Ana Paula Bez Batti

Thiago Augusto Bueno

Criptoativos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> são uma realidade inescapável aos operadores do Direito. Suas particularidades exigem estudo específico das autoridades estatais que atuam no enfrentamento da criminalidade, uma vez que, se não minimamente compreendidas, há o risco de frustração de investigações e do fracasso de medidas de bloqueio de ativos, recuperação de patrimônio e reparação de danos.
Os criptoativos são armazenados em carteiras digitais (wallets), aplicações que permitem o registro das movimentações de débito e crédito de cada usuário, mediante o uso de criptografia (CASEY; VIGNA, 2015). A criptografia serve para garantir a segurança e a autenticidade das transações<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Assim, a realização das operações exige a utilização de duas chaves, uma privada e outra pública. 
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>É através da chave privada que se autoriza a transferência dos valores de uma carteira para outra, sendo disposta somente a seu titular, funcionando como uma espécie de senha necessária para autorizar a transferência dos valores a partir da wallet. A chave privada é irrecuperável e, caso o usuário não tenha mais acesso a ela (por esquecimento, por exemplo), nunca mais movimentará os criptoativos nela armazenados.
Os usuários de criptoativos podem manter suas wallets vinculadas a alguma correta virtual de criptoativos (exchange). As exchanges são instituições que se prestam, basicamente, a dois propósitos: compra e venda de criptoativos e custódia de seus valores em wallets por ela administradas. No plano interno, a Receita Federal define exchanges, no art. 5º, II, da Instrução Normativa nº 1.888/2019.
Apreensão de criptoativos armazenados em exchanges
Devido às peculiaridades dos criptoativos, pode ser um desafio sua apreensão quando comparada às propriedades tangíveis. A operacionalização da indisponibilidade de criptoativos é uma etapa que, se não contar com planejamento e capacitação dos agentes públicos envolvidos, pode levar à frustração da apreensão.
É importante que as autoridades tenham em mente as características das wallets dos criptoativos. Seu armazenamento pode ser feito em diferentes tipos de dispositivos, on-line ou off-line e, dependendo do software ou do hardware de armazenamento, contam com acesso vinculado à duplo fator de autenticação e backup, através de um conjunto de palavras pré-cadastrados.
Desta maneira, ainda que a autoridade competente determine a apreensão dos dispositivos eletrônicos do investigado, nada impede que o alvo da medida constritiva, utilizando mecanismos como backups ou, ainda, possuindo uma cópia da chave privada, efetue a transferência dos criptoativos a partir de outro dispositivo eletrônico.
Por essa razão, a apreensão física de um computador ou de um smartphone, por exemplo, não impede o acesso remoto a uma wallet e a consequente transferência dos valores nela depositados. Isso porque o acesso aos criptoativos, permitindo sua transferência para uma carteira de custódia e/ou titularidade da Administração Pública, é feito através de uma chave privada. A custódia dessa chave privada pode estar com o investigado (ou qualquer pessoa física vinculada a ele) ou com alguma exchange.
Havendo indícios de movimentações com criptoativos, é mister diligenciar para buscar eventuais valores depositados junto às exchanges. Para tanto, a citada Instrução Normativa nº 1.888/2019 da Receita Federal, prevê que as exchanges domiciliadas no país têm a obrigação de informar ao órgão as operações por ela realizadas. Inclusive, a Receita Federal tem divulgado os números consolidados dessas declarações em seu site, demonstrando grande volume dos valores envolvidos<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Dessa forma, mediante autorização judicial, deve a Receita Federal informar o registro de operações com criptoativos vinculado a determinado investigado.
<blockquote class="jota-article__eye">Considerando que as exchanges mantém a guarda das chaves privadas das wallets por elas custodiadas, é perfeitamente exigível dessas instituições o cumprimento de ordens judiciais que impeçam transferências de valores de determinados investigados, tal como usualmente ocorre com instituições bancárias que tenham recebido ordens judiciais de bloqueio de valores de seus correntistas.</blockquote>
Apreensão de criptoativos armazenados em wallets em posse do investigado
Além das wallets custodiadas nas exchanges, o investigado pode armazenar valores de criptoativos em uma wallet sob seus próprios cuidados. Neste caso, o sucesso da apreensão depende do acesso às chaves privadas das wallets do investigado.
Para tanto, é imprescindível autorização judicial para apreensão de todos os dispositivos eletrônicos encontrados no local da busca e do acesso, no próprio local, dos dispositivos eletrônicos e de armazenamento, dos e-mails e dos telefones vinculados, de modo a se proteger de situações de uso do duplo fator de autenticação.
Ademais, dada a possibilidade do acesso remoto da wallet, é determinante que seja autorizada a imediata transferência dos ativos para uma carteira que esteja sob controle da administração, ainda que administrada por exchange.
É importante ter em mente que as carteiras de criptoativos podem assumir muitos formatos, configurações e alternativas de recuperação de conta, mesmo depois de as autoridades terem apreendido o dispositivo eletrônico do investigado. Assim, localizada a chave privada que dá acesso aos criptoativos, o agente público deverá efetuar a imediata transferência para a wallet definida na etapa de pré-apreensão.
Alienação judicial de criptoativos
Efetuada a transferência dos criptoativos, é momento de proceder à sua alienação, de modo que haja sua conversão em moeda soberana. Para tanto, podem ser adotados diversos caminhos. Uma primeira medida a ser escolhida é a realização de leilão pela Administração Pública. A vantagem desta opção é que o conjunto de chaves e a custódia dos criptoativos permanecem o tempo todo sob responsabilidade da Administração, minimizando-se o risco de ataques e desvio dos valores.
Outra possibilidade é a realização de oferta pública através de uma exchange. Neste caso, os valores da apreensão serão transferidos de uma carteira sob custódia da Administração Pública para uma wallet custodiada pela exchange. Assim, a Administração irá receber, em um primeiro momento, os criptoativos apreendidos, gerenciando o conjunto de chaves e códigos de recuperação de uma wallet. Após, deve ser providenciada a transferência dos criptoativos para uma exchange, que será responsável por operacionalizar a liquidação.
A gestão dos ativos, em quaisquer das hipóteses, deve considerar todos os aspectos da custódia, como avaliação, registro e segurança. A nomeação de um “gestor de ativos especializado”, que terá como responsabilidade registrar o estoque dos ativos virtuais em planilhas, numa espécie de inventário, revela importante papel para além da custódia e do aspecto meramente econômico.
<blockquote class="jota-article__eye">Ademais, de se considerar que as exchanges são instituições dedicadas à execução desta modalidade de serviço, de modo que detém a expertise necessária para tanto, algo que nem sempre se encontrará na Administração Pública.</blockquote>
Outra discussão que se mostra muito relevante é o momento adequado para a alienação dos criptoativos, uma vez que é notária a alta volatividade de suas cotações<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>. Assim, considerando que, em questão de dias, o valor dos criptoativos pode variar imensamente, de se indagar se a alienação deve ser feita desde logo seja realizada a apreensão, revertendo-se seu produto (valor em moeda soberana convertida), em depósito em instituição bancária oficial, ou se seria mais prudente manter a apreensão do criptoativo em sua própria essência, como valor custodiado em uma wallet.
Nesse ponto entendemos que, sobrepondo-se aos fatores econômicos, a segurança da custódia dos criptoativos apreendidos aponta pela necessidade de sua mais ágil conversão em moeda soberana, de modo a se mitigar os riscos de indevidas movimentações, providenciando-se o depósito de seu montante, em reais, sob administração de uma instituição bancária oficial.
Dotados de características específicas que merecem especial atenção dos operadores do Direito, os criptoativos são elementos presentes em nossa realidade com caráter de perenidade. Longe de serem uma efêmera aventura tecnológica, o emprego desses instrumentos de transferência de valores tem impactado nossas vidas. O sucesso do lançamento do bitcoin em 2008, reforçado pela estimativa da existência, em abril de 2021, de quase 5.000 diferentes criptoativos<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>, comprova a necessidade da correta compreensão desse contexto.
Medidas judiciais de apreensão e alienação de ativos ilicitamente amealhados são indispensáveis para a reparação dos danos causados pelas infrações criminais e para a dissuasão de práticas ilícitas. Em se tratando de atos ilícitos envolvendo movimentação de criptoativos, é preciso compreender as especificidades dessas tecnologias para assegurar o sucesso da efetivação de instrumentos do sistema de justiça.
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}, 3000);
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<hr />

BUENO, Thiago Augusto. Bitcoin e Crimes de Lavagem de Dinheiro. Editora Contemplar. 2020.
CASEY, Michael, J. VIGNA, Paul. “The Age of Cryptocurrency: How Bitcoin and Digital Money Are Challenging the Global Economic Order”. E-book edition. 2015.
RECEITA FEDERAL. Instrução Normativa nº 1.888, de 03.05.2019. Disponível em <a href="http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&amp;idAto=100592">http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&amp;idAto=100592</a>
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Será utilizada a nomenclatura criptoativos em prestígio ao denominação utilizada pela Instrução Normativa nº 1.888/2019 da Receita Federal, diploma que originalmente tratou do tema no plano normativo pátrio, que traz a definição de criptoativo em seu art. 5º, I. <a href="http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&amp;idAto=100592#:~:text=IN%20RFB%20N%C2%BA%201888%20%2D%202019&amp;text=Institui%20e%20disciplina%20a%20obrigatoriedade,Federal%20do%20Brasil%20(RFB)">http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&amp;idAto=100592#:~:text=IN%20RFB%20N%C2%BA%201888%20%2D%202019&amp;text=Institui%20e%20disciplina%20a%20obrigatoriedade,Federal%20do%20Brasil%20(RFB)</a>.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> No trabalho “Bitcoin e crimes de lavagem de dinheiro” (BUENO, Thiago Augusto. Editora Contemplar. 2020), um dos coautores deste artigo examinou com maior profundidade o tema.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Em fevereiro de 2021, por exemplo, o valor total de operações declaradas pelas exchanges domiciliadas no Brasil foi de R$ 13.285.900.000,00. Disponível em <a href="https://receita.economia.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e-demonstrativos/criptoativos/criptoativos-dados-abertos.pdf">https://receita.economia.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e-demonstrativos/criptoativos/criptoativos-dados-abertos.pdf</a>.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Exemplificando, em 25.04.2021 o bitcoin foi comercializado ao valor de $ 48.001,00 dólares americanos, sendo que, dois dias depois, atingiu o valor de $ 55.363,00 dólares americanos. Disponível em <a href="https://coinmarketcap.com/currencies/bitcoin/">https://coinmarketcap.com/currencies/bitcoin/</a>
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Disponível em <a href="https://coinmarketcap.com/">https://coinmarketcap.com/</a>.

criptoativos

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JOTA

Devido às peculiaridades dos criptoativos, pode ser um desafio sua apreensão quando comparada às propriedades tangíveis

Apreensão e alienação judiciais de criptoativos

Devido às peculiaridades dos criptoativos, pode ser um desafio sua apreensão quando comparada às propriedades tangíveis