Débora Costa Ferreira

Quem não gostaria de ser amigo de um Supremo recheado de poderes decisórios, que decide desde os requisitos para dar aula de pole dance até a legitimidade do processo de impeachment do Presidente? Os mais diferentes atores e grupos sociais já perceberam a importância de ter um lugar cativo no púlpito da corte – sobretudo após a sua cobertura televisionada – para veicular sua voz e suas demandas, ao passo que o próprio Supremo já entendeu a rica fonte de legitimidade que essa interação proporciona. Hoje essa relação, viabilizada pela figura processual do amicus curiae, parece ser oportuna para todos, em um cenário em que a Suprema Corte acaba conferindo tratamento distinto aos diferentes amigos que a procuram, de modo a extrair maior proveito possível dessa amizade.
Diagnóstico empírico acerca da participação de terceiros que não são parte nos processos de controle concentrado do Supremo Tribunal Federal entre 1990 a 2017 – os chamados amici curiae<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">1</a> – indicou que a corte é mais influenciada pelos amigos que sejam entes ou agentes públicos governamentais<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">2</a>, apesar de citarem mais a participação e as contribuições daqueles grupos que se portam como representantes da sociedade civil<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">3</a>.
A estratégia sugere ser a de que, citando mais amici curiae representantes da sociedade civil, cujas pautas tangenciam interesses mais amplos e difundidos na opinião pública – ou na opinião publicada –, a corte aumenta de forma mais eficiente seu apoio junto à população para conservar sua capacidade de tomar decisões contra a maioria quando preciso, ou para se fortalecer politicamente perante os outros poderes. Todos sabem que nem só de decisões contramajoritárias se mantém uma suprema corte. O próprio Ministro Luiz Fux, nas audiências públicas acerca das queimadas em canaviais, reconheceu que “o grande trunfo de uma decisão da Suprema Corte é obter a confiança do povo”.
<a href="https://www.jota.info/stf/supra/o-mito-da-sociedade-aberta-de-interpretes-da-constituicao-08032018">+JOTA: O mito da sociedade aberta de intérpretes da Constituição</a>
Já ao se deixar influenciar em maior medida pelos amici curiae governamentais, busca-se, aproveitar a maior credibilidade argumentativa desses atores (quem melhor do que o BACEN para falar sobre o Sistema Bancário, por exemplo) e, ao mesmo tempo, maximizar a chance de sua visão ideológica ser adotada institucionalmente. Até porque ignorar recorrentemente a opinião dos atores com poder de barganha institucional no jogo republicano e federativo seria ameaçar de morte os poderes decisórios – sobretudo em meandros políticos – que o STF vem galgando nos últimos anos.
<a name="_GoBack"></a> Por outro lado, os diferentes amicus não se opõem a essa amizade seletiva, uma vez que também se beneficiam dela. Enquanto os representantes da sociedade civil – como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil ou a Associação de Gays, Lésbicas e Transgêneros – têm a oportunidade de expor suas posições na vigiada vitrine democrática da Suprema Corte, os amici governamentais conseguem obter efetiva influência na decisão final. Já amici curiae que defendem interesses econômicos ou corporativos, cuja participação não se verificou influência estatisticamente significante no resultado do julgamento nem no nível de citação dos seus argumentos nos votos, podem estar se utilizando da figura do amicus curiae para marcar posição e para mostrar que estão atuando em prol dos direitos e benefícios da classe, em um sistema de legitimação para a base.
Não é por coincidência que a Ministra Carmen Lúcia, na seção de 2 de fevereiro do ano passado, asseverou que “o tribunal tem encontro marcado com a definição do que é o amicus curiae”. Isso porque o que tem se verificado na prática está muito distante do papel que se prevê teoricamente para esse instituto: de um participante neutro que vem à corte aumentar o nível de informações e de pontos de vista para que essa possa tomar decisões mais seguras e democráticas. Em face desse diagnóstico empírico, cabe ao Supremo aproveitar a oportunidade para definir com clareza perante a sociedade a função a que se deseja que esse instituto cumpra na jurisdição constitucional brasileira.
Caso efetivamente caminhe no sentido de ampliar a base argumentativa e informacional por intermédio do amicus curiae, duas propostas já estão lançadas: estabelecer regra processual que determine que o peticionário antecipe resumidamente os argumentos e informações que pretende apresentar e informe, assim como é exigido nos principais países que se utilizam desse instituto, a parte que deseja apoiar, o seu interesse na demanda, e quem eventualmente patrocina a sua intervenção. Não cabe mais alegar a ingenuidade de uma amizade desinteressada contra a seletividade que os dados revelam.

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<div id="sdfootnote1">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">1</a> Disposto no art. 7º, § 2º, da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999.
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<div id="sdfootnote2">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">2</a> Somente o amicus curiae governamental tem influência significante, sob o ponto de vista estatístico, e positiva sobre a decisão final. A cada amicus curiae governamental favorável a mais do que os desfavoráveis desse mesmo tipo no processo, aumenta-se entre 18,1 e 50,8% a chance de a ação ser julgada procedente.
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<div id="sdfootnote3">
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">3</a> O único tipo de amicus curiae que, com significância estatística, aumenta a chance de citação no voto é o representante da sociedade civil, especificamente aqueles que se posicionam desfavoravelmente à demanda do peticionário. Assim, para cada amicus curiae representante da sociedade civil que participe do processo de controle concentrado de constitucionalidade do STF em desfavor do peticionário eleva-se entre 15,0% e 67,7% a chance de haver citação das contribuições desses participantes.
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JOTA

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