Luís Flávio Neto

Victor Polizelli

Continua vivo o projeto de adoção das regras de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/precos-de-transferencia">preços de transferência</a> nos moldes da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ocde">OCDE</a>. Esta é uma das principais conclusões que se pode tirar com a edição da <a href="http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=129187">Instrução Normativa RFB 2.132</a>, publicada na última sexta-feira (24/2). Na falta de orientação oficial quanto à continuidade dos esforços de entrada do Brasil na OCDE, a referida Instrução Normativa sinaliza positivamente quanto à implementação de regras de transfer pricing (TP) alinhadas aos padrões internacionais.
A adoção das regras de preços de transferência já é uma realidade perseguida por muitos grupos empresariais brasileiros, ansiosos para afastar ineficiências provocadas pelos limites à dedutibilidade de royalties ou aplicar margens de lucro condizentes com os mercados em que atuam (afastando margens fixas descasadas com a sua realidade).
<h3>Formalização da opção e medidas adicionais a serem tomadas em 2023</h3>
A IN RFB 2.132/23 apresenta regras procedimentais para a formalização da opção pela adoção antecipada das regras de preços de transferência, demandando a assinatura de formulário específico e sua submissão mediante processo digital durante o mês de setembro de 2023.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
Além deste procedimento meramente burocrático, a empresa optante deverá aplicar todas as regras previstas na <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/155647">MP 1152/2022</a> sem ter muita visibilidade quanto a diversos pontos desta nova legislação de preços de transferência. Dentre os muitos temas ainda pendentes de regulamentação, a IN 2132/23 cuidou de esclarecer pontos importantes pertinentes às variadas modalidades de ajustes, mas deixou bastante a desejar naquilo que não regulamentou.
Nesse particular, a IN demanda que a empresa optante faça eventuais ajustes espontâneos até 31/12/2023 (art. 6º). Esta exigência não requer que o ajuste de TP, caso necessário, seja registrado contabilmente até o final de 2023. Sendo o ajuste espontâneo um elemento exclusivo da declaração de imposto de renda (ECF), ele deve, na prática, ser efetuado apenas no momento de preparação desta declaração, sendo também esperado que a Receita Federal conceda um prazo adicional em 2024 para o atendimento das obrigações acessórias no primeiro ano-calendário de implementação da legislação de TP.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
<ul>
<li>Implementação prática de ajustes compensatórios</li>
</ul>
A MPV 1.152/2022 concedeu poder à Receita Federal para regulamentar a forma, as condições e o prazo para implementação dos ajustes compensatórios. Assim, além de regulamentar a opção antecipada (art. 46), a IN 2.132/23 regulamentou também os ajustes compensatórios (art. 17, §2º), corporificando na legislação brasileira importantes mecanismos de calibragem dos preços de transferência.
Diferente do ajuste espontâneo, que é aquele feito na ECF e sem impacto na contabilidade, o ajuste compensatório extrapola a esfera fiscal e resulta no reconhecimento contábil de receitas/despesas pelas empresas correspondentes. Nesse sentido, andou bem a Instrução Normativa em esclarecer dois pontos correlacionados entre si, quais sejam:
<ul>
<li>a forma de implementação dos ajustes compensatórios, que pode envolver a emissão de notas fiscais ou não; e</li>
<li>a ausência de impactos automáticos na apuração de outros tributos.</li>
</ul>
Em situações nas quais, p.ex., a análise de preços de transferência for feita com agregação de atividades (basket ou portfolio approach), será impraticável efetuar um ajuste compensatório para transações ou produto específicos. Para esses casos, o ajuste compensatório pode ser implementado mediante notas de débito/crédito. Em outras situações, porém, nas quais a análise é segmentada, pode acontecer de o ajuste compensatório ser visivelmente atrelado a transações específicas, demandando a emissão de notas fiscais e, eventualmente, a adequação dos demais tributos.
Esta postura é bastante elogiável por reduzir os riscos atrelados a uma prática que já acontece nos tempos atuais e cujo conflito já frequentou os tribunais administrativos, revelando problemas que potencialmente serão equacionados pelas novas regras.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
<ul>
<li>Prós e contras da adoção antecipada das regras de preços de transferência</li>
</ul>
A possibilidade de deduzir royalties em montantes condizentes com operações de mercado é uma das principais vantagens que tem atraído empresas brasileiras para a adoção antecipada das regras de preços de transferência.
Com efeito, a Medida Provisória nº 1.152/2022 elimina completamente a legislação anterior, afastando os rígidos e anacrônicos limites percentuais e requisitos burocráticos para dedução de royalties de marcas e patentes.<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> A dedução de royalties no universo das diretivas da OCDE independe da realidade dos contratos escritos e segue parâmetros econômicos que permitem a estipulação de taxas condizentes com práticas de mercado. Nesse sentido, pode-se perfeitamente admitir que empresas brasileiras que estejam explorando economicamente intangíveis detidos por outras empresas do grupo multinacional venham a se beneficiar da adoção antecipada das regras para deduzir montantes corretos de royalties em 2023 independentemente da formalização ou averbação prévia dos correspondentes contratos.
Outras vantagens podem ser vislumbradas em grupos multinacionais cujas subsidiárias brasileiras encontravam um descompasso entre as margens fixas dos métodos PRL e CAP e as margens de mercado estabelecidas em razão das políticas empresariais de preços de transferência alinhadas com os padrões internacionais. Não é incomum, p.ex. que atividades muito simples de distribuição (em compras locais para exportação ou em importações para revendas locais) tenham a elas atribuídas margens de mercado muito abaixo das margens fixas brasileiras. Noutro giro, também há muitas empresas que se prejudicam pela análise produto-a-produto no sistema atual e que se beneficiarão da abordagem agregada da nova legislação (portfolio approach) aplicada a produtos complementares com margens individuais distintas.
As principais desvantagens que pesam contra a adoção antecipada dizem respeito à ausência de previsibilidade. A própria IN RFB nº 2.132/2023 deixa muito a desejar nos temas em que se omitiu.
Para ficar apenas num dos pontos endereçados pela IN RFB nº 2.132/2023, nota-se que a dedução de royalties, assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante é um tópico bastante sensível e controverso que demanda regulamentação pela Receita Federal.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> Há muitas dúvidas sobre o alcance conceitual e os requisitos de dedutibilidade previstos na MPV. Neste ponto, a Instrução Normativa simplesmente reproduziu o texto da Medida Provisória sem nada acrescentar.
Com as revogações promovidas pela MPV nº 2.132/2023, cabe questionar se o conceito de royalties continua orientado pela definição contida no art. 22 da Lei nº 4.506/1964<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> e também se os conceitos de assistência técnica, científica etc. continuam limitados aos casos de transferência de tecnologia.<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> Não se sabe tampouco se os projetos ou serviços técnicos especializados com transferência de tecnologia estão também abarcados pela nova disciplina de dedutibilidade.
Os próprios requisitos de dedutibilidade previstos no inciso II do art. 45 da Medida Provisória nº 2.132/2023 são demasiado abertos e, portanto, difíceis de implementar tanto pelo contribuinte quanto pelo Fisco. Seria bastante louvável que a Receita Federal trouxesse requisitos gerais adicionais via legislação secundária para orientar a aplicação da norma. Não se espera uma listagem categórica das situações contempladas pela Medida Provisória, mas se o ideal buscado é evitar a dupla não tributação, pode-se prever outras situações conhecidas internacionalmente que também atendem a este requisito. Para dar um exemplo, a tributação em pessoa estrangeira distinta do beneficiário contratual deveria ser passível de enquadramento no requisito da alínea “b”, assim como a tributação em momento temporal distinto.
Também seria salutar definir os parâmetros para a comprovação dos requisitos de dedutibilidade do inciso II do art. 45 da Medida Provisória, pois a prova de tributação pode acontecer num nível normativo (apresentando-se a legislação do outro país) ou num nível concreto (apresentando-se a documentação fiscal pertinente), sendo razoável supor que bastaria a comprovação no nível normativo.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Exceto para empresas que sejam constituídas ou sejam formadas a partir de processos de fusão ou cisão durante o período de setembro a dezembro2023, pois estas deverão formalizar a opção no primeiro mês de atividade. Similarmente, pessoas extintas até agosto/2023, deverão formalizar a sua opção no mês de extinção.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Segundo previsto no art. 35, §2º da Medida Provisória nº 1.152/2022.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> No caso do acórdão 204-02.256, p.ex., as condições contratuais e a prova estavam adequados, mas pesou contra o contribuinte o fato dos ajustes de TP não terem sido retratados em documentos comerciais. No caso de ajustes globais, pode-se agora lançar mão de notas de crédito, com impacto contábil, mas sem alteração dos documentos comerciais. Já no caso do acórdão 9303-006.245, p.ex., foi problemática a ausência de coincidência entre os ajustes de TP feito no Brasil e no exterior. Agora com a nova legislação brasileira de TP, tal coincidência será mais fácil de ser alcançada.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Para fácil referência, nota-se que as revogações promovidas pela Medida Provisória nº 1.152/2022 resultam na revogação tácita dos artigos 361, 363, I e III a V, 364 e 365 do atual Regulamento do Imposto de Renda. Permanecerão vigendo os artigos 362 e 363, II e p.u. do RIR.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Segundo previu o art. 45, p.u. da MPV 1.152/2022, cabe à Receita Federal disciplinar a matéria de dedução de royalties, assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Art. 22. Serão classificados como "royalties" os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como:
<ol>
<li>
a) direito de colhêr ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais;
</li>
<li>
b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais;
</li>
<li>
c) uso ou exploraçâo de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio;
</li>
<li>
d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra.
</li>
</ol>
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> A legislação tributária atualmente vigente já emprega expressão similar – “assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes, projetos ou serviços técnicos especializados” - para se referir a situações de transferência de tecnologia (art. 365, §3º do RIR).

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JOTA

Instrução Normativa RFB 2.132 sinaliza positivamente para adoção de regras alinhadas a padrões internacionais

Antecipação das regras de preços de transferência ganha impulso

Instrução Normativa RFB 2.132 sinaliza positivamente para adoção de regras de preços de transferência alinhadas a padrões internacionais