Ricardo Andrade Magro

Gustavo O. De Sá e Benevides

A escalada de preços dos combustíveis obriga o mercado, especialistas e autoridades públicas a reverem cada etapa da complexa cadeia produtiva que leva o insumo ao consumidor. O que se vê na prática é que, com preços tão altos, cada centavo passou a ser decisivo e a ser revisitado, de modo a entender como é composto o preço final do combustível e como é possível reduzi-lo sem quebrar empresas ou as contas públicas. Não há solução mágica e o exemplo mais claro (e recente) veio do Congresso, com a cobrança do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/icms">ICMS</a>.
É nesse contexto que há um item que deve ser debatido: os Créditos de Descarbonização (CBIOs). Criado na esteira dos compromissos ambientais assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris, de 2015, na prática eles se tornaram uma exigência que está pressionando preços – algo como R$ 0,06 a R$ 0,10 por litro<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Não se trata de ser contra as medidas de combate ao efeito estufa, mas é preciso deixar claro que isso gera um custo que, lá na ponta, onera o consumidor e, pior, que não está cumprindo o seu propósito.
Pelas regras em vigor, os créditos são emitidos por produtores e importadores de biocombustíveis, e obrigatoriamente devem ser comprados pelas importadoras e distribuidoras de combustíveis fósseis para que elas cumpram suas metas anuais individuais. O objetivo, em tese,  é compensar as emissões de gases de efeito estufa oriundas da queima destes combustíveis.
O problema é que a operacionalização do mercado dos Créditos e o processo de certificação das empresas para emissão dos CBIOs são mal regulamentados, pois, ao mesmo tempo que as distribuidoras são obrigadas a comprar os créditos, as produtoras/importadoras não são obrigadas a emiti-los. O resultado disso é a criação de um “mercado” baseado em um desequilíbrio econômico, com distorções em seus fundamentos.
Do ponto de vista financeiro, não há dispositivos que protejam as cotações destes Certificados de valorizações bruscas. A título de exemplo, o valor do CBIO subiu quase 230% em apenas 12 meses, atingindo o valor histórico de R$ 209,50 no dia 30 de junho de 2022<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Essa alta é, inevitavelmente, incorporada à composição dos preços dos combustíveis.
Isso é devidamente comprovado quando se analisa o volume de biocombustível comercializado no país. Em janeiro de 2022, o volume de etanol hidratado transacionado pelas distribuidoras apresentou queda de 41,07% em comparação com jan/21, conforme Síntese Mensal de Comercialização de Combustíveis publicado pela ANP.
Sem incentivos para a maior introdução de biocombustíveis no setor, o RenovaBio se baseia somente em emissão de Créditos de Carbono para compensar o crescimento da produção dos combustíveis fósseis. Em maio de 2022, de acordo com os dados divulgados pela ANP, as vendas e importações de diesel registram os maiores volumes da série histórica, tanto para meses de maio quanto no acumulado dos primeiros 5 meses do ano.
Portanto, o modelo obrigatório de aquisição de CBIOs pelas distribuidoras não contribui para o desenvolvimento de energia sustentável no país e ainda prevê pesadas multas para quem não cumprir as metas. De acordo com Patrizia Tomasi-Bensik, uma engenheira que presta serviço a uma agência climática da ONU: “Eles não estão removendo nenhum tipo de emissão de gases de efeito estufa. É um grande esquema”.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Esse cenário fica ainda mais grave porque, na prática, o CBIOs é uma espécie de bomba-relógio para o setor. Isso porque as metas globais aumentam progressivamente até 2030, como determinado pelo Conselho Nacional de Política Energética, e não há incentivos para a substituição do combustível fóssil para o renovável, a quantidade de CBIOs necessárias para o cumprimento das metas será cada vez maior.
Ou seja, as distribuidoras terão que comprar cada vez mais CBIOs no mercado para garantir o cumprimento integral das suas metas, enquanto a produção e comercialização de etanol e biodiesel não cresce - o Brasil responde pela maior parte do declínio global, com uma queda de 663 milhões de litros ao ano de biocombustíveis<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
O etanol depende das safras de cana e do interesse dos produtores em optar pela produção do combustível em detrimento do açúcar. Ao mesmo tempo, o governo federal congelou o índice de biodiesel obrigatório no diesel em 10%, o que prejudica o crescimento de produção deste biocombustível.
Consequentemente, com o aumento das metas; diminuição da comercialização de biocombustível e a faculdade de o produtor emitir os CBIOs, haverá escassez de créditos.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> É ou não é um bomba-relógio?
Este tema, inclusive, está sendo discutido pela Câmara dos Deputados através do PL 1799/2022, de autoria da deputada Soraya Manato (PTB-ES). A proposta tem como objetivo alocar a obrigatoriedade de aquisição dos Créditos de Descarbonização nos produtores de combustíveis derivados de petróleo, em todas as suas modalidades, o que evitará assimetrias competitivas no mercado de combustíveis, além de melhor alocar a obrigação de descarbonização no real produtor ou importador de derivados de petróleo e gás natural.
Seja via projeto de lei ou alteração de normas, o que fica claro é que necessária, desde já, a intervenção das autoridades públicas nos CBIOs. É preciso mudanças estruturais, de forma a regular este mercado e impedir as graves distorções que vem ocorrendo.
Além disso, cabe ao governo incentivar de fato o aumento da oferta de energias renováveis que geram os CBIOs. Já houve a disparada de preços e, como demonstrado, os prognósticos são ainda piores. Em um contexto que o litro da gasolina já chegou a mais de R$ 7, não cabe mais a omissão das autoridades em relação ao CBIOS. Há soluções e elas são viáveis. E o melhor: regular esse mercado não interfere nas contas públicas e ainda levará racionalidade e previsibilidade a um mercado com potencial bilionário e que interfere no bolso de todos os brasileiros.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>  <a href="https://www.poder360.com.br/economia/governo-pretende-transferir-regulacao-financeira-de-cbios/">https://www.poder360.com.br/economia/governo-pretende-transferir-regulacao-financeira-de-cbios/</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://www.novacana.com/n/etanol/mercado/preco-cbios-supera-marca-r-200-segunda-quinzena-junho-040722">https://www.novacana.com/n/etanol/mercado/preco-cbios-supera-marca-r-200-segunda-quinzena-junho-040722</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> <a href="https://esportes.yahoo.com/custo-renovabio-dispara-com-expectativa-131130050.html">https://esportes.yahoo.com/custo-renovabio-dispara-com-expectativa-131130050.html</a>
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a><a href="https://www.novacana.com/n/etanol/meio-ambiente/11-paises-recuando-politicas-biocombustiveis-180522">https://www.novacana.com/n/etanol/meio-ambiente/11-paises-recuando-politicas-biocombustiveis-180522</a>
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> <a href="https://esportes.yahoo.com/custo-renovabio-dispara-com-expectativa-131130050.html">https://esportes.yahoo.com/custo-renovabio-dispara-com-expectativa-131130050.html</a>

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JOTA

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