Rafael Alves dos Santos

O Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (ARFMM) se caracteriza como um tributo da espécie Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (CIDE), cujo fundamento constitucional é o art. 149 da Constituição da República, conforme já reconheceu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 177.137.
Feito o enquadramento constitucional do AFRMM, impõe observar que o seu fato gerador é o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro, a teor do disposto no art. 4º da Lei nº 10.893/2004:
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</ul>
“Art. 4o O fato gerador do AFRMM é o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro.”
Em que pese o fato gerador do AFRMM seja a operação de descarregamento, sua base de cálculo é uma grandeza completamente diferente, qual seja, a remuneração do transporte aquaviário, tal como dispõe o art. 6º da Lei nº 10.893/2004:
“Art. 6º O AFRMM será calculado sobre a remuneração do transporte aquaviário, aplicando-se as seguintes alíquotas:
(...)”
Sabe-se, porém, que com o surgimento da Emenda Constitucional nº 33/2001, o art. 149 da Constituição da República passou a prever que as Contribuições por ele tratadas podem ter como base de cálculo somente o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro, taxatividade essa que se extrai até mesmo em razão de o constituinte derivado ter utilizado a palavra tendo, que se classifica como gerúndio do verbo ter. Por oportuno, confira-se a redação do dispositivo:
“Art. 149 - (...)
<ul>
<li>2º - As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (...)</li>
</ul>
III – poderão ter alíquotas:
<ol>
<li>a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (...)”</li>
</ol>
Acerca da taxatividade das bases de incidência possíveis, vale observar que por ocasião do julgamento do RE nº 559.937, o Plenário da Suprema Corte reconheceu que o legislador ordinário está submetido rigorosamente aos ditames do art. 149 da Constituição Federal, não podendo, ao instituir Contribuições que nele se fundamentam, desconsiderar as balizas estabelecidas pela Carta Magna:
“Com o advento da EC 33/01, contudo, a enunciação das bases econômicas a serem tributadas passou a figurar como critério quase que onipresente nas normas de competência relativas a contribuições. Isso porque o § 2º, III, do art. 149 fez com que a possibilidade de instituição de quaisquer contribuições sociais ou interventivas ficasse circunscrita a determinadas bases ou materialidades, fazendo com que o legislador tenha um campo menor de discricionariedade na eleição do fato gerador e da base de cálculo de tais tributos. (...)
Não seria razoável, ainda, interpretar a referência às bases econômicas como meras sugestões de tributação, porquanto não cabe à Constituição sugerir, mas outorgar competências e traçar os seus limites. ”
* * * *
“Ao analisar o comando constitucional, não vejo como interpretar as bases econômicas ali mencionadas como meros pontos de partida para a tributação, porquanto a Constituição, ao outorgar competências tributárias, o faz delineando os seus limites. Ao dispor que as contribuições sociais e interventivas poderão ter alíquotas ‘ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro’, o art. 149, § 2º, III, ‘a’, CF utilizou termos técnicos inequívocos, circunscrevendo a tais bases a respectiva competência tributária.
Portanto, a meu ver, não se sustenta o argumento de que tal dispositivo estaria estabelecendo o valor aduaneiro tão somente como uma base mínima para a tributação. Na verdade, essa norma delimita, por inteiro, a base de cálculo das contribuições sociais a ser adotada nos casos de importação. Trata-se, assim, de comando dirigido ao legislador ordinário que revela a grandeza econômica que pode ser onerada – o valor aduaneiro - quando se verifica o fato jurídico ‘realizar operações de importação de bens’.”
(STF, Pleno, RE nº 559.937, rel. Min. Ellen Gracie, unânime, DJe de 16.10.2013, trechos dos votos da relatora e do Min.Dias Toffoli, respectivamente)
Nesse aspecto também merece transcrição os ensinamentos de Luciano Gomes Filippo e Matias Gabriel Zerbino Chaves<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>:
“Isso porque é inconteste que o constituinte derivado inseriu no art. 149 da CF/1988 as mencionadas bases de cálculo com algum propósito. Entender de mondo contrário, obviamente, vai de encontro com a já consagrada teoria da efetividade das normas constitucional. Dessa forma, qual seria a finalidade da alteração constitucional se o legislador pudesse lhe ignorar, escolhendo a base de cálculo que entendesse melhor? Certamente, não se pode presumir que o Congresso se reuniu para alterar a Constituição – com todas as formalidades que tal ato impõe -, não somente para inserir no Texto algumas ‘sugestões’ de bases de cálculo.
Assim, deve-se concluir que a interpretação que melhor se adapta à Constituição, respeitando, ainda, o labor do Congresso Nacional, aponta para a natureza taxativa das bases de cálculo elencadas na alínea a, do inc. III do § 2º do art. 149. Essa é a interpretação que mais respeita a premissa de que todas as normas constitucionais desempenham uma função útil no ordenamento, sendo vedada a exegese que suprima ou diminua a finalidade da norma constitucional.”
O tema ora proposto guarda similitude com aquele que será apreciado nos Recursos Extraordinários nºs 630.898 e 603.624, ocasião em que será decidido se a base de cálculo das contribuições ao INCRA e ao SEBRAE (folha de pagamento) foi recepcionada pela EC nº 33/2001, que alterou a redação do art. 149, §2º, III, “a”, da Constituição da República.
Aliás, a Procuradoria Geral da República (PGR), por meio de Parecer lavrado nos autos do RE nº 630.898, especificamente em relação à Contribuição ao INCRA, manifestou posicionamento análogo ao sustentado neste artigo.
Tem-se, portanto, que ao empregar os termos faturamento, receita bruta, valor da operação e valor aduaneiro no texto do art. 149, §2º, III, “a”, da Lei Maior, o constituinte derivado impediu o legislador comum, e até mesmo o complementar, de escolher outras grandezas como base de cálculo para as Contribuições, exceto aquelas ressalvadas pela própria Constituição, tal como acontece com as exações que encontram fundamento no art. 195.
No momento em que o constituinte utilizou o termo valor da operação, obviamente fez referência à operação que dá origem ao fato gerador do tributo, pois, do contrário, se o legislador pudesse utilizar como base de cálculo o valor de qualquer operação, a previsão constitucional não faria qualquer sentido.
Ao dissertar sobre base de cálculo, o Professor Paulo de Barros Carvalho<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> ensina que “o espaço de liberdade do legislador, nesse ponto, é vastíssimo, deparando, apenas, o obstáculo lógico de não extrapassar as fronteiras do fato, indo à caça de propriedades estranhas à sua contextura”.
Logo, considerando que o fator gerador do AFRMM é o início efetivo da operação de descarregamento, tal como prevê o art. 4º da Lei nº 10.893/2004, cremos que sua base de cálculo deveria ser o preço pago pelo descarregando das mercadorias, sendo absolutamente inconstitucional a previsão legal de que a base de cálculo seja a remuneração do transporte aquaviário, haja vista a restrição prevista expressamente no art. 149, §2º, III, “a”, da Constituição da República.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> in “Da inconstitucionalidade da CIDE INCRA: análise do art. 149, § 2º, III, A, da CF/1988 e do rol nele previsto”, Revista Tributária e de Finanças Públicas, vol. 104, maio/junho de 2012, p. 59.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> in “Curso de Direito Tributário”, 26ª edição, Saraiva, 2015, p. 320.

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JOTA

A base de cálculo do ARFMM não pode ser a remuneração do transporte aquaviário

A inconstitucionalidade do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante

A base de cálculo do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (ARFMM) não pode ser a remuneração do transporte aquaviário