Eduardo Frade

Bruna Silvestre Prado

No contexto de concorrência nos mercados digitais, quando o assunto é concentração de mercado por meio de fusões, talvez o debate mais notório seja aquele relacionado à aquisição de empresas nascentes, ou sua variação mais intensa, as killer acquisitions. Trata-se de uma preocupação com que empresas dominantes absorvam rivais ainda incipientes, mas que no futuro teriam potencial para contestar o poder de mercado das líderes.
É imediatamente evidente que a principal questão aqui é: como identificar quais desses rivais nascentes de fato se tornariam no futuro empresas de sucesso, a tal ponto de serem capazes de restringir de forma efetiva o poder de mercado de grandes firmas dominantes?
<a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias"><img class="aligncenter cta-tributos size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-tributos.png" width="688" height="688" /></a>
Curiosamente, responder a essa pergunta não tem sido, nem de longe, o principal alvo de estudo do antitruste quando o assunto é aquisição de empresas nascentes. Muito provavelmente porque a resposta a essa questão é bastante difícil. A análise de concorrência potencial é, talvez, uma das principais caixas-pretas da doutrina e da prática antitruste.
A avaliação diuturna por autoridades concorrenciais de fusões tradicionais entre rivais já constituídos, em que há abundância de dados sobre seu comportamento passado, e modelos econômicos razoavelmente bem testados sobre predições futuras, já não é uma tarefa fácil. Prever cenários de concorrência futura por parte de empresas que recém saíram do berço, e que estatisticamente na maior parte dos casos dele jamais sairão, parece uma tarefa de dificuldade elevada. E é.
O problema é que, sem responder a essa pergunta principal, toda a discussão sobre as políticas concorrenciais divisadas para lidar com as nascent firm acquisitions se torna um pouco sem sentido, ou perigosa. Por exemplo, de que adianta fortalecer critérios de notificação de atos de concentração a autoridades de concorrência, para atrair a revisão de aquisições de empresas nascentes, se os analistas não tiverem um guia para avaliar adequadamente essas operações? Não obstante, é notável que os esforços de estudiosos e policy makers do antitruste efetivamente não estejam focados em responder a essa questão principal. As ideias têm sido de outra ordem.
<h3>Propostas existentes não endereçam análise substantiva de concorrência potencial</h3>
Chris Pike, da OCDE, fez recentemente um bom resumo das principais propostas de diversos autores e instituições, relacionadas ao controle de atos de concentração envolvendo firmas nascentes.<a href="#_edn1" name="_ednref1">[1]</a> Nenhuma delas busca propor um método de análise substantivo para a avaliação de concorrência potencial.
Uma proposta é a criação de um teste de “balance of harms” para bloquear operações do tipo “low likelihood-high detriment”.<a href="#_edn2" name="_ednref2">[2]</a> O teste, em suma, levaria a intervenções antitruste em casos nos quais o eventual dano da absorção do rival nascente seja potencialmente alta, mesmo que o risco desse dano efetivamente vir a ocorrer seja pequeno. Veja que o teste deliberadamente abandona uma avaliação aprofundada sobre a real probabilidade de haver um dano decorrente da fusão – um conceito radicalmente novo e controverso.
Outras propostas são relacionadas à aplicação de uma presunção de dominância de certas firmas adquirentes<a href="#_edn3" name="_ednref3">[3]</a>, e à diminuição do standard probatório necessário para bloquear aquisições de empresas nascentes. Sem entrar no mérito, é preciso no mínimo reconhecer que tais propostas são a antítese de uma busca por um método substantivo e robusto de análise.
Basicamente, por reconhecer que avaliações de concorrência potencial de startups são difíceis, a proposta dá um by-pass nessa dificuldade dispensando uma análise criteriosa. O problema, aqui, é que, sem contar o desconforto jurídico que isso gera (limitar a atividade econômica e a livre inciativa com base em maus fundamentos), bloquear eventuais negócios erroneamente não é neutro de uma perspectiva econômica. Na verdade, pode ser algo muito ruim.
Por fim, outra forte linha propositiva é a de inverter o ônus da prova de demonstrar os potenciais efeitos do ato de concentração sob análise.<a href="#_edn4" name="_ednref4">[4]</a> Por boas razões, em regra é da autoridade pública o ônus de demonstrar que uma dada fusão gerará efeitos anticompetitivos, para bloqueá-la. Há propostas sugerindo passar o ônus de defesa às firmas envolvidas. Mais uma vez, não se trata aqui de solucionar o problema, mas sim de meramente passá-lo para outra pessoa. A questão – como analisar e provar efeitos (ou ausência de efeitos) anticompetitivos derivados de uma aquisição de empresa nascente – continua existindo, e continua sem solução. As empresas não têm essa resposta pronta, tanto quanto as autoridades e os acadêmicos.
Enquanto isso, há grande discussão<a href="#_edn5" name="_ednref5">[5]</a> e movimentos concretos, por parte de algumas autoridades antitruste mundo afora, no sentido de alterar critérios de notificação para atrair um maior número de submissões envolvendo aquisições de empresas nascentes. É impossível não perguntar se o carro não está sendo colocado na frente dos bois.
Embora exista bastante debate, e de boa qualidade para um lado e para o outro, sobre se as políticas antitruste efetivamente deveriam ser mais agressivas com relação à aquisição de empresas nascentes, é inegável que a questão está posta. Mas de uma perspectiva acadêmica, prática e de política concorrencial, é essencial que as perguntas importantes não fiquem sem resposta, antes de dar passos muito largos. No tema de aquisição de empresas nascentes, o antitruste, antes de qualquer coisa, deveria acima de tudo estar mais empenhado em bolar uma metodologia analítica efetivamente de qualidade voltada à avaliação de concorrência potencial, e não se valer de atalhos para fugir do problema.
A boa notícia é que há esforços, ainda que escassos, nesse sentido. Uma grande proliferação de estudos acadêmicos sobre os efeitos atuais de aquisições passadas de startups pode, com alguma sorte, contribuir para a geração de conhecimento econômico a respeito da matéria. Recente relatório da OCDE também se descolou da maior parte da literatura, sugerindo, ainda que de forma incipiente e com alguma dificuldade, alguns caminhos possíveis para análises substantivas de aquisições de empresas nascentes, tais como testes de probabilidade de competição<a href="#_edn6" name="_ednref6">[6]</a>. É tempo de os estudiosos do antitruste quebrarem a cabeça e acharem soluções reais. Por enquanto, a coisa toda parece um grande jogo de cabra-cega.
<hr />
<a href="#_ednref1" name="_edn1">[1]</a> “Acquisition Killed the Innovation Star?” (OCDE). Disponível em: <a href="https://oecdonthelevel.com/2020/10/18/acquisition-killed-the-innovation-star/">https://oecdonthelevel.com/2020/10/18/acquisition-killed-the-innovation-star/</a>.
<a href="#_ednref2" name="_edn2">[2]</a> FURMAN, Jason. “Unlocking digital competition”. 2019. Disponível em <a href="https://www.gov.uk/government/publications/unlocking-digital-competition-report-of-the-digital-competition-expert-panel">https://www.gov.uk/government/publications/unlocking-digital-competition-report-of-the-digital-competition-expert-panel</a>;
ZINGALES, Luigi; ROLNIK, Guy; LANCIERI, Filippo Maria. “Stigler Committee on Digital Platforms”. 2019. Disponível em: <a href="https://www.chicagobooth.edu/-/media/research/stigler/pdfs/digital-platforms---committee-report---stigler-center.pdf">https://www.chicagobooth.edu/-/media/research/stigler/pdfs/digital-platforms---committee-report---stigler-center.pdf</a>;
“How to deal with Big Tech mergers”. Disponível em: <a href="https://voxeu.org/article/how-deal-big-tech-mergers">https://voxeu.org/article/how-deal-big-tech-mergers</a>
PECMAN, John; JOHNSON, Paul A.; REISLER, Justine. “Essential Facilities Fallacy: Big Tech, Winner-Take-All Markets, and Anticompetitive Effects.” 2020. Disponível em: <a href="https://www.competitionpolicyinternational.com/essential-facilities-fallacy-big-tech-winner-take-all-markets-and-anticompetitive-effects/">https://www.competitionpolicyinternational.com/essential-facilities-fallacy-big-tech-winner-take-all-markets-and-anticompetitive-effects/</a>
CRÉMER, Jacques; MONTJOYE, Yves-Alexandre; SCHWEITZER, Heike. “Competition policy for the digital era”. 2019. Disponível em: <a href="https://ec.europa.eu/competition/publications/reports/kd0419345enn.pdf">https://ec.europa.eu/competition/publications/reports/kd0419345enn.pdf</a>.
<a href="#_ednref3" name="_edn3">[3]</a> VALLETTI, Tommaso. “Après moi, le déluge! Tech giants in the digital age”. 2018. Disponível em: <a href="https://ecp.crai.com/wp-content/uploads/2018/12/Tommaso-Valletti-2018.pdf">https://ecp.crai.com/wp-content/uploads/2018/12/Tommaso-Valletti-2018.pdf</a>.
ZINGALES, Luigi; ROLNIK, Guy; LANCIERI, Filippo Maria. “Stigler Committee on Digital Platforms”. 2019. Disponível em: <a href="https://www.chicagobooth.edu/-/media/research/stigler/pdfs/digital-platforms---committee-report---stigler-center.pdf">https://www.chicagobooth.edu/-/media/research/stigler/pdfs/digital-platforms---committee-report---stigler-center.pdf</a>;
MOTTA, Massimo; PEITZ, Martin. “How to deal with Big Tech mergers”. Disponível em: <a href="https://voxeu.org/article/how-deal-big-tech-mergers">https://voxeu.org/article/how-deal-big-tech-mergers</a>.
“Investigation of Competition in Digital Markets” (Subcomitê de legislação Antitruste, Comercial e Administrativa – EUA). 2020.  Disponível em: <a href="https://judiciary.house.gov/uploadedfiles/competition_in_digital_markets.pdf">https://judiciary.house.gov/uploadedfiles/competition_in_digital_markets.pdf</a>.
CRÉMER, Jacques; MONTJOYE, Yves-Alexandre; SCHWEITZER, Heike. “Competition policy for the digital era”. 2019. Disponível em: <a href="https://ec.europa.eu/competition/publications/reports/kd0419345enn.pdf">https://ec.europa.eu/competition/publications/reports/kd0419345enn.pdf</a>.
<a href="#_ednref4" name="_edn4">[4]</a> CARO DE SOUSA, Pedro; PIKE, Chris. “How Soon Is Now?”. 2020. Disponível em: <a href="https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3706772">https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3706772</a>.
<a href="#_ednref5" name="_edn5">[5]</a> “Start-ups, Killer Acquisitions and Merger Control – Background Note”. (OCDE). 2020. Disponível em <a href="https://nam10.safelinks.protection.outlook.com/?url=https%3A%2F%2Fwww.oecd.org%2Fdaf%2Fcompetition%2Fstart-ups-killer-acquisitions-and-merger-control-2020.pdf&amp;data=04%7C01%7Cbruna.prado%40mattosfilho.com.br%7Cdcfab41e1b634cb1947a08d9bb49d35e%7C5212d1dc4e1e4d33bb4a8b58144952ce%7C0%7C0%7C637746748015905135%7CUnknown%7CTWFpbGZsb3d8eyJWIjoiMC4wLjAwMDAiLCJQIjoiV2luMzIiLCJBTiI6Ik1haWwiLCJXVCI6Mn0%3D%7C3000&amp;sdata=CimlfVWTZsIEdDLUBft0AmO%2F2AGRn3V3%2FKln8Zw49GE%3D&amp;reserved=0">https://www.oecd.org/daf/competition/start-ups-killer-acquisitions-and-merger-control-2020.pdf</a>.
“Competition Policy for the digital era”. (Comissão Europeia). Disponível em <a href="https://nam10.safelinks.protection.outlook.com/?url=https%3A%2F%2Fec.europa.eu%2Fcompetition%2Fpublications%2Freports%2Fkd0419345enn.pdf&amp;data=04%7C01%7Cbruna.prado%40mattosfilho.com.br%7Cdcfab41e1b634cb1947a08d9bb49d35e%7C5212d1dc4e1e4d33bb4a8b58144952ce%7C0%7C0%7C637746748015905135%7CUnknown%7CTWFpbGZsb3d8eyJWIjoiMC4wLjAwMDAiLCJQIjoiV2luMzIiLCJBTiI6Ik1haWwiLCJXVCI6Mn0%3D%7C3000&amp;sdata=5zYaT7bGeafqCXSULaBEJSMMdwo1r1I25Ylk8hV6%2Ffc%3D&amp;reserved=0">https://ec.europa.eu/competition/publications/reports/kd0419345enn.pdf</a>.
GALVÃO, Helder; PUREZA, Isabela. “Acqui-Hiring e startups: panorama jurídico de um fenômeno.” JOTA, 2021. Disponível em: <a href="https://nam10.safelinks.protection.outlook.com/?url=https%3A%2F%2Fwww.jota.info%2Fcoberturas-especiais%2Fnacao-inovadora%2Facqui-hiring-startups-panorama-juridico-tecnologia-01062021&amp;data=04%7C01%7Cbruna.prado%40mattosfilho.com.br%7Cdcfab41e1b634cb1947a08d9bb49d35e%7C5212d1dc4e1e4d33bb4a8b58144952ce%7C0%7C0%7C637746748015905135%7CUnknown%7CTWFpbGZsb3d8eyJWIjoiMC4wLjAwMDAiLCJQIjoiV2luMzIiLCJBTiI6Ik1haWwiLCJXVCI6Mn0%3D%7C3000&amp;sdata=FjeJrHD%2FwCxj7ttepw7TZO0Gj7WEpM8pD6eiEy%2BrTyE%3D&amp;reserved=0">https://www.jota.info/coberturas-especiais/nacao-inovadora/acqui-hiring-startups-panorama-juridico-tecnologia-01062021</a>.
KIM, J. Daniel. “Startup Acquisitions as a Hiring Strategy: Worker Choice and Turnover”. Wharton School, University of Pennsylvania, 2020.
CROFTS, Lewis; HIRST, Nicholas; NEWMAN, Matthew. “Market definition, ‘killer’ buyouts feature in Vestager’s plans for second mandate”. 27 de setembro de 2019.
<a href="#_ednref6" name="_edn6">[6]</a> “Start-ups, Killer Acquisitions and Merger Control – Background Note”. (OCDE). 2020. Disponível em <a href="https://nam10.safelinks.protection.outlook.com/?url=https%3A%2F%2Fwww.oecd.org%2Fdaf%2Fcompetition%2Fstart-ups-killer-acquisitions-and-merger-control-2020.pdf&amp;data=04%7C01%7Cbruna.prado%40mattosfilho.com.br%7Cdcfab41e1b634cb1947a08d9bb49d35e%7C5212d1dc4e1e4d33bb4a8b58144952ce%7C0%7C0%7C637746748015905135%7CUnknown%7CTWFpbGZsb3d8eyJWIjoiMC4wLjAwMDAiLCJQIjoiV2luMzIiLCJBTiI6Ik1haWwiLCJXVCI6Mn0%3D%7C3000&amp;sdata=CimlfVWTZsIEdDLUBft0AmO%2F2AGRn3V3%2FKln8Zw49GE%3D&amp;reserved=0">https://www.oecd.org/daf/competition/start-ups-killer-acquisitions-and-merger-control-2020.pdf</a>.

sean-pollock-PhYq704ffdA-unsplash

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

É tempo de os estudiosos quebrarem a cabeça e acharem soluções reais

Análise antitruste de aquisições de empresas nascentes

É tempo de os estudiosos do direito antitruste quebrarem a cabeça e acharem soluções reais