Leonardo Cotta Pereira

Ihury Darmont

Em 27 de fevereiro de 2020, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgou o Ofício-Circular nº 4/20202/CVM/SIN para esclarecer, dentre outras disposições, as regras acerca da aquisição de ativos no exterior, em processo de oferta pública em outras jurisdições, por fundos de investimento regulados pela Instrução CVM nº 555 (ICVM 555).
Neste sentido, a CVM esclareceu – pela ótica de sua área técnica – que os fundos de investimento regulados pela ICVM 555 podem realizar a aquisição de ativos no exterior em processo de oferta pública em outras jurisdições, ressaltando, ainda, que estes podem participar também durante o período de Bookbuilding.
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Além disso, restou esclarecido no Ofício-Circular que tal permissão pode ser interpretada de forma positiva também nos casos em que os fundos de investimento foram especialmente estruturados para investimentos em ativos no exterior em processo de oferta pública.
Com efeito, em um cenário de macro estabilidade e expectativa de manutenção dos juros básicos da economia em patamares historicamente baixos, surge cada vez mais a necessidade da atuação da CVM e das demais entidades, públicas e privadas, de regulação e autorregulação do mercado de empreender – como no presente caso – uma postura de abertura do mercado financeiro brasileiro, com a possibilitação da criação de novos produtos financeiros atrativos e seguros aos investidores nacionais.
Com efeito, em um ambiente de SELIC reduzida e de repetição deste fenômeno por quase todas as grandes economias mundiais, torna-se necessário e obrigatório o estímulo a criação de novos produtos financeiros e de maior exposição a ativos de jurisdições diferentes, como estratégia de otimização e de proteção patrimonial.
Portanto, denotando a preocupação da Autarquia com a manutenção do eterno paradoxo de mercado entre segurança e rentabilidade, esta aproveitou o Ofício-Circular para determinar, especialmente no caso mencionado acima, as regras de cunho informacional, relativos, precipuamente a publicidade dos produtos para captação dos investidores nacionais, para que assim se evite a estruturação de veículos financeiros que acabem por confundir o investidor.
Dessa forma, restou determinado pela Autarquia que o material publicitário destes veículos de investimento devem deixar claro que: (i) a eventual participação dos investidores na oferta se dará por meio de um veículo (o fundo de investimento), de modo que seus cotistas não serão acionistas da companhia investida pelo fundo para quaisquer efeitos; (ii) o desempenho do fundo poderá não corresponder ao desempenho das ações ou outros ativos financeiros de emissão da companhia investida em razão de diversos fatores, tais como os custos associados à manutenção do fundo (taxa de administração, custódia, auditoria independente, dentre outros encargos ou despesas) ou estratégias associadas à gestão da carteira do fundo (hedge cambial, níveis de exposição máxima aplicáveis àquele emissor, dentre outros).
Assim, eventuais oscilações de preço das ações ou demais ativos financeiros de emissão da companhia investida poderão afetar a rentabilidade do fundo de diferentes formas; e (iii) não há garantia de que o fundo efetivamente participará da oferta pública, em razão do diferente conjunto de regras que podem reger as ofertas públicas a depender da jurisdição envolvida (por exemplo, critérios na alocação discricionária, dinâmica de rateio, eventuais limitações do público alvo que pode acessar a oferta), e, pela mesma razão, o fundo poderá ser obrigado a efetuar a compra das ações ou demais ativos financeiros objeto da oferta pública em diferentes condições, que também podem impactar a rentabilidade do fundo.
As premissas estabelecidas pela CVM no Ofício-Circular são imprescindíveis para o desenvolvimento regular do mercado financeiro brasileiro. De fato, deve-se buscar cada vez mais conceder acesso aos investidores nacionais de produtos financeiros com exposição a ativos estrangeiros, não somente por questões de diversificação de portfólio, repise-se – o que é extremamente positivo ao investidor nacional – mas também pela possibilidade de otimização e segurança do portfólio com estratégias de hedge.
Nesse ponto, não há como em um cenário econômico mundial em que cada vez mais se percebe correlação dos efeitos externos na economia brasileira, para deixar de conceder a possibilidade dos investidores nacionais de se protegerem dos efeitos econômicos globais em jurisdições diferentes, seja por estratégia de otimização ou de proteção geral do portfólio de investimentos com a exposição ativos no exterior.
Inclusive, esta é a postura que a própria CVM vem adotando ao longo dos últimos anos, com a flexibilização contínua dos requisitos de acesso a investimentos em ativos no exterior, como, por exemplo, a Audiência Pública 08/2019, em que se busca editar uma nova norma com a democratização e diversificação dos lastros dos Brazilian Depositary Receipts (BDRs), alterando, assim, a sistemática que impede o investidor comum de acessar os BDRs e criando um ambiente novo de criação de novos produtos financeiros com os BDRs, como, por exemplo, com os BDRs lastreados em cotas de fundos de índice negociados no exterior e os BDRs com lastro em valores mobiliários diferente de ações.
Não obstante, conforme acima ressaltado, a CVM acerta na edição do Ofício-Circular ao realizar a permissão de investimento, de forma cautelosa. Ou seja, aproveita-se para liberar o investimento, mas ao mesmo tempo, impõem-se condições – em nossa percepção adequadas – relacionadas, precipuamente, com a qualidade das informações dos fundos de investimento e na prevenção da publicidade enganosa.
<blockquote class="jota-article__eye">Nesse ponto, uma das maiores preocupações da Autarquia com a edição deste Ofício-Circular é o de impor a obrigação aos administradores e gestores dos fundos de investimento de deixar claro o risco do investimento com ativos no exterior.</blockquote>
Com efeito, uma das ressalvas que juridicamente são mais relevantes para o desenvolvimento destes produtos no mercado financeiro brasileiro de forma regular, é a de que o investidor deve estar ciente de que o investimento em ativos no exterior de forma indireta, ou seja, por intermédio de um fundo de investimento nacional, não concede ao mesmo o direito potestativo de participar diretamente da oferta pública de ações, por exemplo, de uma empresa de capital aberto estrangeira que componha o objetivo singular ou representativo da constituição de determinado fundo de investimento, na medida em que o sucesso da entrada na oferta pública estará sempre sob condição suspensiva do cumprimento da legislação estrangeira, sem influência ou proteção por parte da CVM.
Além disso, sob a mesma perspectiva, é necessário que o investidor seja formalmente cientificado pelo administrador do fundo de investimento que nem os direitos geralmente atrelados aos acionistas pela legislação brasileira serão atribuídos ao investidor por este investimento indireto, sendo que, na qualidade de cotista de um fundo nacional com exposição externa, este apenas goza dos direitos concedidos pela jurisdição do investimento alvo, sem qualquer respaldo das entidades de controle do mercado financeiro e de capitais brasileiro.
Dessa forma, a determinação de regras informacionais determinada pela CVM no Ofício-Circular é essencial para a proteção ao investidor, que ao acessar um novo produto financeiro, ou, até mesmo, quando de um investimento já conhecido, mas com riscos peculiares, serve como uma orientação geral coercitiva ao administrador do fundo de investimento, o qual, caso descumpra, será, certamente, enquadrado na violação ao dever de diligência do inciso I, do artigo 92 da ICVM 555.
Em conclusão, o Ofício-Circular nº 4/20202/CVM/SIN surge como uma medida positiva e proativa da CVM na regulação e estímulo do mercado, atendendo a crescente necessidade de diversificação de investimentos pelos investidores nacionais com a exposição a ativos financeiro no exterior, que é um ponto primordial à manutenção saudável do paradoxo rentabilidade e segurança do portfólio de investimento.
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<a href="http://www.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/sin/oc-sin-0420.html">http://www.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/sin/oc-sin-0420.html</a> <a href="http://www.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2019/sdm0819.html">http://www.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2019/sdm0819.html</a>

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JOTA

Necessidade de cautela com ativos estrangeiros por fundos, de acordo com o Ofício-Circular nº 4/2020

Aquisição indireta de ativos no exterior em oferta pública

Necessidade de cautela com ativos estrangeiros por fundos, de acordo com o Ofício-Circular nº 4/2020