Rodrigo M. Pereira

A receita de um tributo resulta, via de regra, da multiplicação de sua alíquota pela sua base de incidência. Assim, é possível aumentar uma certa arrecadação elevando a alíquota ou expandindo a base de incidência (ou uma combinação entre ambos). Há aumentos naturais de base de incidência que são consequência do crescimento econômico. Os indivíduos e as empresas pagam mais imposto sobre a renda ao ficarem mais ricos. O consumo aumenta, as importações aumentam, as propriedades se valorizam, e naturalmente arrecada-se mais tributos. Há, entretanto, formas de se expandir artificialmente a base de incidência dos tributos. O Brasil é um país pródigo na utilização dessas expansões artificiais, não raro com a Fazenda atuando na fronteira da legalidade. Isso acaba contribuindo para o nosso imenso volume de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/contencioso-tributario">contencioso tributário</a>, que foi de 16,4% do PIB apenas em nível federal (dado de 2018) contra menos de 1% de mediana nos países da OCDE.
Vejamos, por exemplo, o caso do cálculo por dentro dos <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/icms">ICMSs</a> estaduais. Se uma venda no valor de R$ 100 é tributada a uma alíquota de 20%, a arrecadação do tributo deveria ser de R$ 20, certo? Errado. Um ICMS de 20% numa venda de R$ 100 arrecada no Brasil a quantia de R$ 24. A mágica vem de uma inflação artificial da base de incidência, por meio do conceito de tributação “por dentro”, em que o valor da arrecadação de R$ 20 é acrescido ao valor da venda para se chegar à base de cálculo do imposto. Assim, 20% de R$ 120 são R$ 24. A pergunta óbvia é porque não eliminar essa jabuticaba e simplesmente tributar com a alíquota mais alta de 24%, porém fazendo o cálculo “por fora”? Talvez haja uma percepção generalizada de que um tributo é tão mais palatável ao contribuinte quanto menor for sua alíquota, independente de sua base de incidência. Num mundo com esse tipo de ilusão fiscal, talvez seja possível arrecadar um pouquinho mais, sem que ninguém perceba, sem que os agentes mudem suas decisões de acúmulo de capital físico e humano. É, talvez.
O caso do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pis-pasep">PIS/Pasep</a> e da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/confins">Cofins</a> é ainda mais emblemático. Aqui a criatividade para se expandir a base de incidência foi mais adiante. Se o ICMS está na base de cálculo dele mesmo, porque não incluí-lo também na base de outros tributos, numa espécie de “cálculo por dentro cruzado”? Se as leis do PIS e da Cofins não vedam essa prática, meta-se um ICMS nas suas bases de cálculo. Assim foi feito. As alíquotas do PIS e da Cofins somadas são 9,25% para a maioria dos bens, mas, na prática, com o ICMS na base, arrecada-se o equivalente a uma alíquota em torno de 11%, 12%, a depender do ICMS. Isso porque o ICMS infla artificialmente em torno de 20% a base de cálculo (e a arrecadação) do PIS e da Cofins.
O problema é que o PIS e a Cofins incidem também sobre as importações. E a base de incidência de todos os tributos aplicados sobre as importações, também conhecida como valor aduaneiro, sujeita-se à regulação imposta por dois acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, o GATT e o Acordo de Facilitação do Comércio (AFC). Esses acordos são bem claros quanto ao que pode estar incluído no valor aduaneiro. O valor aduaneiro pode incluir o valor das mercadorias importadas (valor FOB), ou esse valor acrescido dos custos de transporte e seguro (valor CIF). E nada mais. Impostos locais como o ICMS não podem fazer parte do valor aduaneiro. O custo de capatazia, que é o custo da remoção da carga do navio, também não pode fazer parte do valor aduaneiro (embora o fizesse até junho de 2022, mas isso é uma outra história).
Tanto o GATT quanto o AFC já foram há tempos internalizados em nossa legislação, tornando ilegal a inclusão do ICMS ou de qualquer outro imposto no valor aduaneiro. O tema se tornou mais um contencioso tributário, eventualmente chegando ao <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>, que em 2013 determinou a exclusão do ICMS do valor aduaneiro. Para equalizar as condições competitivas entre o produto nacional e a importação, e sobretudo para compensar a perda de arrecadação, o governo Dilma elevou em 2015, via medida provisória, as alíquotas do PIS e da Cofins incidentes sobre as importações. Para a maioria dos bens domésticos o PIS/Cofins incidia com uma alíquota de 9,25% com o ICMS na base de incidência do tributo, e para seus equivalentes importados o PIS/Cofins passou a incidir com uma alíquota de 11,75%, porém sem o ICMS na base.
Essas condições perduraram de 2015 até o dia 12 de janeiro último, quando foi editada a <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2023/Mpv/mpv1159.htm">MP 1159/2023</a> que introduz nas leis do PIS e da Cofins a impossibilidade de inclusão do ICMS nas respectivas bases de cálculo. Acrescenta-se um simples inciso: “§ 3o Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo as receitas: XVIII - referentes ao valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação”. Essa MP é o resultado da famosa <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/tese-do-seculo-entenda-julgamento-icms-base-pis-cofins-07032022">tese do século</a>, que foi ao plenário do STF em maio de 2021, na qual a Corte determinou a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins domésticos.
O PIS/Cofins sobre as importações é um ajuste fiscal de fronteira. Ele tem a função de dar uma igualdade no tratamento tributário dos bens importados e seus similares produzidos domesticamente. Porém, a partir de agora o Brasil está aplicando alíquotas de PIS/Cofins diferenciadas entre produção doméstica e importações, sendo que o ICMS está definitivamente excluído da base de ambos. Na prática, cerca de 21% da arrecadação do PIS/Cofins importação tem hoje o efeito de um imposto de importação, em violação clara ao GATT e ao AFC. Essa ilegalidade do diferencial de alíquotas pode levar o Brasil a ser acusado de protecionismo junto à OMC. Não seria a primeira vez que isso acontece. Em 2016 a OMC nos condenou por um motivo muito parecido: o diferencial de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ipi">IPI</a> automotivo entre marcas com e sem fábrica no Brasil introduzido pelo programa Inovar-Auto.
Há evidentemente algumas alternativas para se resolver o problema. Pode-se reduzir a alíquota do PIS/Cofins importação para 9,25%. A perda de arrecadação nesse caso é de aproximadamente R$ 21 bilhões por ano. O ano de 2022 teria sido um momento particularmente oportuno para se fazer esse movimento por conta do grande choque positivo de arrecadação ocorrido no biênio 21/22. Além de ter um impacto de abertura comercial superior à soma das duas rodadas de desonerações do<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/imposto-de-importacao"> Imposto de Importação</a> de 10% cada promovidas pelo ministro Paulo Guedes. Como assessor do secretário de Política Econômica, eu propus essa desoneração, mas não fui persuasivo o bastante.
A outra alternativa seria aumentar a alíquota do PIS/Cofins doméstico para 11,75%. O ganho de arrecadação nesse caso seria de aproximadamente R$ 67,5 bilhões. Diante da nova realidade de gastos públicos que se afigura com a nova administração, somada à perspectiva de desaceleração da economia e consequente redução de receitas, é no mínimo temerário abrir mão de R$ 21 bilhões de arrecadação de forma permanente. Minha sugestão ao ministro Haddad é que a equalização das alíquotas do PIS/Cofins doméstico e importação seja feita de forma neutra em termos fiscais, sem ganhos e sem perdas de arrecadação. Isso implica a adoção de uma alíquota unificada de PIS/Cofins intermediária, talvez em torno de 10%. A ver.

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JOTA

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