José Eduardo Faria

Com uma redução de 11% nos recursos da educação, 17,5% no setor de transportes, 7,5% na saúde, 24,3% na área de ciência e tecnologia, 64,1% em assistência social, 34,7% em segurança pública, 55% no programa Farmácia Popular e 95% no programa Casa Verde Amarela, em relação ao orçamento da União para 2022, a proposta orçamentária para 2023 apresentada pelo atual governo não é apenas econômica e socialmente irrealista e dramática.
É, também, mais uma prova inequívoca do grau de degradação moral e funcional a que chegou a administração pública após quatro anos de governo Bolsonaro, em decorrência da aliança feita com o centrão para evitar aprovação de um pedido de impeachment. Afinal, o que cresceu foram basicamente as verbas que deputados e senadores disporão para destinar às suas bases eleitorais. Ao todo, são R$ 38 bilhões, dos quais R$ 19 bilhões irão para as emendas de relator, que é conhecida como “orçamento secreto”.
Esses valores são distribuídos  pelos presidentes da Câmara e do Senado — após acordos políticos de ética duvidosa — aos parlamentares governistas mais influentes no Congresso, para que possam cevar seus redutos eleitorais. Por isso, como os critérios de aplicação desses recursos não são técnicos, mas eleitoreiros, o resultado acaba sendo sua dispersão em obras secundárias, paroquiais e muitas vezes desnecessárias. Por consequência, em um período de forte austeridade fiscal da União, faltam recursos para políticas públicas em áreas estratégicas — como saúde, educação, transportes e assistência social — concebidas com base nas prioridades de um projeto de desenvolvimento do país.
Em vez da maximização de recursos escassos, o que se tem no plano econômico, assim, é sua dispersão em favorecimentos de oligarquias locais e regionais e em distribuição de vantagens e favores, o que corrói a linha demarcatória entre interesses públicos e interesses privados. Quanto mais deputados e senadores aumentam o controle sobre o orçamento, mais o governo federal se converte em um aluvião de feudos e de sesmarias controlados por facções políticas empenhadas em apascentar suas clientelas. Já no plano político, quanto mais deputados e senadores se valem do orçamento secreto para firmar seu nome, ter exposição midiática e manter azeitadas suas bases eleitorais, maior é a perversão da representação parlamentar e menor é a taxa de renovação da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/camara-dos-deputados">Câmara</a> e do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/senado-federal">Senado</a>. Quanto mais a democratização da vida partidária vai se corroendo, maior é a erosão da legitimidade do próprio regime democrático.
Diante desse cenário desastroso e preocupante, às vésperas de uma eleição presidencial, há pelo menos três indagações que podem ser feitas sobre o futuro do país. A primeira envolve a polêmica sobre a redefinição e o alcance do papel do Estado. A segunda indagação envolve o debate sobre as funções do governo. Nesse sentido, como reconstruir os mecanismos de planejamento que foram destroçados nos últimos anos, o que exige definição de objetivos, fixação de metas, formulação de indicadores, estabelecimento de estratégias de médio e longo prazo e coordenação das ações básicas? A terceira indagação é sobre as medidas que devem ser tomadas para que os investimentos governamentais sejam orientados não por interesses particulares ou objetivos privados de quem está no poder ou integra a base de sustentação do governo, mas por critérios técnicos e com o foco em prioridades públicas.
As respostas a essas perguntas são fundamentais para que o país possa estabelecer estratégias de crescimento, como, também, forjar objetivos de longo prazo — condição necessária, ainda que não suficiente, para um projeto nacional. O problema, no entanto, é que durante a campanha eleitoral os candidatos competitivos não explicaram como veem as funções do poder público, a regulação das atividades socioeconômicas e a atuação dos agentes privados. Esse é um tema que implica a distinção entre função pública, de um lado, e negócio, de outro. No plano político, a ideia de função pública envolve a noção de responsabilidade. E, se as atividades na prestação de um serviço podem ser transferíveis, a responsabilidade não pode. Por isso, um dos desafios políticos será precisar o que é ou não é a responsabilidade estatal.
Nas três ou quatro últimas gestões presidenciais, falou-se muito a respeito disso, porém de modo por vezes impreciso. Invocando um liberalismo econômico exacerbado, uma gestão demonstrou desconhecer que, em certas áreas da máquina administrativa da União, só o poder público tem autoridade efetiva para decidir e regular. Outras pareceram ignorar que um dos aspectos básicos da implementação e execução de políticas públicas diz respeito, justamente, aos meios e instrumentos públicos. E pelo menos duas gestões imiscuíram-se de modo desastrado no livre jogo de mercado, tentando controlar preços, interferindo em sociedades de economia mista e interferindo na administração de políticas de tarifas.
Houve, ainda, gestões que se revelaram incapazes de diferenciar funções que são intrínsecas do poder público — e, portanto, não transferíveis — das funções governamentais que podem ser executadas por meio de convênios ou contratos com a iniciativa privada. Também não souberam conjugar a lógica do lucro privado, uma vez que os concessionários de determinados serviços públicos encaram a concessão como negócio, com os objetivos de prestação de serviços públicos, que são de interesse de toda a coletividade.
Por isso, é no mínimo preocupante chegarmos a um pleito presidencial com um dos candidatos competitivos, <a href="https://www.jota.info/eleicoes/jair-bolsonaro-a-trajetoria-militar-e-politica-do-presidente-que-busca-a-reeleicao-13052022">o que busca a reeleição</a>, não tendo para prometer no próximo mandato nada que já não tenha feito de modo desastrado em seu atual mandato. E <a href="https://www.jota.info/eleicoes/lula-trajetoria-sindical-e-politica-ex-presidente-busca-derrotar-bolsonaro-eleicoes-2022-16052022">com outro, o da oposição</a>, que não colocou no papel as promessas feitas em comícios, pedindo uma espécie de cheque em branco em troca do voto.

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JOTA

Há pelo menos três indagações que podem ser feitas sobre o futuro do país

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