Ana Luiza Calil

Mario Norris

Ricardo Campello

No dia 17 de janeiro de 2021, os brasileiros acompanharam atentos a transmissão de um evento um tanto inusitado para uma manhã de domingo. Não se tratava de um evento esportivo, mas da sessão extraordinária da diretoria colegiada da Anvisa (Dicol), para deliberação dos pedidos de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19 no Brasil (a vacina de Oxford e a Coronavac)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
Enquanto as atenções do público estavam voltadas para a liberação do uso emergencial dos imunizantes, do ponto de vista regulatório o fato representa uma mudança no âmbito da Anvisa. Nos últimos anos, a agência tem consolidado um pacote de boas práticas regulatórias, o qual inclui não só maior transparência nas suas deliberações, mas uma postura mais próxima dos seus administrados.
<a href="https://www.jota.info/produtos/saude?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Saude_materias"><img class="aligncenter wp-image-292716 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-saude.png" width="688" height="688" /></a>
No mesmo dia da histórica transmissão, a Anvisa celebrou com o Instituto Butantan um termo de compromisso de regularização da vacina Coronavac, para viabilizar a sua autorização temporária de uso emergencial e em caráter experimental. O termo foi celebrado com fundamento no artigo 26 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Isso significa que a agência optou por assumir uma postura conciliatória, no sentido de viabilizar a regularização do imunizante, em vez de simplesmente indeferi-lo.
A pandemia e sua urgência trouxeram uma nova via para flexibilização da regulação, visto que era preciso atender à demanda social e, ao mesmo tempo, garantir a segurança e eficácia. A <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l13979.htm">Lei 13.979/20</a> (Lei da Pandemia), em seu art. 3º, inciso VIII, foi a base legal necessária para a atuação da agência nesse caso. Agindo dessa forma, a Anvisa prezou por exercer seu poder de polícia de modo mais efetivo e condizente com a finalidade a que se propunha — permitir o acesso, garantindo minimamente a segurança e eficácia, de maneira célere.
Foi realizada uma pesquisa na atuação consensual da Anvisa pré e pós-pandemia. Com base na Lei de Acesso à Informação, foi solicitado acesso aos termos de compromisso celebrados pela Anvisa com fundamento no mesmo art. 26 da LINDB, desde a sua entrada em vigor, em 26/04/2018.
A Anvisa celebrou apenas seis termos de compromisso, todos eles no contexto da pandemia da Covid-19, sendo cinco relativos ao registro sanitário de vacinas (Butantan, AstraZeneca, Bio-Manguinhos, Wyeth e Janssen) e um relativo ao registro sanitário do medicamento Veklury (remdesivir), da Gilead Sciences.
O art. 26 da LINDB não é o único fundamento possível para atuação concertada da agência. Para o caso das terapias avançadas, por exemplo, com a entrada em vigor da (já revogada) <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-da-diretoria-colegiada-rdc-n-338-de-20-de-fevereiro-de-2020-244803291">RDC nº 338/2020</a>, em 1º de junho de 2020, a Anvisa permitiu a celebração de termos de compromisso para conceder registro excepcional de produtos de terapia avançada. Certos produtos que ainda necessitem de dados e provas adicionais comprobatórias de eficácia clínica podem ser aptos ao registro, mediante um acordo entre a empresa e a agência para submissão contínua de informações e continuidade dos estudos clínicos (conforme o art. 30 e seguintes). Com base nessa RDC, foram firmados dois termos de compromisso (Luxturna e Zolgesma).
Recentemente, a diretoria colegiada aprovou a <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-pt-n-162-de-12-de-marco-de-2021-308334753">Portaria nº 162/2021</a> que previu o emprego de instrumentos regulatórios não normativos para melhoria da qualidade regulatória na agência. No rol, são compreendidos aqueles instrumentos regulatórios de recomendação, orientação ou comunicação, para a redução da assimetria de informação ou esclarecimento de dúvidas e procedimentos, ou ainda que firmem acordos ou ajustes de conduta com os agentes do setor regulado (art. 2º, inc. XIV). Esse exemplo reforça a atuação mais transparente e de preocupação com o aprimoramento contínuo dos resultados da atuação regulatória.
Fora do campo regulatório, os processos sancionadores não parecem seguir a tendência em prol da consensualidade. Solicitou-se via acesso à informação que a Anvisa informasse sobre a celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) como forma de resolução conciliatória em Processos Administrativos Sanitários (PAS), nos últimos cinco anos. Todas as diretorias da agência responderam que não celebraram nenhum TAC no âmbito de PAS nos últimos cinco anos.
A negativa é ainda mais significativa considerando que o Tribunal de Contas da União (TCU) avaliou que a condução de processos sancionatórios feita pela Anvisa, baseada na aplicação e cobrança de multas, era ineficiente. Recomendou que a agência avaliasse a conveniência e oportunidade de celebrar acordos substitutivos de sanção, mediante normatização da utilização de TAC para os PAS<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Diferente de outras agências, como a Anatel<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, a Anvisa não possui um Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas, o que permitiria balizar a atuação da entidade para fomento de soluções concertadas. O direito sancionador, por ser tradicionalmente fiado à legalidade estrita, pode levar à resistência maior dos servidores da agência em pensarem em soluções consensuais.
A situação excepcional da Covid-19 pode e deve servir como um laboratório de aprendizado para o uso de soluções consensuais na Anvisa. Fato é que a agência lida com temas sensíveis, relacionados à saúde e segurança, e a adoção de medidas de tal natureza deve sempre observar limites inerentes à sua área de competência. Contudo, a situação limítrofe dos últimos meses demonstrou que o uso de instrumentos, como o do art. 26 da LINDB, podem ser fundamentais para garantir a eficiência no cumprimento da finalidade da Administração Pública. Resta à Anvisa continuar evoluindo, em prol da regulação responsiva de mecanismos que aprimorem sua atuação nessa linha.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Confira-se, nesse sentido, a matéria jornalística publicada pelo Portal G1: &lt;<a href="https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2021/01/17/anvisa-avalia-o-uso-emergencial-de-duas-vacinas-contra-a-covid-19-neste-domingo.ghtml">https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2021/01/17/anvisa-avalia-o-uso-emergencial-de-duas-vacinas-contra-a-covid-19-neste-domingo.ghtml</a>&gt;. Acesso em 25/5/2021, às 12 horas.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> TCU, Processo 001.814/2019-2, Acórdão 732/2020 – Plenário, Min. Rel. Augusto Nardes, julgamento em 01/04/2020.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> ANATEL, Resolução nº 589, de 7 de maio de 2012, que aprova o Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas (Rasa).

24.05.2016 Fachada da Anvisa.

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JOTA

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