Leonardo Barém Leite

Há alguns anos “dizíamos” que as empresas não gostavam dos advogados, e mesmo dos departamentos jurídicos. Felizmente, temos trabalhado arduamente para mudar (melhorar) essa imagem, e já temos bastante a comemorar (embora a caminhada seja permanente - e longa).
No caso dos “contenciosos”, porém, essa frase ainda é verdadeira, pois normalmente as empresas não gostam dos processos, e “detestam” os contenciosos. Especialmente as que estão “indo bem” nos seus próprios projetos e negócios (e “sem tempo” ou “energia” para “brigar”).
As empresas gostam de seus negócios, de seus projetos e do que elas “fazem”. Mas não das brigas judiciais, que consideram “perda de foco”. E ainda o consideram lento, complicado, imprevisível e caro (por mais que nem sempre seja culpa apenas dos problemas da nossa “justiça”, e muito menos dos advogados).
Esse tema é um dos mais delicados e sensíveis para os advogados corporativos, pois de certa forma contrapõe a visão jurídica da defesa dos direitos das partes à visão corporativa de sua relação com o direito.
Advogados corporativos podem, e devem, ajudar muito as empresas, e os empresários em suas atividades e projetos; sendo esse “trabalho” de aproximação do jurídico com o “negócio” permanente - e exigindo forte  dedicação de todos.
Para tanto, aproximarmos a nossa maneira de pensar, a nossa mentalidade e a nossa visão do mundo dos negócios da (visão) efetivamente empresarial é super importante – embora nem sempre fácil.
Uma das diferenças (entre as mentalidades “padrão”) decorre do fato de serem visões bem distintas do que está em jogo”, com focos diferentes, pois o foco do jurídico “puro” está no direito em si (e na Justiça), e o das empresas está no seu negócio, no seu segmento, no seu “objeto social”.
Apesar de ser algo bem difícil para o advogado tradicional entender, ou mesmo aceitar, as empresas de uma maneira geral não estão preocupadas em vencer processos ou em “fazer Justiça”, mas sim em “ganhar dinheiro” (com os seus projetos).
Operadores do Direito muitas vezes raciocinam de maneira quase “binária”, pois se numa relação ou situação bilateral uma das partes tem algum direito, a outra tende a não ter (ressalvando-se, é claro, os acordos), de forma que - se o nosso cliente tem algum direito, que esteja em risco (ou que não é respeitado por algum terceiro), devemos tentar reparar essa injustiça; muitas vezes com o apoio do Judiciário.
[formulario_fulllist]
A mentalidade de defesa extrema e “inafastável” do direito do ponto de vista puramente jurídico em muitos casos pode “atropelar” outras análises que as empresas costumam fazer muito bem, e até mesmo estimular demandas e processos.
Especialmente num País como o nosso, em que o Judiciário tem enormes dificuldades e que certamente não consegue lidar com as questões empresariais com a especialização e a agilidade que o mundo corporativo precisa – além do custo, pode ser importante (e dever de todos) “repensarmos o contencioso”.
Uma vez instaurado um processo, e sendo inevitável seguir com o litígio, o empresário quer “acabar logo” com a demanda, e ao menor custo possível. Sendo essa uma das razões do sucesso de campanhas de conciliação e de acordos. 
Encerrar processos, especialmente se vencedores, ou que tenham envolvido um bom acordo, pode ser uma boa notícia para a empresa. E devemos sim comemorar vitórias.
O empresário, entretanto e “via de regra”, não quer propriamente (apenas) vencer o processo, mas sim que ele “nem exista”. Empresas não gostam de processos!!
Advogados e operadores do Direito, de uma forma geral, especialmente os que não tiverem a mentalidade corporativa, tendem a pensar nos litígios, e assim nos contenciosos, muito “rapidamente”, usando o Direito propriamente dito (no caso os “processos”) como “salvador” único de todos os males.
As empresas, porém, não “pensam” assim!
Naturalmente, existem hoje em dia as chamadas alternativas para a solução de controvérsias, como a conciliação, a mediação e mesmo a arbitragem que precisamos conhecer e utilizar. De toda forma, porém, não deixam de ser opções para a existência de conflitos já existentes.
Empresas nem sempre lutam diretamente por seus “direitos”, e, da mesma forma, nem sempre lutam por “todos”, mas sim pelos que “valem a pena”. E pelo que consideram produtivo, pelo que conseguem ver como “investimentos” e visando a criação de valor.
O mundo corporativo é extremamente dinâmico e pragmático, de maneira que no caso das lutas pelos “direitos”, costuma lutar pelos que valem a pena, e pelos que geram ganho real – deixando, muitas vezes, que “casos perdidos” ou que “custem demais” sejam tratados de outras formas.
Naturalmente, todos os ramos e os enfoques do direito são importantes, e, felizmente, temos muitos e muitos colegas especializados, nos mais diversos assuntos - e que atuam na defesa de seus clientes com altíssima qualidade, mas a vida corporativa costuma exigir reflexões ainda mais amplas.
Uma das principais diferenças entre advogar para pessoas (naturais/ “físicas”) e empresas (pessoas jurídicas), está justamente na relação entre elas e os “contenciosos”, seja nos aspectos cíveis, tributários ou trabalhistas.
As pessoas “físicas” geralmente tendem a pensar os seus direitos de uma maneira mais direta e imediata, assim como de forma mais emocional, ao passo que as empresas tendem a enfrentar questões jurídicas como parte de sua estratégia de negócios, e sempre calculando a relação “custo x benefício” com forte peso financeiro.
Empresas tendem a considerar muito mais “os números”, as contas, os lucros e a “matemática”, do que aspectos “apenas jurídicos”, e ainda tendem a reduzir a influência das cargas  emocionais - que (reiteramos) “combinam” mais com a visão das pessoas (físicas) do direito.
Do ponto de vista puramente jurídico e da Justiça, certamente o contexto comporta a igualdade entre todos os ramos do direito, cada um com o seu foco específico, e, da mesma forma, a igualdade entre os ramos mais consultivos e os “contenciosos”; mas do ponto de vista empresarial a situação é “bem diferente”. Há áreas e campos mais “próximos” da realidade corporativa, e há os mais “distantes”.
Talvez seja essa uma das razões pelas quais as empresas, de forma geral (e salvo processos extremamente importantes e vitais para os negócios), não terem “nunca” muito tempo, ou paciência, ou “orçamento” para o contencioso, que via de regra é muito discriminado.
Essa questão é mesmo complexa e difícil, pois pode ser pouco intuitiva para o advogado não corporativo, mas é necessária para quem quiser atuar nos departamentos jurídicos – ou apoiá-los.
Muitos escritórios de advocacia existem para atuar em processos, com foco no contencioso, e isso é muito sério e importante, mas precisamos saber que o cliente corporativo tem outra visão e objetivo.
As empresas existem para e por várias razões, das mais filosóficas e sociais até às mais ligadas ao lucro, mas de maneira geral, ainda que algumas sejam (e corretamente se orgulhem disso) mais “idealistas”, gerar riqueza é um dos principais motivos.
Numa abordagem mais ampla, empresas existem para gerar riquezas, e para gerar lucros, gerando também empregos, tributos, valores sociais, seguindo o seu objeto social na criação e na comercialização de produtos e na prestação de serviços (para simplificarmos os exemplos).
Ainda, numa visão muito simplista (e certamente desconfortável para alguns), as empresas tendem a ver o contencioso “puro” como algo que ao invés de criar valor, destrói... Afirmação que, a despeito de ser extremamente complexa e polêmica, do ponto de vista econômico muitas vezes faz todo o sentido.
Nessa linha, as empresas sempre “olham” para a frente, para a geração de novos projetos, novos produtos, novos serviços, novos pontos de “venda”, novas maneiras de se fazer negócios etc. – sempre criando e sempre “para a frente”.
Sob essa ótica, os contenciosos, de forma geral, costumam ser vistos de maneira um tanto peculiar pelos empresários, que geralmente relacionam as “batalhas judiciais” como exemplos de “algo que deu errado”.
A relação das empresas com o direito, sob certo ângulo pode ser comparada ao ato de conduzir um veículo, tendo-se o direito consultivo e corporativo a função de “olhar pelo para-brisa dianteiro” (ou seja, para a frente); e o direito contencioso a função de “olhar pelo traseiro” ou “pelo retrovisor” (ou seja, para o que já aconteceu, e muitas vezes até já passou).
Do ponto de vista empresarial, faz muito mais sentido olhar “para a frente”, planejar e projetar novos desafios, e aplicar recursos (energia, tempo, pessoas, dinheiro...) no que é novo, no que é investimento, do que em algo que “olhe para trás” e que “apenas” seja reflexo do que já passou. E, no caso do contencioso, ainda para algo que “tenha dado errado” e que gere “brigas”.
Empresários geralmente são ansiosos por novos projetos e negócios, e lidam muito bem com o risco que conseguem estimar (gerindo-o), num exemplo claro de “precificação” e “matemática”, pois em praticamente tudo se coloca números, estatísticas, probabilidades e riscos, que ao final tendem a passar informações financeiras de quanto se arrisca, quanto se pode ganhar, e quanto se pode ganhar em cada momento ou iniciativa.
O chamado “apetite” ao risco, do ponto de vista corporativo ensina muito sobre as empresas  e o seu estilo de gestão e de atuação, e a sua relação com os contenciosos, também.
Focados em criação de valor e em novos, “digamos”, contratos (até porque as empresas atuam, de modo geral, através de contratos), utilizar recursos (que nesse caso entendem como perda) em batalhas jurídicas é literalmente agir de forma antinatural. Muitas vezes sendo até um “desperdício”.
Se algum consumidor, fornecedor ou cliente, parceiro comercial, empregado etc. aciona judicialmente uma empresa, na maioria das vezes há uma relação prévia que “não caminhou bem”. Ou seja, algo “saiu errado”, e que a parte que se entende ofendida em seu direito questiona/reclama, muitas vezes destruindo a relação que entre as partes existia.
Empresarialmente, quando os projetos e as operações “dão certo”, não se briga, não se discute, e não se litiga. Numa demonstração de que os investimentos em geral são criações para o futuro.
Conceitualmente, se o consumidor reclama do produto, sob a sua ótica, o produto não era bom ou não funcionou, numa visão semelhante à do parceiro comercial que se sente lesado e reclama. E o mesmo ocorre com o empregado que “procura os seus direitos”.
Dessa forma, do ponto de vista empresarial, o contencioso tende a decorrer de algo que não correu bem – daí a “briga”. E que, além de já ser por si só frustrante, ainda tende a custar caro (e não apenas em termos financeiros).
Repetimos, portanto, que o contencioso, de modo geral, e sob esse prisma, costuma ser identificado por muitos executivos, e empresários, literalmente, como “algo que deu errado” – que, portanto, não os agrada. 
Essa realidade tende a reforçar o aspectos consultivo, preventivo, da advocacia corporativa, pois se o que “deu errado” costuma sair caro, deve ser algo a ser evitado.... Ou seja, o “caminho” deveria ser o de se “fazer as coisas de forma correta desde o início”.
O contencioso sendo algo visto dessa maneira tende a ser também considerado como algo que tira energia, tira o foco e destrói valor, sendo uma espécie de “patinho feio”.
Claro que há os casos em que a empresa é autora (e que é ela quem move processos judiciais), mas ainda assim costuma ser por algo que tenha “dado errado” (mesmo que por “culpa” de outros”, e que poderia ter sido evitado).
Pensar o contencioso como algo que, ainda que importante e necessário, seja muitas vezes “patológico” e fruto de algo que tenha “dado errado” pode ajudar a entender (sem que seja necessário sempre concordar) a visão das empresas nesse campo.
Se, como já mencionamos, esse raciocínio todo reforça a ideia do foco preventivo (evitando-se problemas), pode ser essa uma das grandes bandeiras da advocacia corporativa. Mas o que fazer com o “contencioso”? Como pensar o contencioso como algo construtivo e estratégico?
Como a mentalidade do empresário “padrão” é a de investir, “olhando para a frente”, um dos desafios principais do departamento jurídico é “convencer” a empresa a investir na prevenção, em fazer as coisas de maneira correta desde o começo, para reduzir a chance de erros e de problemas (= processos).
Contencioso, justamente por não ser foco da empresa, tende a ser considerado pouco estratégico (o que às vezes pode ser um erro), caro demais, “sangria de energia” e de recursos, perda de tempo, e tende a ser terceirizado, pois não faz parte das questões centrais.
Em outros artigos abordaremos mais e outros aspectos da relação entre as empresas e os contenciosos, e como se pode tentar transformar o “patinho feio no cisne”, gerindo o contencioso como uma das áreas de negócios, e mesmo como geradora de informações e de receita, um grande centro de monitoramento da saúde dos projetos etc…
Esse é um dos vários tópicos que a moderna e estratégica gestão jurídica nas empresas vem estudando, e que tem evoluído bastante. Procure conhecer mais sobre a advocacia corporativa, seus desafios, as melhores práticas, e o que se tem feito de mais moderno no Brasil.

ducks-204332_1280

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Como pensar o contencioso como algo construtivo e estratégico?

As empresas e o contencioso (que elas “detestam”)

Como pensar o contencioso como algo construtivo e estratégico?