Ariane Costa Guimarães

1. Introdução
O Conselho Nacional de Política Fazendária foi criado em 1975, após a instituição do ICM, em 1965, para harmonizar as regras do referido tributo e vedar a migração de investimentos no país e, assim, o prejuízo nas receitas púbicas dos Estados-membros.
Em que pese o CONFAZ exista para evitar a guerra fiscal, fato é que a edição de isenções e benefícios fiscais, atualmente, tem passado ao largo das regras estabelecidas na LC 24/75. Há mais de 150 (cento e cinquenta) Ações Diretas contra benefícios concedidos unilateralmente. Além disso, a própria legitimidade do órgão está sob questionamento formal, por meio do ajuizamento, pelo Governo do Distrito Federal, de Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental no STF.
Diante disso, o objeto deste texto é refletir sobre os aspectos estruturais do CONFAZ frente as categoriais e conceitos democráticos para que se possa propor aprimoramento no órgão.
2. O CONFAZ e suas regras de funcionamento
O Conselho Nacional de Política Fazendária foi criado para coordenar o exercício da competência tributária dos Estados-membros para as desonerações do ICMS e evitar disparidades na repartição da receita pública estadual.
De fato, até 1967, o imposto incidente sobre a circulação de mercadorias era o IVC (Imposto sobre Vendas e Consignações), quando, então, passou a ser incidente o ICM.
Após a implantação do novo tributo, foi necessário o estabelecimento de uma coordenação entre as várias Unidades da Federação quanto ao processo de alteração nas normas básicas do imposto, fixadas na Legislação Federal, mediante atos que definiam uma política fiscal paralela.
A primeira medida adotada foi a criação de uma alíquota única para o ICM [1] de 15%, a qual teve de ser alterada para compatibilização ao IVC nas regiões Norte e Nordeste. Esta conjuntura ensejou a aprovação e a publicação da Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975, que instituiu o Conselho Nacional de Política Fazendária.
O Conselho Nacional de Política Fazendária, assim, foi instituído para promover atividades necessárias à formulação de políticas públicas e à harmonização dos procedimentos e das normas do ICMS nos Estados e Distrito Federal, as quais são importantes, como já dito, para a coexistência do exercício tributário desses entes federativos.
Para tanto, o CONFAZ edita, desde então, convênios para definição das condições gerais de concessão de anistia, remissão, transação, moratória, parcelamento de débitos fiscais e ampliação do prazo de recolhimento do imposto de circulação de mercadorias.
O quórum de aprovação é a unanimidade dos representantes dos Estados-membros presentes nas reuniões deliberativas para a aprovação de isenções, reduções de base de cálculo, créditos presumidos, incentivos fiscais ou financeiros, prorrogações e extensões das mencionadas.
É composto por representantes de todos os Estados-membros, ou seja, os Secretários Executivos de Finanças Públicas, ou o cargo que lhe faça as vezes, bem como do Ministro da Fazenda: representantes do Poder Executivo, portanto.
As reuniões deliberativas apenas podem ocorrer com a presença da maioria dos representantes das Unidades da Federação. A concessão de benefícios fiscais depende sempre da aprovação unânime dos Estados representados e a sua revogação total ou parcial, de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes.
Após a edição do Convênio, dentro do prazo de 15 (quinze) dias da respectiva publicação no Diário Oficial da União, independentemente de qualquer outra comunicação, o Poder Executivo de cada Unidade da Federação deve publicar decreto ratificador dos convênios celebrados. Será considerado rejeitado o convênio que não for expressa ou tacitamente ratificado pelo Poder Executivo de todas as Unidades da Federação. Os convênios ratificados obrigam todas as Unidades da Federação, inclusive as que, regularmente convocadas, não se tenham feito representar na reunião.
Na estrutura burocrática, o CONFAZ é órgão que integra o Ministério da Fazenda, nos moldes do Decreto 7.050, de dezembro de 2009.
A Constituição Federal faz referência à lei complementar para a tutela de isenções, benefícios e incentivos e, enquanto não editada, prevalecem as diretrizes da LC 24/75 para esta finalidade (art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal).
Apesar da missão institucional do Conselho ser a de evitar a guerra fiscal, fato é que, atualmente, os Estados-membros editam unilateralmente os benefícios fiscais, conforme exposto no tópico anterior. Tanto assim o é que há, no Supremo Tribunal Federal, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, cento e cinquenta ações direta de inconstitucionalidade propostas contra benefícios fiscais que violariam o art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da CF.
Isto revela que a existência do CONFAZ, por si só, não coíbe a guerra fiscal. Fernando Rezende assinala: “as regras que previam a submissão de quaisquer incentivos concedidos no âmbito do ICMS à aprovação do CONFAZ foram solenemente ignoradas, acarretando o esvaziamento do papel deste órgão e gerando clima de insegurança jurídica”[2].
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Apenas por este motivo, já seria suficiente afirmar a necessidade de outro mecanismo ou regra para a harmonização do ICMS e a coibição da disparidade na redistribuição do Fundo de Participação aos Estados. No entanto, há outras razões para questionar a legitimidade do CONFAZ.
O Distrito Federal, por sua procuradoria, em 2009, ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental em face de dispositivos da LC 24/75, que criou o CONFAZ, relacionados à unanimidade, porque violaria o Princípio Democrático e o Pacto Federativo.
As razões para ajuizamento da ADPF partem do pressuposto de que as regras do CONFAZ não podem ser aplicadas ao ICMS, tal qual disciplinado na CF/88, porque este órgão foi criado para regular o antigo ICM da Constituição de 1967.
Além disso, a necessidade de aprovação e ratificação unanimemente pelos Estados-membros viola o Princípio Democrático porque “não rende homenagens à vontade da maioria” e a autonomia dos entes federados não seria razoável em país com tamanha desigualdade regional.
Na mencionada ADPF, o Ministério Público Federal manifesta-se pela adequação do CONFAZ à Constituição Federal. Defende que o ICMS deve ter tratamento uniforme e o órgão tem a função de estabelecer regras harmônicas entre os entes federativos estaduais. Por fim, o CONFAZ preconiza pela aprovação de benefícios apenas quando houver interesse da nação, não meramente regionais.
Já a Presidência da República afirma que a Constituição Federal não exige maioria para deliberações dos benefícios fiscais, pelo que seria legítimo o CONFAZ. Além disso, a regra do CONFAZ exigiria unanimidade apenas entre os presentes, não de todos os membros obrigatoriamente. Por outro lado, caso superada esta questão, a unanimidade seria necessária porque a maioria dos Estados não pode prejudicar qualquer dos Estados.
A Advocacia Geral da União, por sua vez, defende a regra da unanimidade para que um Estado não seja lesado em razão de outro, bem como para combate da guerra fiscal.
A Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso pediu ingresso no feito como amicus curiae e defende que a advocacia da unanimidade no CONFAZ somente é positiva para Estados-membros industrializados, como São Paulo. Assim, a regra do CONFAZ violaria o princípio da isonomia, que demanda o tratamento de regiões do país de modo diferenciado na medida de sua desigualdade.
Na mesma linha de defesa, pronunciaram-se a FECOMERCIO-DF (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal), Estado de Goiás, FIEMA (Federação das Indústrias do Estado do Maranhão), Estado da Paraíba e de Mato Grosso, o qual afirma, inclusive, “a exigência de unanimidade é antidemocrática, pois, de fato, é um mecanismo injusto de manutenção de um status quo ditatorial”.
Já o Estado de São Paulo defende a manutenção da regra da unanimidade e reúne os argumentos da AGU, do Ministério Público e do Senado.
3. REFLEXÕES SOBRE A DEFICIÊNCIA DEMOCRÁTICA DO CONFAZ
A regra da unanimidade, segundo Ferrajoli, em recente ensaio traduzido para o português, é contrária à democracia: “caso fosse verossímil, pressuporia uma destruição muito mais grave do espírito público: a homologação ideológica e o fim do pluralismo e do conflito político e, portanto, da própria liberdade: o que, contudo, caracteriza a democracia é muito mais o livre dissenso que o livre consenso” [3].
A possibilidade de um ente federativo estadual impedir a deliberação de uma proposição pode ser tida como a tirania da minoria, ou, mais especialmente, o impedimento de que Estados necessitados de investimentos possam editar benefícios sem o aval de Estados industrializados.
Se, de um lado, a regra democrática evita a prevalência da vontade da maioria sobre a minoria por meio de mecanismos de proteção, a vontade da minoria também não pode ser a regra das escolhas públicas.
Roberta Kaufmann esclarece que “a prevalecer o requisito da unanimidade nas deliberações do CONFAZ, subverter-se-á a ideia majoritária pelo reconhecimento da ditadura da minoria, quando a vontade de um único membro passa a ter supremacia”[4].
Fernando Scaff, por sua vez, afirma que, “pela lógica da unanimidade, o CONFAZ se torna o dono do ICMS e não cada Estado individualmente considerado”[5]. Este órgão deve ter papel de harmonização fiscal em um Estado Democrático, não de coação fiscal, própria do período em que foi criado (ditadura militar). De fato, “durante o autoritarismo a regra da unanimidade possuía uma lógica interna ao sistema; durante o período democrático esta norma não pode prosperar, pois não encontra amparo em nenhuma norma constitucional”.
Outro aspecto que pode ser levantado, além do que já foi apresentado na ADPF, para reforçar a deficiência democrática, diz respeito aos participantes: há apenas representantes do Poder Executivo, ou seja, do interesse da arrecadação. Representantes dos contribuintes ou, ainda, do Poder Legislativo, são inexistentes. De fato, os conselhos criados após a Constituição Federal procuram congregar representantes da sociedade civil para legitimar suas decisões, principalmente relacionadas à edição de normas. Típico exemplo é o CNAS (Conselho Nacional de Assistência Social).
Os conselhos são os fóruns de deliberação acerca das políticas públicas e paritários, compostos por membros do governo e da sociedade civil, os quais apresentam material aos poderes, Executivo, Legislativo ou Judiciário a fim de subsidiar suas decisões ou, ainda, podem deter a prerrogativa da edição de textos normativos ou de julgamentos[6].
A representação popular é tão importante para as escolhas que ele afirma não ser exagerado se afirmar que, se os juízes fossem nomeados apenas por suas qualidades judiciais, sem considerar suas atitudes e reflexões sobre políticas públicas, a Suprema Corte não poderia, por isso, desempenhar papel influente que tem no sistema político americano[7].
Luigi Ferrajoli, enaltecendo a participação popular, em ensaio sobre a democracia, assinala que a separação dos poderes, lida na modernidade, pressupõe “primeiro, a subordinação da jurisdição à legislação; em seguida, a subordinação da legislação à Constituição”[8].
A democracia pressupõe a maior participação dos grupos representados na tomada de decisões popular, pois a interpenetrabilidade das atribuições próprias pelas funções estatais é condição para o exercício democrático.
Essa perspectiva não difere da premissa pontuada por Dahl [9], quando compreende a manifestação democrática pela oportunidade de manifestação a todos os grupos sociais de expressão. Para ele, mesmo quando não acolhida a demanda de um determinado grupo na decisão pública, a sua participação no processo de escolha confere-lhe legitimidade democrática. Apesar de Dahl conferir importância na homogeneidade para a construção do ideal democrático, isto não quer dizer que ele afaste o diferente. Ao contrário, a homogeneidade afigura-se como a vontade de tomada de decisão no dissenso.
Assim, a única forma de alcançar a democracia é a existência de um modelo de separação dos poderes que permita a detecção das decisões públicas aos argumentos apresentados pelo povo, não de modo simbólico, mas efetivo. Caso assim não seja, “regra democrática e administração profissional se tornam ferramentas de tirania”[10].
Na organização política brasileira, a representatividade dos contribuintes e o seu exercício legiferante é realizado por meio de voto direto (Poder Legislativo). No CONFAZ, ao contrário, há a edição de convênios, os quais têm força de lei, com a participação de Secretários de Fazenda, cidadãos escolhidos pelos chefes do Poder Executivo.
Não há qualquer ingerência direta do titular do poder, povo, na conformação deste órgão deliberativo. Sequer há participação de representantes da sociedade na composição, como ocorre com os conselhos deliberativos previstos sob a égide da Constituição Federal de 1988. Por mais críticas de legitimidade aos nossos atuais parlamentares, fato é que retirar a sua representatividade contribui para a redução da democracia, valor fundante de nosso ordenamento jurídico.
A Advocacia Geral da União afirma que o princípio democrático estaria observado quando os Estados-membros instituem tributos de sua competência, mas o afastamento não estaria subordinado a esta regra.
De acordo com este argumento, a instituição de tributos deve ser democrática, mas a redução ou isenção, não. Além disso, a exigência da unanimidade se prestaria a evitar a guerra fiscal. Há nítida manifestação antidemocrática nesta afirmação, na medida em que o poder de tributar apenas tem sentido, seja para criar, aumentar, reduzir ou extinguir tributos, desde que amparado no consentimento do povo, que o faz por intermédio do Poder Legislativo.
Por fim, o fato de apenas o Estado de São Paulo ter se manifestado contrariamente à arguição de descumprimento de preceito fundamental, até o momento, frente à alegação dos demais Estados, que atribuem o caráter ainda ditatorial e prevalecente dos interesses dos entes federativos, demonstra que há compartilhamento desta deficiência democrática pela maior parte dos entes.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quer parecer que o CONFAZ, na forma como desenhado institucionalmente, tanto não combate a guerra fiscal, como, também, está assentado em uma série de procedimentos e regras antidemocráticas, como a exigência de unanimidade dos presentes para aprovação de Convênios, a ausência de representatividade social, a prevalência de um modelo de privilégio do estado anterior, sem interferência para redução das desigualdades regionais.
É chegada a hora de revisitar a LC 24/75.
* Ariane Costa Guimarães é Doutoranda em Direito e Políticas Públicas. Professora de Direito Tributário. Advogada. 
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[1] REZENDE, Fernando. ICMS: Como era, o que mudou ao longo do tempo, perspectivas e novas mudanças. In Cadernos Fórum Fiscal n. 10. Brasília: Fórum Fiscal dos Estados brasileiros, 2009, p. 4.
[2] REZENDE, Fernando. ICMS: Como era, o que mudou ao longo do tempo, perspectivas e novas mudanças. In Cadernos Fórum Fiscal n. 10. Brasília: Fórum Fiscal dos Estados brasileiros, 2009, p. 9.
[3] FERRAJOLI, Luigi. Tradução de Alexandre Araujo de Souza. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 43.  
[4] KAUFMANN, Roberta Fragoso Menezes. Considerações sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 198 e sobre a constitucionalidade do exercício da função extrafiscal de benefícios de ICMS por legislações estaduais sem prévio convênio autorizativo do CONFAZ. Ausência de guerra fiscal. In Congresso Nacional dos Procuradores de Estado. Brasília, 2013, p. 16.
[5] SCAFF, Fernado Facury. A inconstitucional unanimidade do Confaz e o surpreendente Convênio 70. Disponível em: &lt;http://www.conjur.com.br&gt;. Acesso em 20 mar. 2015.
[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação popular na Administração Pública. In Revista Trimestral de Direito Público, nº1: 127-139, 2005, p. 138. Alguns exemplos de participação popular: “-participação da comunidade nas ações de seguridade social (art. 194,VII – CF}; -participação dos trabalhadores e empregadores nos órgãos colegiados dos órgãos públicos, para defesa de interesses profissionais ou previdenciários (art. 10 – CF)”. 
[7] DAHL, Robert. Decision making in a democracy: the Supreme Court as a national policy-maker. In Journal of Public Law. 1957, p. 279-295, p. 285.
[8] FERRAJOLI, Luigi. Tradução de Alexandre Araujo de Souza. A democracia através dos direitos: o constitucionalismo garantista como modelo teórico e como projeto político. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 31.
[9] DAHL, Robert. On democracy. Yale: Yale University, 1998, p. 89 es s.
[10] ACKERMAN, Bruce. The new separation of power. In Harvard Law Review, 2000, v. 113, p. 640.

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Além de não combater a guerra fiscal, Conselho está assentado em uma série de procedimentos e regras antidemocráticas

As deficiências democráticas no CONFAZ

Além de não combater a guerra fiscal, Conselho está assentado em uma série de procedimentos e regras antidemocráticas