Marco Antonio C. Sabino

Os intermediários de aplicação que exploram redes sociais ou serviços de mensageria vivem tempos difíceis. Todos apontam dedos a eles acusando-os dos males do Brasil.  
O Legislativo prefere o desbotado <a href="https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2256735">PL 2630</a>, que, com o passar do tempo, manteve a anacrônica alcunha de PL das Fake News (spoiler: tal projeto parece tratar de tudo, menos de fake news). O Executivo equipa suas burocráticas instâncias criando órgãos: a Secretaria de Combate à Desinformação e ao Discurso de Ódio da Secom, a Procuradoria de Combate à Desinformação da AGU, ministros e presidente clamando pela “regulação da internet”, mesmo havendo o Marco Civil da Internet e todas as demais normas, como a Constituição, que regulam essa mídia – quando é mídia.
Por fim, o Judiciário coloca na mesa os Temas 533 e 987 em Repercussão Geral para avaliar a responsabilidade das denominadas plataformas. Isso sem contar as manifestações públicas dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) endossando o coro dos outros Poderes. E ainda tem o 8 de janeiro.
É. Não está fácil. 
Não havia momento mais difícil para os intermediários do que o de agora. Isso me lembra, potencialmente, aquele réu de crime de morte tão divulgado na imprensa que já entra condenado no plenário do júri. Será possível pedir desaforamento dos Temas 533 e 987 (isso é uma brincadeira, é claro que não)?  
Uma audiência pública está prevista para a próxima terça-feira (28/3). Estou curioso para saber como será composta a lista, dado que, na habitação, o STF perguntou que posição o postulante a orador defenderia. Curioso que não entendo que este é um jogo de tudo-ou-nada ou, porque gosto de TV, “zero-ou-um”. Entendo, antes, que existem algumas nuances e um grande risco de o remédio matar o paciente.
Há o discurso de que o artigo 19 do Marco Civil da Internet é anacrônico, e que o 8 de janeiro teria evidenciado isso. Esse argumento, entendo, peca por algumas razões. A primeira é despejar toda a culpa da nefasta tentativa de golpe ocorrida em Brasília no início deste ano nas costas das redes sociais. Nada de mais equivocado.  
Esse argumento ignora os milhões de conteúdos inapropriados removidos preventivamente pelos intermediários todos os dias. Ignora, também, os esforços dos intermediários em melhorar suas regras e padrões de moderação de conteúdo, inclusive com o apoio de tecnologia. Esquece, ademais, a dificuldade em se determinar se determinado conteúdo é impróprio (especialmente pelo risco de censura). Por fim, pretende imputar a responsabilidade ao mensageiro, não à mensagem. 
Ne nutium necare. Dario III descontou sua raiva no mensageiro que noticiava a derrota dos exércitos persas para Alexandre, o Grande e matou-o. Evidentemente que isso não atingia em nada a vitória do aludido imperador. Imagine se a atual redação do artigo 19 do <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/marco-civil-internet">Marco Civil da Internet</a> for, de fato, anacrônica ou admitir interpretação conforme para responsabilizar diretamente as redes sociais, sob pena de sanções. O que farão esses intermediários? Ora, serão bem mais conservadores, não pretenderão enterrar rios de dinheiro em defesas inglórias, antes, preferirão deixar-se dominar pelo nefasto chilling effect e, diante do menor indício que um adolescente esteja manifestando uma ideologia odiosa, removerá esse conteúdo. Alguma dúvida?  
É melhor não esperar para ver. Quando se trata de liberdade de expressão, não há apostas que podem ser feitas. Alguém dirá que discurso de ódio não é protegido pela liberdade de expressão. Mas o que, afinal, cabe na qualificação de discurso de ódio? E, afinal, antes do discurso está o ódio, esse, sim, o problema real – e que, com todo o respeito, não pode ser resolvido na base da canetada, da norma jurídica conceitual ou em grupos de trabalho ou órgãos burocráticos. 
Mas ainda me incomoda a adução da velhice do atual regime do artigo 19 do Marco Civil da Internet. É que, na história, o tratamento da responsabilidade civil pouco mudou desde o momento em que foi criado, há milênios. A última grande mudança foi o advento da responsabilização objetiva, cabível em virtude da massificação das relações humanas. Não são dez ou 20 anos que jogam um regime de responsabilidade civil na vala do desuso. O regime do artigo 19 parece perfeitamente aplicável hoje. De fato, mesmo no 8 de janeiro, pessoas foram presas e estão sendo processadas, inclusive e especialmente identificadas por meio de material veiculado nas redes sociais.  
Vamos colocar toneladas nas costas dos mensageiros responsabilizando-os diretamente por discursos de terceiros ou vamos deixar que eles envidem seus melhores esforços para controlar discursos odiosos (não sem serem acusados de censura; esse pessoal, de fato, não tem via fácil)? 
Fui ensinado que o veículo não pode ser responsabilizado por publicidade clandestina, enganosa ou abusiva. Se fosse, cada veículo teria que ter especialistas muito bem-preparados nos mais variados assuntos objeto de anúncios: alimentos, varejo, carros, perfumes, vestuário, bebidas, bancos e uma infinidade de outros. Isso teria finalidade duvidosa, seria faticamente impossível e possivelmente contraproducente. Seria melhor por vezes não aceitar o anúncio a correr o risco de responsabilização. 
A mesma coisa ocorre com as redes sociais. São veículos (mas não de comunicação social, como já tive a oportunidade de escrever) e estão sendo responsabilizados pelos conteúdos de terceiros. Aqui, com o devido respeito, não cabe o argumento “se veiculam conteúdo de terceiros e ganham dinheiro com isso, devem ser responsabilizados”, porque ele ignora o fato de que as redes sociais podem ser a nova arena pública de Habermas ou a Torre de Babel de Meiklejohn, dando voz aos que, por outros meios, jamais seriam ouvidos (isso quanto a pessoas ou teses, visões de mundo e ideologias).  
Cuidado para que as redes sociais não fiquem pasteurizadas e se tornem um lugar em que as pessoas só mostrem o quão maravilhosas elas são ou um balcão de anúncios. Não tirem das redes sociais o brilho que têm. Cuidado para que, impondo-lhe custo demasiadamente alto, não matem o mensageiro.

redes sociais; celular

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JOTA

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