Thais de Bessa Gontijo de Oliveira

Raras vezes a chegada de uma pessoa a um Conselho de Administração gerou tanto burburinho quanto a chegada de Anitta ao <a href="https://blog.nubank.com.br/anitta-nubank-membro-conselho/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">Nubank</a>. A repercussão sugere que essa decisão está longe de ser óbvia.
Este breve artigo é um convite para ler essa notícia pela perspectiva do chamado Neurodireito. Trata-se de uma corrente crescente de estudo, para a qual o objeto de estudo do Direito não seriam as leis em si, mas sim o comportamento humano, integrando o Direito a diversas disciplinas com o mesmo interesse.<a href="applewebdata://ED6E4ABC-FEED-4AD4-8F9B-C0374461C2C8#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
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Esse campo de convergência de estudos se interessa inclusive por estudos com ressonâncias magnéticas funcionais (fMRI), questionários aplicados por psicólogos, e muito mais - e pode contribuir para uma melhor compreensão do processo de tomada de decisão, inclusive quando essa decisão forma-se dentro de um colegiado como o Conselho de Administração de uma Companhia.
Dentro dessa perspectiva, podemos tirar duas reflexões interessantes do fenômeno Nubank + Anitta.
A primeira retoma o que se espera da um Conselheiro: de Anitta, espera-se a independência, ousadia, inovação, que ela demonstrou ao longo da carreira tão polêmica quanto bem-sucedida. Essa postura independente é fundamental para a decisão colegiada. Do contrário, não há sentido em manter um colegiado: se não há ganho no somatório de visões, por que acionar um grupo quando um indivíduo pode decidir sozinho? No entanto, os estudos mencionados abaixo mostram que divergir de um grupo pode ser emocionalmente custoso, e essa dor aparece até nas imagens de fMRI do cérebro. Resistir à maioria dói.
A segunda reflexão toca a questão da diversidade, essa palavra tão falada, quando todas as empresas se ocupam de seus relatórios de sustentabilidade (que consideram questões ambientais, sociais e governança corporativa), os famosos relatórios de ESG. De nada adianta montar times diversos se não existe maturidade e cultura para lidar com a divergência. A busca atabalhoada por diversidade pode acabar criando ambientes hostis, o que pode ser um tiro no pé.
Mas primeiro é preciso explicar: o que é esse Conselho de Administração em que a Anitta vai trabalhar? Trata-se de um órgão de administração de uma pessoa jurídica que, como explica Ana Frazão,<a href="applewebdata://ED6E4ABC-FEED-4AD4-8F9B-C0374461C2C8#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>não possui existência fisiológica nem psíquica: a capacidade de decidir e agir de uma pessoa jurídica é exercida por meio de pessoas naturais, que compõem os órgãos da pessoa jurídica. Isso significa que não existe um Nubank que decidiu adiar a abertura de capital, ou adquirir a Easynvest, ou trazer a Anitta. Existem várias pessoas que se reúnem nos diversos órgãos dessa sociedade, discutem, tomam as decisões e as executam.
O Conselho de Administração é um exemplo de órgão colegiado de administração. Isso significa que nenhum dos Conselheiros tem a prerrogativa de agir ou se manifestar isoladamente. Embora sempre composto por várias pessoas (no mínimo 3), ele emite uma única decisão (resguardado o direito do Conselheiro a divergir e registrar sua dissidência). O Conselho decide e age como colegiado.
Legalmente, Conselheiros são considerados administradores da Companhia, o que faz de Anitta uma administradora do Nubank. É importante destacar também que todos os administradores, quando se sentam em suas cadeiras, não podem agir em proveito próprio. Novamente com Ana Frazão, existe uma importante diferença entre o comportamento esperado e tolerado dos sócios e o comportamento esperado e tolerado dos administradores: se os primeiros podem levar em consideração seus interesses pessoais (já que exercem direito subjetivo), os administradores exercem competências funcionais (exercem funções definidas na lei e nos documentos societários), de modo que só podem agir buscando realizar os interesses da pessoa jurídica. A Conselheira Anitta (e todos os demais) deve manifestar-se buscando os melhores interesses do Nubank.
O que o Neurodireito tem a dizer sobre isso? De relevância nesta breve análise, são os estudos sobre julgamentos em ambientes colegiados, sobre como as pessoas rendem-se ao entendimento da maioria, mesmo quando reservadamente discordam do grupo. Na psicologia, esse fenômeno é chamado de conformidade. Esse fenômeno social está bem documentado em uma série de estudos iniciados na década de 1950, quando o psicólogo Solomon Asch documentou os efeitos da pressão do grupo sobre a decisão.
Simplificando vários desenhos experimentais, esses estudos colocam uma pessoa (chamada participante) para interagir com um grupo de supostos outros participantes que são, na verdade, cúmplices dos pesquisadores. Suponha-se que os pesquisadores mostrem a todo o grupo uma figura X e perguntem "o que você vê?" Todos os cúmplices dizem que veem Y, mesmo vendo X. Lembre-se que o objetivo é testar se o participante vai ajustar seu julgamento ao da maioria, ou manter sua independência e resistir. Será que o participante, que claramente vê X, responde Y? A resposta é que frequentemente sim.<a href="applewebdata://ED6E4ABC-FEED-4AD4-8F9B-C0374461C2C8#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
Em termos técnicos, conformidade se refere a um tipo específico de reação (ou resposta), especificamente, a concordância (ou aquiescência), a um tipo específico de comunicação, especificamente um pedido (ou solicitação).<a href="applewebdata://ED6E4ABC-FEED-4AD4-8F9B-C0374461C2C8#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> Essa literatura demonstra que, quando o julgamento de um indivíduo diverge daquele do grupo, o indivíduo frequentemente irá ajustar seu julgamento ao do grupo.
Nessa mesma linha investigativa, um interessante estudo<a href="applewebdata://ED6E4ABC-FEED-4AD4-8F9B-C0374461C2C8#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> levou o participante para a ressonância magnética funcional (fMRI), para investigar os correlatos neurobiológicos que aparecem quando uma pessoa se encaminha para resistir ou sucumbir à conclusão da maioria. Quando a pessoa resiste, as imagens mostraram uma ativação da amígdala, uma estrutura cerebral subcortical, fortemente relacionada a respostas emocionais, principalmente a agressividade, medo e ansiedade, na síntese de Sapolski. Para os pesquisadores, uma possível interpretação desse achado é que divergir é emocionalmente doloroso, e essa dor aparece até nas imagens de fMRI.
Relacionando esses estudos à chegada de Anitta ao Nubank, retomo as duas reflexões propostas no início do artigo.
Primeiramente, deve ser muito mais cômodo sentar-se em um Conselho no qual todos se parecem, seja fisicamente, mas também ideologicamente, em termos de valores, visões de mundo, expectativas, etiqueta. Um Conselho com diversidade pode tornar-se um ambiente particularmente provocativo, desconfortável, até mesmo hostil. Entretanto, quando se pretende inovar (como todas as startups tentam fazer), algum grau de desconforto parece ser necessário para se alcançar o sucesso.
<blockquote class="jota-article__eye">Não há como destacar-se reproduzindo velhas fórmulas e é preciso reconhecer: para o Nubank, trazer a artista certamente foi um movimento ousado.</blockquote>
A segunda reflexão diz respeito ao perfil dos Conselheiros. Como dito, do Conselheiro espera-se a coragem para divergir. Em outro <a href="https://blog.nubank.com.br/board-members-nubank/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">informe</a> sobre seu Conselho de Administração, o Nubank explica que seus Conselheiros devem ser profissionais experientes, que já passaram por diferentes tipos de desafios que a empresa enfrenta (ou enfrentará no futuro) e podem trazer perspectivas únicas sobre como conduzir os negócios. Quando se buscam perspectivas únicas, espera-se que essa pessoa tenha coragem para expô-las.
Segundo David Velez, Presidente do Conselho de Administração do Nubank e também fundador, Anitta foi escolhida por ter profundo conhecimento do comportamento dos consumidores nesses mercados que o banco pretende atingir. Sim, ela é um fenômeno. E, sim, ela está bem acostumada a polêmicas, seja quando se posiciona ou quando deixa de se posicionar. Resta acompanhar se Anitta conseguirá, naquele ambiente, manter a independência de sua voz, e se o Conselho terá maturidade para lidar com a dor da divergência que emerge da diversidade.
Sendo bem-sucedida ou não, a decisão do Nubank é um ato de coragem de ambos - Nubank e Anitta -, uma audácia que se espera de todas as empresas que pretendem dizer-se inovadoras.
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<a href="applewebdata://ED6E4ABC-FEED-4AD4-8F9B-C0374461C2C8#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Estudar o comportamento é das tarefas mais complexas que há. O que se chama Ciências Cognitivas, contemporaneamente referidas também como Ciências do Comportamento Humano, constitui a resultante das contribuições de vários ramos do conhecimento, como a Psicologia, Neurociência, Linguística, Filosofia, Antropologia, Biologia Evolucionista, Educação, Ciências da Computação, Inteligência Artificial e Etologia e também o Direito, cada uma delas com seu foco e sua metodologia, em constante aprimoramento dentro de cada campo disciplinar específico, e nem sempre em concordância um com o outro. Da interseção disso tudo, quando há relevância jurídica, temos o Neurodireito. (conferir: OLIVEIRA, Thaís de Bessa Gontijo de; CARDOSO, Renato César. Consiliência e a possibilidade do neurodireito: da desconfiança à reconciliação disciplinar. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, n. 2, 2018, p.116-142. Disponível em: <a href="https://www.rel.uniceub.br/RBPP/article/view/5340/3994">https://www.rel.uniceub.br/RBPP/article/view/5340/3994</a>)
<a href="applewebdata://ED6E4ABC-FEED-4AD4-8F9B-C0374461C2C8#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Lei das Sociedades Anônimas Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
<a href="applewebdata://ED6E4ABC-FEED-4AD4-8F9B-C0374461C2C8#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> SAPOLSKY, Robert M. Behave: the biology of humans at our best and worst. New York: Penguin Press, 2017.
<a href="applewebdata://ED6E4ABC-FEED-4AD4-8F9B-C0374461C2C8#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Cialdini, R. B.; Goldstein, N. J. Social influence: compliance and conformity. Annu. Rev. Psychol, 2004, 55:591– 621.
<a href="applewebdata://ED6E4ABC-FEED-4AD4-8F9B-C0374461C2C8#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Berns, G. S. et al. Neurobiological correlates of social conformity and independence during mental rotation. Biol. Psychiatry. 2005 Aug 1, 58(3):245-53.

anitta

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JOTA

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