Andrea M. L. Pasold

Os últimos dois anos, especialmente 2020, escancararam e retomaram a diferença entre as <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/mulheres">mulheres</a>, e não só entre mulheres e homens.
Voltemos no tempo. Tão logo a mulher branca de classe média se emancipou, o que aconteceu graças a muito trabalho, mérito, e luta, essa mulher foi trabalhar fora de casa lutando por espaço o mais próximo possível do ocupado pelo homem branco, e segue buscando salários idênticos em corporações privadas.
Para que o movimento pudesse dar frutos, sem o julgamento cruel pela escolha entre família e trabalho (porque o sistema decidiu que se tem que escolher), essa mulher emancipada precisou contar com outra mulher para cuidar de sua casa e dos seus filhos enquanto estivesse fora. Historicamente, a mulher que cuida dos filhos e da casa de outras mulheres mediante remuneração é da periferia e, em sua maioria, negra, porque as condições se confundem.
Trabalhadores em âmbito doméstico no Brasil representam cerca de 6,2 milhões de pessoas, entre as quais 93% são mulheres e, entre elas, 68% são negras, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad) de 2018, do <a href="https://www.ibge.gov.br/pt/inicio.html">IBGE</a>, a mais recente a compilar esses números.
Mas isso não é novidade ou conquista, é a vida desde sempre. Como a mulher negra pode se identificar com a branca, se solidarizar à sua luta por emancipação e independência financeira, se já trabalhava nas plantações, nas casas, em um estado de normalidade? Sem amparo, empatia ou solidariedade inclusive daquelas mulheres até então apenas donas DA casa, e não de casa? A mulher negra não só trabalhava com os homens, mas como os homens, sem privilégios quanto à redução de peso carregado, jornada máxima de trabalho, intervalos, folgas.
A partir da Revolução Industrial, a exploração do trabalho da mulher não escolheu cor, e a busca por jornadas limitadas de trabalho e salário digno foi comum a todas, já que o trabalho feminino no ambiente industrial deixou de ser encarado como privilégio obtido e sim como importante fonte de renda familiar. A mulher tinha a dupla jornada (com o trabalho doméstico não remunerado) e em retribuição recebia salário inferior, onde quer que fosse.
Ainda assim, pelo histórico de escravidão anterior e nenhuma preocupação estatal em dar condições de trabalho após a libertação formal, continuaram disponíveis às mulheres negras os postos de trabalho de piores remuneração e ambiente de trabalho.
Na escada dos privilégios, dependendo do enfoque, abaixo do homem branco está a mulher branca ou o homem negro (em salários, o homem negro pode receber mais do que a mulher branca), mas certamente a que está na base da pirâmide, com muito trabalho e sustentando peso, é a mulher negra.
Houve momentos históricos de união entre mulheres negras e homens negros, pela abolição da escravatura. E entre mulheres brancas e negras, pelo voto feminino. São pontuais e de objetivos específicos, que, alcançados, ainda que não na forma perfeita, levam novamente às mulheres negras a um lugar de periferia jurídica.
A distância de objetivos e conquistas entre as mulheres fortalece o sistema patriarcal, dificulta a união verdadeira. Os estudos de interseccionalidade mostram que há sempre outros recortes além da raça e gênero, como classe social, e tudo se entrelaça, mas não se funde.
É no Estado Democrático de Direito, com fundamento na dignidade da pessoa humana e combativo à discriminação, que podemos encontrar nosso ponto comum e reduzir a distância. A garantia de emprego à gestante é a todas as mulheres, o limite de peso, a proteção à amamentação, a licença maternidade. Nem sempre é exercido, pelo descumprimento legal por parte de tomadores de serviço e, no específico, é bem democrático, todas as mulheres estão sujeitas.
A solução passa por fixar como marco de coesão a legislação trabalhista, seu cumprimento e fiscalização, e reforçar a vigilância para as situações ainda mais comuns às negras, como o tratamento discriminatório por si só, pelo “combo” mulher e negra. Todas exigindo, todas cumprindo, todas fiscalizando e cuidando umas das outras. Porque não há vitória para as mulheres quando não é para todas.

gênero

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JOTA

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