Julia de Menezes Nogueira

Este é o segundo artigo da série de três em que se apresentam as considerações iniciais do Instituto Brasileiro de Arbitragem e Transação Tributária (IBATT) sobre os anteprojetos de lei complementar e ordinária apresentados em setembro pela Comissão de Juristas do Senado Federal, liderada pela ministra Regina Helena Costa. 
Foram realizadas reuniões técnicas para estudá-los, e as conclusões iniciais obtidas são apresentadas em três artigos. O <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/proposta-para-arbitragem-tributaria-da-comissao-de-juristas-do-senado-parte-1-21112022">primeiro</a>, já publicado, versou sobre as alterações propostas no Código Tributário Nacional e o fundamento constitucional do <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/154741">PL 2486/2022</a>. Apresentamos agora o segundo, sobre as principais características do projeto. O último versará sobre pontos de atenção no texto do PL.
<h3>Principais características do PL 2486/2022<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> </h3>
O PL 2486/2022 dispõe sobre a arbitragem para dirimir controvérsias tributárias, sem restrição à fase processual em que se encontram, podendo ser adotada inclusive para conflitos já instaurados no contencioso administrativo e judicial. Trata-se de importante avanço em relação aos demais projetos em andamento, cujo alcance é extremamente limitado.
O PL 4257/2019 só prevê a solução por arbitragem de conflitos judicializados. Já o PL 4468/2020 somente autoriza a arbitragem para prevenir conflitos latentes, identificados durante a fiscalização, ou para a solução de consultas sobre a interpretação da legislação e quantificação de créditos judiciais do contribuinte.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
O PL 2486/2022 não limita previamente as matérias tributárias arbitráveis. Determina que serão estabelecidas por ato próprio da Fazenda Pública de cada ente federativo. O projeto vai muito bem nesse ponto, avançando em relação à limitação do PL 4468/2020, que só autorizava a solução por arbitragem de conflitos envolvendo matéria “de fato”, o que gerou perplexidade da comunidade jurídica, dado que nenhuma jurisdição prescinde da aplicação da norma ao fato.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
A atribuição à Fazenda Pública do poder de determinar, por ato próprio, o rol de hipóteses em relação às quais os contribuintes podem optar pelo uso de arbitragem é também merecedora de elogios, uma vez que garante a consensualidade mútua essencial à validade do instituto da arbitragem, em qualquer contexto e matéria. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Outra característica observada no PL 2486/2022 é o fato de o projeto não tratar, detidamente, de todas as fases do procedimento arbitral. Nisso, difere do PL 4468/2020, que se apresenta com texto abrangente apto a regular todas as etapas do procedimento arbitral. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
O texto do PL 2486/2022 não trata, por exemplo, do requerimento de arbitragem, da formação do tribunal arbitral e dos procedimentos de escolha e impugnação de árbitros, elementos indispensáveis à prática segura da arbitragem. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Na ausência dessas regras, tais matérias ficariam para ser reguladas pelos atos administrativos ou mediante aplicação subsidiária da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-de-arbitragem">Lei de Arbitragem</a>. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
A nosso ver, algumas matérias não tratadas no PL 2.486/2022 deveriam ser nele inseridas, a fim de que o texto possa oferecer às partes uma normatização o mais completa possível da arbitragem tributária. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
A utilização da Lei de Arbitragem como subsidiária é útil e acertada, avançando em relação ao PL 4468/20, que se utilizava da Lei de Transação. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
<h3>Arbitrabilidade – limites materiais<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[1134],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> </h3>
Ao tratar das matérias passíveis de serem submetidas à arbitragem tributária, o PL 2486/2022 opta por defini-las pela negativa, i.e., não indica, conotativa ou denotativamente, que matérias seriam essas, apenas determina nos §§1º e 2º do artigo 4º que não poderão ser julgadas por arbitragem: 1) controvérsia envolvendo a constitucionalidade de normas jurídicas ou a  discussão sobre lei em tese e 2) sentença arbitral cujos efeitos prospectivos resultem, direta ou indiretamente, em regime especial diferenciado ou individual de tributação.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Merece reflexão a vedação peremptória à utilização da arbitragem para dirimir disputas que envolvam constitucionalidade. A nosso ver, essa é uma redução excessiva ao escopo do instituto, em especial na esfera tributária, na qual grande parte das questões tangencia matéria constitucional.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Lembramos que as matérias a serem submetidas a arbitragem, no âmbito do PL 2486/2022 serão previamente escolhidas por ato da Fazenda Pública. Assim, não existe o risco de ser imposto unilateralmente, pelo contribuinte, o julgamento arbitral de matéria – constitucional ou não – que a Fazenda Pública entenda inadequado julgar por tal método.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Sendo assim, não deveria haver qualquer limitação prévia, na lei, sobre as matérias passíveis de julgamento por arbitragem. Tampouco há óbice técnico à submissão de conflito envolvendo matéria constitucional à arbitragem, desde que no âmbito do controle difuso, pois só o concentrado é reservado ao STF.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Estamos com Tathiane Piscitelli, Andrea Mascitto e André Luiz Fonseca Fernandes, quando afirmam que “se um órgão julgador de primeira instância do Poder Judiciário, um juiz de fato e de direito da causa -- tal como o árbitro --, pode afastar a aplicação de ato normativo por entendê-lo incompatível com a Constituição, a mesma competência poderia ser reconhecida ao árbitro no bojo da arbitragem do PL em causa. Isso conferiria coerência ao sistema arbitral nele previsto, evitaria o enfraquecimento da tutela jurisdicional arbitral e acentuaria sua eficácia na prevenção de litígios tributários”.[1] <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
O mesmo raciocínio se aplica à vedação de “discussão sobre lei em tese” e à “prolação de sentença arbitral cujos efeitos prospectivos resultem, direta ou indiretamente, em regime especial diferenciado ou individual de tributação”.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Quanto à discussão de lei em tese, se identificada na arbitragem, deverá conduzir ao reconhecimento da falta de interesse de agir da parte, pela ausência de conflito efetivo no caso concreto. Não deve estar vedada previamente em lei, uma vez que tal previsão pode criar contencioso judicial indesejável em discussões específicas.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
Já com relação à vedação de que a sentença resulte em “regime especial diferenciado ou individual de tributação”, também nos parece descabida, pois na esfera tributária toda sentença judicial de algum modo atribui ao sujeito passivo um tratamento diferenciado em relação a outros que não levaram a Juízo a mesma discussão. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
<h3>Observância aos precedentes vinculantes dos tribunais superiores<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[1134],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> </h3>
Por outro lado, vai muito bem o PL quando determina que a sentença arbitral deve respeitar os precedentes reiterados e vinculantes dos tribunais superiores, sob pena de nulidade. 
Estabelece que a arbitragem tributária deve ser decidida com base na lei brasileira, devendo ser observados os precedentes vinculantes de tribunais superiores, que assumem a natureza de normas jurídicas do ordenamento. 
Acrescenta ainda ser “nula a sentença arbitral se: (...) X – proferida em contrariedade a precedente qualificado de que trata o artigo 927 da Lei nº 13.105, de 2015. <span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
É acertada tal vinculação, pois esses precedentes compõem o ordenamento jurídico como as demais normas do sistema. Ademais, conforme já mencionado, na esfera tributária, considerando que grande parte das controvérsias é decidida em última instância judicial pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, a jurisprudência reiterada desses tribunais assume importância ainda maior na conformação do sistema aplicável. Por isso, inevitável determinar sua aplicabilidade nos julgamentos arbitrais, sob pena de nulidade, como acertadamente previsto pelo PL 2.486/2022.<span data-ccp-props="{&quot;201341983&quot;:0,&quot;335551550&quot;:6,&quot;335551620&quot;:6,&quot;335559731&quot;:1134,&quot;335559738&quot;:120,&quot;335559739&quot;:0,&quot;335559740&quot;:259,&quot;469777462&quot;:[2415],&quot;469777927&quot;:[0],&quot;469777928&quot;:[1]}"> 
No terceiro e último artigo desta série, trataremos de alguns pontos de atenção no PL nº 2.486/2022 que entendemos importante analisar.
<hr />
[1] In “Um Olhar para a arbitragem tributária: Comparativo das Propostas no Senado Federal, Provocações e Sugestões” - <a href="https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/1861/1621">https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/1861/1621</a>.

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JOTA

As principais características do PL 2486/2022

Proposta para arbitragem tributária da Comissão de Juristas do Senado &#8211; Parte 2

Proposta para arbitragem tributária da Comissão de Juristas do Senado - Parte 2

A arbitragem tributária deve ser decidida com base na lei brasileira, devendo ser observados os precedentes vinculantes