Tiago Moreira Vieira Rocha

André Torres

Geraldo Djehdian Neto

Há muito tempo se discute a aplicabilidade da limitação contida nos artigos 15 e 16 da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9065.htm">Lei 9.065/95</a>, que estabelecem o limite de 30% para a compensação de prejuízos fiscais e <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/irpj">IRPJ</a> e de bases de cálculo negativas de <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/csll-o-que-e-20082021">CSLL</a> às hipóteses específicas de sociedades extintas, como, por exemplo, nos casos de incorporação.
Em 27 de junho de 2019, ao tratar dessa restrição de forma geral e em julgamento sob a sistemática de repercussão geral, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">Supremo Tribunal Federal</a> (STF) fixou tese pela constitucionalidade da limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas de CSL a 30% do lucro tributável do respectivo ano-base (RE 591.340 - Tema 117 da Repercussão Geral). Na ocasião, constou expressamente do voto condutor do acórdão que a hipótese específica das sociedades extintas não estava sendo examinada, tendo a questão, inclusive, sido referida em diversos votos de ministros que, quanto ao ponto, manifestaram a tendência de reconhecimento da inconstitucionalidade.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Desde então, todavia, o Poder Judiciário não avançou em relação ao reconhecimento da possibilidade de afastar a limitação de 30% nos casos de extinção da pessoa jurídica.
Em 23 de junho de 2020, no Recurso Especial 1.805.925/SP, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu pela impossibilidade de se afastar a limitação de 30% do lucro real por ano-calendário, mesmo nas hipóteses de extinção da pessoa jurídica, sob o fundamento de que não haveria previsão legal para que os prejuízos fiscais de IRPJ e as bases de cálculo negativas de CSLL fossem compensados sem qualquer limitação. Apontou-se, na ocasião, que o Judiciário não poderia substituir o legislador para, fazendo uma interpretação extensiva da legislação tributária, ampliar a fruição do que entende ser um benefício fiscal.
O aludido julgado foi reproduzido pela 2ª Turma do tribunal sob o mesmo racional. Em 5 de outubro de 2021, indo além, o colegiado concluiu, ainda, que a empresa futuramente sucessora fazer uso do prejuízo fiscal da sucedida a ser futuramente extinta seria um procedimento que resultaria em uma burla das normas legais que preveem a limitação e, portanto, consistiria em planejamento tributário abusivo, caracterizando violação indireta à lei mediante fraude.
Nessa oportunidade, concluiu-se que o conjunto normativo que impõe a limitação de 30% “produz norma antielisiva para reduzir os incentivos a que as empresas passem a fabricar prejuízos fiscais a fim de serem adquiridos no mercado mediante incorporação por outras (normalmente estando todas sob mesma orientação dentro de um grupo econômico de fato ou mesma consultoria tributária) com o propósito único de reduzir o IRPJ e a CSLL devidos (ausência de propósito negocial)”. 
Assim, concluiu que “a limitação de compensação prevista nos arts. 42 e 58, da Lei 8.981/95, e nos arts. 15 e 16, a Lei 9.065/95, não tem por pressuposto a continuidade da pessoa jurídica”, sendo que “para as normas é indiferente se as pessoas jurídicas irão, ou não, ser extintas”.
No âmbito do STF, após a conclusão do julgamento do Tema 117 (sobre a constitucionalidade da limitação em 30% de modo geral), algumas decisões vêm sendo proferidas no sentido do não conhecimento dos recursos extraordinários que chegam ao tribunal, sob o fundamento de que a questão específica da extinção da pessoa jurídica teria natureza infraconstitucional. Buscam os contribuintes, atualmente, resgatar as ponderações feitas pelos ministros naquele julgado, em obter dictum, relativas às hipóteses de extinção, para reverter esse quadro.
Ocorre que, em paralelo a esse cenário desfavorável à tese dos contribuintes no Judiciário, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/carf">Carf</a>) vem avançando em sentido diverso. Em 13 de julho de 2022, analisando especificamente as hipóteses envolvendo sociedades incorporadas, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, por maioria de votos, acolheu a tese do contribuinte para reconhecer que “o prejuízo fiscal apurado poderá ser compensado integralmente com o lucro real no encerramento das atividades da empresa” (Processo Administrativo nº 19515.005446/2009-03).
Vale destacar que o próprio voto do conselheiro relator Alexandre Evaristo Pinto reconheceu que o julgamento do RE 591.340, em sede de repercussão geral, que fixou tese pela constitucionalidade da trava de 30%, não se aplica às hipóteses nas quais há extinção da pessoa jurídica – além de que a restrição somente se destina às pessoas jurídicas em pleno exercício de suas atividades, pressupondo a sua continuidade.
De acordo com o entendimento manifestado, a aplicação da limitação de 30% aos casos de contribuintes extintos por incorporação acabaria por ensejar “tributação sobre o patrimônio, e não sobre a renda auferida”. Segundo prevaleceu, a norma que dispõe sobre essa restrição “parte do princípio de que a pessoa jurídica irá continuar, ou seja, não há proibição, nem mesmo autorização para que a compensação seja feita integralmente em casos de extinção da pessoa jurídica”.
O mesmo entendimento também foi adotado pela 1ª Turma da CSRF em outubro deste ano, nos autos do Processo Administrativo 19515.005447/2009-40. Na ocasião, após a aplicação da regra de desempate a favor do contribuinte, a CSRF afastou a limitação de 30% para a compensação de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSL no caso de pessoa jurídica extinta por incorporação.
Essa alteração de cenário no âmbito do Carf pode e deve ser observada pelo Poder Judiciário, mormente no que diz respeito ao argumento de que não haveria previsão legal para se afastar a limitação de 30% na compensação de prejuízos fiscais de IRPJ e de bases negativas de CSLL.
Ora, sendo certo que, na esfera administrativa, os julgadores estão adstritos ao princípio da legalidade e não podem afastar a incidência de lei, o reconhecimento da inaplicabilidade da limitação às hipóteses de extinção da pessoa jurídica pela Câmara Superior de Recursos Fiscais revela que, contrariamente à posição atualmente vigente no Judiciário, não exige o afastamento das normas legais que regem o tema, mas decorrem de interpretação teleológica e razoável da lei.
Espera-se que, após o posicionamento adotado pelo Carf, a questão venha a ser revisitada pelo Poder Judiciário.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Colhe-se do voto do ministro Luiz Fux, por exemplo: “In casu, a legislação atacada preserva o conceito constitucional de renda, ao permitir a dedução dos prejuízos da base de cálculo negativa. Eventual violação surgiria – isso que é importante – se o exercício desse direito fosse condicionado de modo a tornar sua fruição tecnicamente impossível ou desproporcional ou custosa, o que seria impossível no caso de extinção da pessoa jurídica”.

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JOTA

Alteração de cenário no âmbito do Carf pode e deve ser observada pelo Poder Judiciário

Aplicabilidade da trava de 30% no caso de sociedade incorporada

Alteração de cenário no âmbito do Carf no caso da trava de 30% pode e deve ser observada pelo Poder Judiciário