Beatriz Saks Hahne

Danielle Tsuchida

Tramitam no Congresso Nacional, no mínimo, 50 projetos de lei que pedem a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em favor da ampliação do tempo de internação para adolescentes em conflito com a lei ou para a redução da maioridade penal[1], atualmente estipulada aos 18 anos. Há argumentos que, do ponto de vista da garantia de direitos e da busca por uma sociedade menos desigual, podem contribuir para o debate.
É possível sugerir que estas propostas de alteração do ECA buscam atender, equivocadamente, ao clamor da sociedade por respostas à criminalidade, já que a temática da segurança pública tem sido uma das que mais afligem milhões de brasileiros. O que se vê, entretanto, é o baixo investimento político na qualificação das intervenções, levando a soluções imediatas e ineficientes para responder ao medo social e à preservação de patrimônio particular. Também persiste a sensação de impunidade, em virtude da lentidão do Poder Judiciário, e o desejo de vingança cada vez maior contra o infrator,  o que obscurece nossa racionalidade ao enfrentar os desafios de nossa sociedade em relação ao tema.
A noção de impunidade precisa ser colocada sob reflexão, uma vez que, como aponta a experiência cotidiana, difere conforme a pessoa a quem se destina: uma vida de direitos negados, como a dos adolescentes que acessam a justiça criminal no Brasil, não poderia ser considerada uma forma de punição mesmo quando ausente o ato infracional? É da história brasileira o aprisionamento de sua infância e juventude pobres. Até a promulgação do ECA, foram anos de luta e da reiteração de que a tutela e o assistencialismo não atingiriam os fins do discurso jurídico, ou seja, de contenção das infrações cometidas por esta parcela da população. Os projetos de lei em questão pretendem alterar o que está positivado em diversos marcos legais nacionais e internacionais e desconsideram a garantia de direitos sociais e judiciários que, para parcela representativa da juventude brasileira, não estão assegurados – ou mesmo em pauta. 
O Brasil é signatário de importantes marcos legais que caminham em sentido oposto àquele que pedem esses projetos de lei, o que indica não apenas o retrocesso como também o desencontro do país com um projeto assumido com a retomada de um governo democrático, que historicamente caminha em corda bamba. Como exemplo, a Convenção dos Direitos da Criança, de 1989, reafirma o princípio de que nenhuma criança receberá tratamento igual ou pior ao do adulto, também previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (1947). A Constituição Federal Cidadã e o ECA afirmam direitos da população infanto-juvenil na qualidade de ser humano “em processo peculiar de pessoa em desenvolvimento” e merecedoras, portanto, de proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado, devendo este atuar mediante políticas públicas e sociais para promoção e defesa de seus direitos. 
Hoje, um dos atos infracionais que mais conduz adolescentes à medida socioeducativa de internação é o tráfico de drogas, no qual o adolescente expõe a si mesmo a maior risco,. De acordo com a Convenção 182, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), “a utilização, recrutamento ou a oferta de crianças para a realização de atividades ilícitas, em particular a produção e o tráfico de entorpecentes, tais com definidos nos tratados internacionais pertinentes” é considerada uma das piores formas de exploração do trabalho infantil e, portanto, deveria ser tratada com programa de ações que visem erradicar a exploração deste trabalho em oposição à simples punição do adolescente apreendido.
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Contrário à argumentação da impunidade, o ECA prevê a aplicação de seis medidas socioeducativas a todos os adolescentes que cometem atos infracionais a partir dos 12 anos de idade, variando da advertência até a privação de sua liberdade. Quanto à responsabilização dos adolescentes – que deve substituir a concepção de punição -, o que se defende é, mais que a percepção do mal ocasionado (pessoal e social), a possibilidade de que se crie um contexto no qual seja possível construir outra trajetória que não a infracional. Nesse sentido, não se trata de debater o tempo da medida socioeducativa e sim a eficiência da resposta do Estado em assegurar os princípios que garantam a responsabilização do adolescente, bem como sua integração social. Passados tantos anos da promulgação do ECA, em 2014, não havia nenhum estado da federação brasileira que internasse seus adolescentes em “estabelecimento educacional”, conforme relatório do Ministério Público[2]. 
O sistema socioeducativo tem como objetivo não só responsabilizar o adolescente pelo ato cometido, mas garantir direitos para a construção de um projeto de vida com novas possibilidades. Para tanto, são necessárias propostas que respondam ao ato infracional sem violar direitos. A eficácia da medida imposta não está relacionada ao tempo que o adolescente passa privado de liberdade, mas aos serviços oferecidos e adequados para sua socialização neste período e após. Estudo realizado pela Vara de Execução de Medidas Socioeducativas do Distrito Federal demonstrou que o prolongado tempo de encarceramento não resulta na diminuição da reincidência do adolescente em conflito com a lei[3]. 
O aumento do tempo de internação não resolverá a questão da violência e ainda criará um colapso no sistema socioeducativo, na medida em que demandará a construção de mais unidades de privação de liberdade, sem falar nos altos custos para manutenção destes espaços em todo o país. Em 2014, um Grupo de Trabalho do Ministério Público de São Paulo, a fim de examinar a execução do orçamento da Fundação Casa, que concentra grande parte dos jovens privados de liberdade no país[4], apurou que a instituição estadual gastava, naquela época, em média, 10 mil reais por mês por adolescente[5]. Ou seja, o aumento do tempo de internação terá um impacto relevante nas contas públicas, justamente num momento em que o país discute medidas polêmicas para promover um ajuste fiscal. Adotar medidas de encarceramento dos jovens, com alto custo orçamentário, sem ao menos se ter uma compreensão mais criteriosa do problema, é inoportuno e irresponsável.
Neste sentido, é mais estratégica a qualificação das políticas de atendimento socioeducativo e a efetiva implementação do ECA no que se refere aos direitos sociais básicos, ou seja, o fortalecimento das políticas sociais garantidoras de direitos e da dignidade humana. Para isso, há de se preparar melhor os diferentes atores do sistema de garantia de direitos, assim como qualificar a interlocução entre os executores das medidas socioeducativas, sejam elas privativas/restritivas de liberdade ou de meio aberto.
O que se propõe é que sejam viabilizadas condições que façam força contrária ao meio contraventor, o que, em se tratando da juventude, significa: escolas que, mais que matricular, eduquem; saúde de acesso amplo e que dialogue com as especificidades desta faixa etária; políticas sociais garantidoras de direitos, mais que tutelares; profissionalização de qualidade e que atenda não apenas ao mercado de trabalho, mas às habilidades e aos desejos pessoais (assim como é garantido aos filhos da classe média), para que seja possível sonhar com um mundo construído também pelas próprias mãos; cultura, esporte e lazer acessíveis às periferias e que atendam às linguagens da juventude atual.
O que se defende é uma leitura mais aprofundada e menos apaixonada em relação aos contextos que na atualidade contribuem para a inserção da juventude brasileira no universo criminal, a fim de que seja possível fortalecer os caminhos de vida e a compreensão de que a resposta será coletiva, e não por meio da morte ou do encarceramento de adolescentes que, ao nascerem, já foram privados de seus direitos mais básicos. 
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[1]Fonte: <a href="http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/500-projetos-tramitam-na-camara-para-mudar-o-eca/" target="_blank" rel="noopener noreferrer">http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/500-projetos-tramitam-na-camara-para-mudar-o-eca/</a>
[2] CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Relatório da Infância e Juventude – Resolução no 67/2011: um olhar mais atento às unidades de internação e semiliberdade para adolescentes. Brasília: Conselho Nacional do Ministério Público. – Brasília: CNMP, 2015. Disponível em: <a href="http://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/8963-relatorio-traz-dados-sobre-acolhimento-e-internacao-de-jovens">http://www.cnmp.mp.br/portal/todas-as-noticias/8963-relatorio-traz-dados-sobre-acolhimento-e-internacao-de-jovens</a>
[3] Disponível em: <a href="http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2015/marco/pesquisa-aponta-que-maior-tempo-de-internacao-nao-diminui-os-indices-de-reincidencia-do-adolescente-em-conflito-com-lei" target="_blank" rel="noopener noreferrer">http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2015/marco/pesquisa-aponta-que-maior-tempo-de-internacaonao-diminui-os-indices-de-reincidencia-do-adolescente-em-conflito-com-lei</a>
[4] De acordo com o levantamento do SINASE (2013), dos 23066 adolescentes em privação no país, 9264 estavam em São Paulo. 
[5] <a href="http://www.conjur.com.br/2015-jan-12/perspectiva-caixa-preta-fundacao-casa" target="_blank" rel="noopener noreferrer">http://www.conjur.com.br/2015-jan-12/perspectiva-caixa-preta-fundacao-casa</a>

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JOTA

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