Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">"O tempo, como o Mundo, tem dois hemisférios: um 
superior e visível, que é o passado, outro invisível 
que é o futuro. No meio de um e outro hemisfério 
ficam os horizontes do tempo, que são estes 
instantes do presente que imos vivendo, onde o 
passado termina e o futuro começa."
<footer class="jota-article__quote-cite">Padre Antônio Vieira</footer>
</blockquote>
Hoje, o país vai novamente às urnas para decidir, em segundo turno, quem e qual grupo comandará a Presidência da República e uma série de governos estaduais pelo próximo quatriênio. Não se trata, contudo, de uma eleição comum. O vencedor do pleito comandará a nação durante um período que possivelmente se provará um dos mais desafiadores da nossa história. Não apenas no âmbito interno, onde a população encontra-se dividida e machucada, mas, principalmente, no âmbito externo, onde as centelhas de uma tempestade feroz já se divisam no horizonte.
A diplomacia, como ensina o professor Celso Lafer, é a arte de se conduzir as relações internacionais do país em diversos tabuleiros simultâneos, cuja integração se dá pelo esforço sutil da construção de uma concepção abrangente da ordem global, refletida no <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/direito-internacional">Direito Internacional</a>, que permita identificar e calibrar os desafios específicos que ela apresenta para cada Estado em particular. O risco do momento atual, cara leitora, é justamente causado pelo fato de que essa concepção abrangente da ordem global se esfacelou, jogando o mundo no vórtex dissolvente mais perigoso desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Sem uma concepção abrangente e legítima da ordem global, o Direito Internacional se esfarela, tornando a tarefa de identificar os riscos para ajustar o interesse nacional de cada Estado um esforço de dificuldades inimagináveis. Sem uma concepção legitimamente compartilhada por todos os atores, cada qual passa a buscar aquilo que melhor entende ser o seu interesse nacional, aumentando exponencialmente o risco de uma conflagração de grandes proporções. Ficamos todos perdidos, tateando no escuro.
Esse risco é evidente no primeiro tabuleiro, o das relações militares e de segurança. Como já abordamos <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-maior-risco-para-o-vencedor-das-eleicoes-09102022">aqui nesta coluna</a>, a humanidade está passando pelo momento de mais alto risco de uma catástrofe nuclear desde a Crise dos Mísseis de Cuba de 1962. Aliás, <a href="https://www.nbcnews.com/politics/joe-biden/biden-warns-risk-nuclear-armageddon-highest-cuban-missile-crisis-rcna51146">isso foi mesmo mencionado expressamente pelo presidente Joe Biden</a>. Estamos adentrando uma era sem precedentes de proliferação nuclear, com cenários de alta tensão simultâneos na Europa, na Ásia e no Oriente Médio. O vencedor do pleito precisará de todo o conhecimento acumulado pela nossa tradição diplomática luso-portuguesa para navegar em um cenário cujo risco de deflagração de uma nova guerra mundial é deveras alto.
No tabuleiro econômico-financeiro, por sua vez, o prospecto não é mais alentador. A ordem econômica global do pós-Segunda Guerra Mundial está a ruir diante de nossos olhos, jogando a humanidade em uma nova economia internacional marcada por um <a href="https://www.foreignaffairs.com/world/age-of-inflation-kenneth-rogoff?utm_medium=promo_email&amp;utm_source=pre_release&amp;utm_campaign=pre_release_060722&amp;utm_content=20221024&amp;utm_term=promo-email-prospects">processo inflacionário inercial</a> e com risco de uma depressão mundial. Estamos entrando em uma era de desglobalização e de estagflação, que já tivemos a oportunidade de analisar <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-deglobalizacao-e-o-renascimento-do-lloyd-brasileiro-08042022">aqui nesta coluna</a>.
O fundamental para a leitora ter em mente é <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-maior-erro-que-tomadores-de-decisao-podem-cometer-na-nova-economia-global-25092022">a necessidade de se desenvolver uma nova compreensão sobre a economia</a>, que produza novos instrumentos para que os bancos centrais ao redor do globo possam calibrar o sistema financeiro, buscando estabilidade e crescimento. No momento atual existe apenas perplexidade, além de vastas bibliotecas sobre a economia de um mundo que não existe mais.
E essa perplexidade em relação à nova economia global tem impactos profundos no terceiro tabuleiro: o social. Estamos entrando em um dos períodos de maior concentração de renda da história conhecida, no qual o valor o trabalho humano se deprecia rapidamente, eliminando a classe média e incensando a polarização e os extremismos políticos ao redor do mundo. A disrupção econômica causada pela crise financeira global de 2008, a pandemia de Covid-19 e os inúmeros conflitos geopolíticos que simultaneamente eclodem têm desestruturado as cadeias globais de fornecimento, jogando milhões de pessoas em uma situação de fome e extrema pobreza. Esse cenário se agrava ainda mais pelas secas severas verificadas no verão do hemisfério norte deste ano, causadas pelas mudanças climáticas.
O que nos leva justamente ao quarto tabuleiro diplomático, o das questões climáticas e ambientais. Conforme já tivemos a oportunidade de analisar <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-crise-energetica-e-alimentar-global-ii-28082022">aqui nesta coluna</a>, as mudanças climáticas vêm se acelerando e estão mesmo a jogar a humanidade em uma situação de risco existencial, para a sobrevivência da espécie e do planeta. A crise energética atual já se tornou um verdadeiro trade-off entre alimentos e ambiente, cujo enfrentamento passa não tanto por soluções globais de realização de métricas frias, mas sim por um resgate de modos de vida tradicionais locais, que valorizem a herança de convivência equilibrada com o ambiente que nos circunda imediatamente. É somente pela valorização e pelo resgate do patrimônio histórico e dos modos de vida tradicionais de cada comunidade local que o meio-ambiente global pode ser salvo e não o contrário.
O pleito de hoje, no fim, representa o anseio, <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/principais-desafios-na-transicao-da-ordem-internacional-24062022">que já analisamos aqui</a>, de uma busca por liderança. O vencedor da disputa terá o encargo de promover a união do povo brasileiro para enfrentar esse cenário internacional que, talvez, seja o mais desafiador da nossa história. É preciso, contudo, que o engajamento brasileiro não seja meramente defensivo, mas que, pela canalização da força dos nossos valores históricos em uma liderança sábia e segura, o Brasil possa ser uma força criativa e benemérita para o mundo nesse momento tão conturbado. É somente assim que a nossa terra vai cumprir o seu ideal. Qui non est hodie, cras minus aptus erit<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Quem não está pronto hoje, menos preparado se verá amanhã.

eleições

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JOTA

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