fora do prazo depurador de 5 anos, mas, a depender do caso concreto (ex: excessivo número de condenação ou cometimento de infração que indique que o acordo não seria suficiente para reprovação da conduta do autor), essas anotações criminais também podem ser enquadradas como indicativos de conduta criminal habitual, de modo que essa hipótese não se mostra apta a conceituar a exceção estudada em tela.
<blockquote class="jota-article__eye">Portanto, impõe-se atribuir à conceituação de “infrações penais insignificantes” um postulado diverso. </blockquote>
Com efeito, a interpretação sistemática da norma indica que o objeto aludido pelo dispositivo incide nas imputações de fatos típicos (formal e materialmente), ilícitos e culpáveis, que não sejam infrações penais de menor potencial ofensivo, mas que apresentam um grau de lesividade ao bem jurídico reduzido que, por natureza de política criminal, destoam da aplicação de penas privativas de liberdade.
Por conseguinte, parece que, a princípio, o único tipo criminal que se amolda ao preceito, preenchendo os moldes do dispositivo “infração penal insignificante”, é aquele previsto no art. 28, da Lei nº 11.343/063, referente ao o tratamento conferido ao porte de drogas para consumo próprio, tendo sido extinta a possibilidade de aplicação de pena privativa de liberdade.
De fato, trata-se de preceito único, que possui natureza de crime, mas que, por razões de política criminal, passou a ser repreendido mediante penas alternativas, buscando conferir maior proporcionalidade e razoabilidade à resposta penal.
A cabo, a reduzidíssima aplicação do preceito indica que o legislador se expressou de forma técnica, conforme apontado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina[4].
Portanto, diante do conceito legal indeterminado, é imprescindível que a manifestação do Ministério Público quanto ao cabimento do acordo seja devidamente fundamentada em elementos do caso concreto, pois, não obstante seja proferida por autoridade que não integra o Poder Judiciário, é ato que possui eminente conteúdo decisório e que afeta sensivelmente o tratamento jurídico-penal conferido ao investigado.
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[1] SOUZA, Renée do Ó. Acordo de não persecução penal previsto no novo art 28-a do Código de Processo Penal, inserido pela Lei 13.964/2019. In Lei Anticrime: comentários à Lei 13.9642019. Belo Horizonte, São Paulo: D´Plácido, 2020. pp. 126/127
[2] Saliente-se que o Superior Tribunal de Justiça já entende que inquéritos e ações penais em curso são aptos a subsidiar a análise da conduta do agente, tanto para afastar a para se afastar a causa de diminuição de pena relativa ao tráfico privilegiado (EREsp 1431091/SP), quanto para fundamentar pedido de prisão preventiva (AgRg no HC 572.617/SP), sendo vedada, como é sabido, para fins de análise de antecedentes na dosimetria da pena (Súmula 444/STJ)
[3] No ponto, agradecemos à Promotora de Justiça Anna Bárbara Fernandes de Paula, membro do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, pelos debates e contribuições muito proveitosas e construtivas.
[4] Disponível em: &lt;<a href="https://www.mppi.mp.br/internet/index.php?option=com_phocadownload&amp;view=category&amp;id=2602%3Aanpp&amp;Itemid=132%20">https://www.mppi.mp.br/internet/index.php?option=com_phocadownload&amp;view=categor</a> <a href="https://www.mppi.mp.br/internet/index.php?option=com_phocadownload&amp;view=category&amp;id=2602%3Aanpp&amp;Itemid=132%20">y&amp;id=2602:anpp&amp;Itemid=132</a>&gt;. Acesso em 24 de junho de 2020. Em sentido semelhante, MELO e BROETO concluíram que “nessa ordem de ideias, as exceções dispostas na segunda parte do artigo 28-A, §2º, inciso II, do CPP, são equivocadas e prescindíveis, quando – e se – levado a sério a dogmática penal.” Artigo disponível em: &lt;<a href="https://www.olharjuridico.com.br/artigos/exibir.asp?id=917&amp;artigo=acordo-de-nao-persecucao-penal-e-suas-relevantes-implicacoes-no-processo-penal-brasileiro">https://www.olharjuridico.com.br/artigos/exibir.asp?id=917&amp;artigo=acordo-de-nao-</a> <a href="https://www.olharjuridico.com.br/artigos/exibir.asp?id=917&amp;artigo=acordo-de-nao-persecucao-penal-e-suas-relevantes-implicacoes-no-processo-penal-brasileiro">persecucao-penal-e-suas-relevantes-implicacoes-no-processo-penal-brasileiro</a>&gt;. Acesso em 24 de junho de 2020.

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As 'infrações penais insignificantes' segundo a Lei 13.964/2019

O novo e polêmico conceito introduzido pela 'Lei Anticrime'