Ticiane Moraes Franco

Derick de Mendonça Rocha

Certa feita, o ministro Luís Roberto Barroso consignou que “cabe à multa o papel retributivo e preventivo geral da pena, desestimulando, no próprio infrator ou em infratores potenciais, a conduta estigmatizada” (STF, EP 12 ProgReg-AgR, relator Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 8 de abril de 2015).
Apesar de estar se referindo ao processo penal, as palavras do ministro se encaixam perfeitamente ao Direito Administrativo Sancionador<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, onde a pena de multa desempenha um papel proeminente de prevenção específica, prevenção geral e de retribuição, devendo, portanto, ser fixada de forma eficiente, com seriedade, proporcionalidade e razoabilidade.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Atualmente, as punições contidas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei Federal nº 13.709/2018) estão previstas apenas para o mês de agosto do corrente (isso, se não forem adiadas uma vez mais)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, de modo que o debate acerca da matéria é muito oportuno, especialmente porque eventuais multas a serem impostas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) devem ser baseadas em metodologias punitivas devidamente aprovadas e que passaram por consulta pública à luz do disposto no art. 53 da Lei, não podendo em hipótese alguma serem calculadas de maneira discricionária e aleatória pela Autoridade. São três razões para tanto.
Em primeiro lugar, porque a exigência de norma específica decorre do princípio constitucional da legalidade e da reserva legal (art. 5º, II e XXXIX, e art. 37, caput, da Constituição da República) que exigem que, no exercício do poder de polícia, o Poder Público somente puna condutas previamente definidas em lei e na forma por ela prevista.
Em segundo lugar, porque a própria Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estipula, em seu art. 53, que as gradações das sanções de multa aplicadas pela ANPD devem estar previstas em regulamento próprio que, por sua vez, deve apresentar “objetivamente as formas e dosimetrias para o cálculo das sanções de multa”.
Tal norma corrobora com a urgência e importância da matéria ora abordada, especialmente em vista da proximidade do início da vigência das sanções previstas na LGPD e do fato de que, até o presente momento, não há nenhuma regulamentação administrativa aprovada para tratar das metodologias de aplicação de sanções de multa, nem mesmo qualquer consulta pública aberta sobre o tema.
Nesse contexto, vale ressaltar que a legislação vigente estipula critérios e parâmetros que, necessariamente, devem ser observados pelo Poder Público. Veja-se, por exemplo, que a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), em seu art. 22, §2º, estipula que “[n]a aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente”.
De igual modo, a LGPD fixa no art. 52, além das espécies punitivas<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, os parâmetros que devem ser observados para a gradação da sanção, quais sejam: (i) a gravidade e a natureza das infrações e dos direitos pessoais afetados; (ii) a boa-fé do infrator; (iii) a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; (iv) a condição econômica do infrator; (v) a reincidência; (vi) o grau do dano; (vii) a cooperação do infrator; (viii) a adoção reiterada e demonstrada de mecanismos e procedimentos internos capazes de minimizar o dano; (ix) a adoção de política de boas práticas e governança; a pronta adoção de medidas corretivas; e (x) a proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção.
<blockquote class="jota-article__eye">Assim, a definição de metodologias para o cálculo da dosimetria da sanção de multa pela ANPD é necessária para que possa orientar o exercício de seu poder punitivo com transparência, isonomia e razoabilidade, respeitando os parâmetros e balizas legais aplicáveis ao cálculo do valor-base das multas, bem como definido as causas de aumento e/ou redução da sanção.</blockquote>
Em terceiro lugar, porque, dentre os princípios que regem a Administração Pública<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, os princípios da segurança jurídica e da impessoalidade exigem: (i) uma conduta previsível do poder público, que deverá ter métodos estáveis para punir o administrado, sem surpresas, e (ii) equivalência e impessoalidade no tratamento dado aos administrados, que não devem ser punidos com casuísmos, de forma discriminatória e discricionária pela Administração.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Dessa forma, resta evidente que, para que a ANPD possa se valer da multa como instrumento sancionatório, de modo a inibir o cometimento de irregularidades pelos agentes de tratamento, deve antes aprovar metodologias de cálculo congruentes e que tenham passado pelo escrutínio da consulta pública, subsidiando adequadamente o processo de tomada de decisão.
O debate não poderia ser mais oportuno, uma vez que em fevereiro do corrente ano a ANPD divulgou seu Planejamento Estratégico para o período de 2021-2023, destacando como ações prioritárias: promover o fortalecimento da cultura de Proteção de Dados Pessoais; estabelecer ambiente normativo eficaz para a Proteção de Dados Pessoais; e aprimorar as condições para o cumprimento das competências legais
Para isso, é importante que a Autoridade se valha da experiência de outros setores regulados, que já possuem metodologias punitivas aprovadas e vigentes, pois há grande complexidade no estabelecimento de fórmulas de cálculo de multa que encontrem respaldo nos parâmetros legais e que se mostrem razoáveis, considerando a natureza e a gravidade da infração a ser punida, os danos que dela provierem para a coletividade e para a Administração Pública, as características subjetivas do infrator, incluindo sua capacidade econômica, bem como as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes.
Por fim, vale frisar que sanções de multa arbitrárias e aleatórias, sem respaldo nos parâmetros legais e em metodologias aprovadas previamente, podem violar expressamente a LGPD, sendo a sanção passível de anulação pelo judiciário.
Portanto, a ANPD deve se preparar para a criação de um arcabouço de regulamentação, fiscalização e sanção transparente, sob pena de, tal como ocorre em outras agências, a discussão ser transferida para a esfera judicial, avolumando o Poder Judiciário e acarretando o enfraquecimento de todo o sistema voltado à proteção de dados.
<hr />
O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:
https://youtu.be/b9z7dDRHnrg
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A aplicabilidade dos postulados penais às faltas administrativas é admitida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual destacamos o RMS nº 24.559/PR do Superior Tribunal de Justiça e o RE 78.917/SP do Supremo Tribunal Federal.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Atualmente, está tramitando no Congresso o Projeto de Lei (PL) nº 500/2021 que visa a adiar para janeiro de 2022 o início da vigência da sanção de multa.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Advertência, multa, publicização da infração, boqueio e eliminação de dados, suspensão parcial do funcionamento do banco de dados, suspensão/proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Neste sentido, registre-se que o art. 2º da Lei 9.784/99 impõe à Administração Pública Federal, onde se insere a ANPD, o dever de obedecer ao Princípio da Segurança Jurídica, além do Princípio da Legalidade, em seus processos administrativos, tal como ora destacado: “Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> A LINDB estipula no § 3º de seu art. 22, que “As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato”.

pexels-photo-1458283

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Agência deve antes aprovar metodologias de cálculo congruentes, que tenham passado por consulta pública

ANPD: legalidade e segurança jurídica no cálculo das multas

Agência deve antes aprovar metodologias de cálculo congruentes, que tenham passado por consulta pública