Paulo Fernando Pinheiro Machado

<blockquote class="jota-article__quote">“For it giveth unto all lovers courage, that lusty month of May.“
- Sir Thomas Malory</blockquote>
O “Cavaleiro Prisioneiro”, como era conhecido o autor de Le Morte d´Arthur, tinha razões para notar que o mês de maio traz coragem aos amantes. Independente da paixão, maio sempre foi, historicamente, um mês de definições passionais. Em 19 de maio de 1536, por exemplo, a fascinante Ana Bolena, segunda esposa de Henrique VIII, era executada em Londres. Em 4 de maio de 1929, nascia a bela Audrey Hepburn. Do lado da guerra, em 10 de maio de 1940, Winston Churchill formava um gabinete, prometendo “sangue, suor e lágrimas” contra a Alemanha nazista. E, coincidentemente, esses mesmos nazistas se renderiam quase exatos cinco anos mais tarde, em 7 de maio de 1945. VE Day.
Em nosso já surrado 2021, maio continua prometendo. Com campanhas de vacinação em todos os cantos do globo, a pandemia segue em alta em algumas partes, em baixa em outras, mas em todas incendiando paixões. A diplomacia “presencial” parece, cautelosamente, voltar à baila, como remarca a revista britânica <a href="https://www.economist.com/international/2021/05/01/diplomacy-has-changed-more-than-most-professions-during-the-pandemic" target="_blank" rel="noopener noreferrer">The Economist</a>, com a reunião dos chanceleres do G7, em Londres, a primeira presencial do grupo desde 2019. O embaixador José Antônio de Macedo Soares, na edição de maio de seu “Calendário do Futuro” – almanaque de efemérides de altíssima qualidade, circulado apenas entre os iniciados – destaca que o primeiro êxito de vacinação contra a varíola ocorrera, novamente, em maio, mais precisamente no dia 14 do ano de 1796. Maio, mês dos milagres.
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Do lado institucional, durante este mês de maio, a China assume a Presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, tendo como prioridade promover um debate sobre como melhorar as condições de proteção e segurança das forças de paz da organização, diante da pandemia. Um amigo, a propósito, perguntou-me, por mensagem, o que eu via da China. Respondi-lhe, honestamente, que da China via apenas meu iPhone. Fiquei com vergonha e resolvi ver outras coisas.
Foi então que me deparei com o diplomata e jurista Han Fei Zi (c. 280 BC – 233 BC), Príncipe de Han. Han Fei foi o consolidador, na China antiga, do pensamento jurídico-filosófico da chamada “Escola Legalista”, que serviu de base para a consolidação da primeira dinastia chinesa, a Casa Imperial de Qin. A influência da Escola Legalista se estende, de fato, por milênios de história chinesa, com impacto ainda nos dias atuais. O pensamento de Han Fei era admirado por Mao Zedong, como o é também por Xi Jinping.
Han Fei vivera em uma época barra-pesada, o chamado “Período dos Estados Combatentes” (c.481 BC – 221 BC). Trata-se do período marcado pela decadência e desagregação da dinastia Zhou, que levou a partição do território chinês em uma série de estados independentes que guerreavam entre si por hegemonia. O período termina com a primeira unificação do Império chinês, sob a dinastia Qin, em 221 BC. O primeiro Imperador, Qin Shi Huan, foi quem encomendou o famoso e belíssimo exército de terracota, além de consolidar a Grande Muralha.
Han Fei preocupava-se muito com o destino de seu estado natal, Han, já decadente em meio ao caos produzido por centenas de conflitos, anexações e guerras ao seu redor. O jurista, então, desenvolveu um pensamento a partir do qual a força de um Estado residiria primordialmente na força e na sofisticação do seu direito, que seria a estrutura a garantir a segurança interna e a paz externa. O seu pensamento, entretanto, não fora adotado em Han, mas justamente em Qin, para onde Han Fei foi enviado, como diplomata, em 234 BC, e executado por sua lealdade à sua pátria natal.
Ao contrário do que aponta certa corrente acadêmica, Han Fei não era um Maquiavel do oriente. Ele certamente antecipou em mais de um milênio a divisão que se operou no pensamento jurídico do ocidente a partir do Renascimento entre o direito e a moral. Mas o fundamental no pensamento da Escola Legalista, em geral, e em Han Fei, em particular, é a noção de que o direito positivo, para ser legítimo, deve reproduzir o direito natural, o princípio de ordem geral do universo, o Tao. O pensamento de Han Fei, assim, aproxima-se do universalismo cristão, que é a base mesma do direito internacional contemporâneo no ocidente.
Coincidentemente, o período em que viveu Han Fei, o “Período dos Estados Combatentes”, foi o primeiro e único momento da história chinesa no qual há registros de uma noção própria de direito internacional. O direito internacional moderno é um produto da civilização ocidental que, no século XX, expandiu-se para o resto do globo. A tradição jurídica chinesa, por outro lado, conta com mais de 5000 anos e a maneira pela qual a China vê e se relaciona com o direito internacional, em respeito à sua história e à sua tradição, apenas muito recentemente começa a ser explorada no Brasil. Parece-me que a compreensão da visão chinesa do direito internacional passa, inexoravelmente, por uma leitura aprofundada de Han Fei e da Escola Legalista.
E eu, que da China só via o meu iPhone, começo agora a ver agora uma outra forma de enxergar o direito internacional, mais próxima e ao mesmo tempo mais distante da nossa tradição grotiana. O diplomata é aquele que vê a partir do olhar do outro. Vou ter que me coçar para aprender a falar a língua do outro também. There is no free lunch.
Neste domingo, por fim, celebra-se o Dia das Mães. O feriado fora estabelecido, primeiramente nos EUA, pela árdua campanha da ativista pela paz Anna Maria Jarvis (1864-1948), cuja mãe falecida havia expressado o desejo de se reservar um feriado para as mães. Para realizar o sonho de sua mãe, Anna Jarvis juntou-se com a escritora Julia Ward Howe (1819-1910), que em 1870 havia publicado “A Proclamação do Dia das Mães”, conclamando as mães de todas as nacionalidades a se unirem para promover “a solução amigável de todas as disputas internacionais”. Quem diria que o Dia das Mães tem a sua origem no direito internacional?
As duas ativistas, assim, realizaram em 1907 a primeira celebração do Dia das Mães, “a pessoa que fez mais por você do que qualquer outra no mundo”. Apesar da intensa resistência, o presidente Woodrow Wilson oficializou o feriado no segundo domingo de maio de 1914. Como bem recorda o embaixador Macedo Soares em seu Calendário do Futuro, no Brasil, o presidente Getúlio Vargas oficializou a data em 1932. Atualmente, cerca de 40 países seguem a efeméride dentro da tradição norte-americana. De minha parte, pela paz mundial, vou aproveitar o final de semana para cuidar da pessoa que fez mais por mim do que qualquer outra neste vale de lágrimas. Maio, mês das mães.
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Mãe e filho em moto elétrica na China

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JOTA

Quem diria que o Dia das Mães tem a sua origem no Direito Internacional?

Ana Bolena, Han Fei e a senhora Minha Mãe

Quem diria que o Dia das Mães tem a sua origem no Direito Internacional?