Thiago Ferreira Almeida

O Direito Internacional pode ser compreendido como um conjunto normativo jurídico a regular as relações entre sujeitos dotados de personalidade jurídica no plano internacional, como os Estados, organizações internacionais e indivíduos. Além disso, segundo o posicionamento de Malcolm Shaw, o ordenamento jurídico internacional é um produto da sociedade, que assume os seus valores e características sociais, econômicas e políticas, constituindo em um conjunto normativo a regular tais relações. Lado outro, tal conjunto normativo é constantemente rebatido pelas forças de mudança, alterando os paradigmas de valores em direção a novos sistemas.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>
A própria origem do Direito Internacional decorre de um contexto eminentemente europeu, regrando exclusivamente as relações entre Estados do continente, principalmente no contexto pós-Paz de Vestfália de 1648. Nesse período, foram definidos dois princípios básicos: a soberania interna, configurada no reconhecimento da independência dos Estados; e a soberania externa, entendida como a igualdade soberana, o que significa o reconhecimento de que todos os Estados se encontravam em mesmo nível.
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A realidade de um Direito Internacional vestfaliano não se constituiu de forma imediata para os demais países soberanos, principalmente para aqueles que adquiriram independência após séculos de dominação europeia. A América Latina se configura como a região, após a independência dos Estados Unidos, a marcar um processo amplo de descolonização, ainda no século 19, seguido no século 20 pelos continentes asiático e africano.
Os países latino-americanos enfrentaram desde o princípio a questão do reconhecimento de sua independência política, bem como uma intrínseca e complexa relação de dependência econômica com os principais centros econômicos e financeiros no mundo. Como exportadores de bens primários, os interesses das antigas metrópoles portuguesa e espanhola foram substituídos por interesses dos Estados Unidos e, principalmente, das potências europeias como a Inglaterra, Bélgica e França e, no final do século 19, também por Itália e Alemanha.
O princípio da igualdade entre os países, configurado no respeito das soberanias estatais, não foi inicialmente reconhecido pelas potências europeias, o que se observa na aplicação dos tratados de Amizade, Comércio e Navegação (Friendship, Commerce and Navigation treaties - FCN). Tais acordos previam regras de extraterritorialidade, como a criação de comissões consulares com representantes das nações estrangeiras e a aplicação das leis das nações europeias aos estrangeiros residentes em tais territórios.
Em caso de conflito, aplicar-se-iam regras europeias e as questões seriam resolvidas por comissões próprias, afastando a aplicação da jurisdição nacional em pleno território independente. Essa configuração não foi exclusiva do contexto latino-americano, o que se observa também no leste asiático, principalmente na China, com o Tratado de Nanquim (1842) e o Tratado de Hoomun-Chae (1843). Esses acordos foram celebrados após a Guerra do Ópio, em que as potências europeias forçaram o reino chinês a permitir o consumo da droga em seu território e cuja comercialização era proibida nos próprios países europeus. Outras consequências foram a abertura forçada dos portos e da entrada de produtos estrangeiros.<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>
No contexto latino-americano, a soberania jurídica dos Estados encontrava-se ameaçada pelos interesses das potências europeias e dos Estados Unidos, ao se configurarem como exportadores de capital estrangeiro. A exemplo, a Doutrina Monroe (1823) era uma estratégia de política externa dos Estados Unidos para ampliar sua influência política e econômica na região, afastando os europeus desses novos mercados independentes.
Caso determinada nação latino-americana independente fosse sujeita a um evento de instabilidade política ou civil, ou mesmo desejasse aplicar regras nacionais que prejudicassem os interesses das nações exportadoras de capital, estas valiam-se da Diplomacia das Canhoneiras (em inglês, Gunboat Diplomacy), enviando força militar a bombardear as cidades costeiras da América Latina.
Frente a este contexto eurocêntrico, originaram-se as primeiras doutrinas jurídicas eminentemente latino-americanas a reconhecer um posicionamento particular da região, no contexto da forte presença militar e econômica estrangeira.
A primeira doutrina latino-americana no contexto do Direito Internacional do Investimento é a Doutrina Bello (1832), ao defender que era obrigação dos investidores estrangeiros submeter suas disputas à jurisdição do Estado receptor do investimento. Caberia exceção pela utilização do instituto da proteção diplomática aos casos de negação de acesso à Justiça junto às cortes domésticas.
A Doutrina Calvo, por sua vez, sustentada na premissa da igualdade soberana dos Estados e do princípio da jurisdição territorial, defendia que todas as disputas fossem realizadas somente a nível doméstico, afastando a possiblidade da proteção diplomática. A posição da doutrina advoga pela igualdade de direitos entre investidores estrangeiros e nacionais. Se ao estrangeiro for garantido um status diferente, esta situação seria considerada um privilégio exorbitante frente a realidade dos investidores domésticos.
A Doutrina Calvo se encontra expressa na 1ª Conferência Pan-Americana (1889-1890), em que se adotou a Recomendação sobre Reivindicações e Proteção Diplomática (Recommendation on Claims and Diplomatic Protection), e na 2ª Conferência Pan-Americana (1901-1902), em foram adotados a Convenção sobre Direito dos Alienígenas (Convention related to the Rights of Aliens) e o Tratado de Arbitragem sobre Reivindicações Pecuniárias (Treaty of Arbitration for Pecuniary Claims).
Com a intervenção armada pela Alemanha, Itália e Inglaterra na Venezuela em 1902, reivindicando o pagamento de débitos do país com investidores de nacionalidade europeia, originou-se a Doutrina Drago, em que sustentava a impossibilidade de se utilizar a intervenção  estrangeira a cobrar débitos de nações latino-americanas.
Dessa forma, apresentava-se a incompatibilidade do Direito em permitir o uso da força para alcançar a solução de disputas pecuniárias. Era, portanto, a demonstração clara de que o Direito Internacional ainda se encontrava submetido a um contexto eminentemente eurocêntrico, a proteger unicamente os interesses europeus da época.
Ressalta-se ainda que o período era do imperialismo, em que se legitimava a dominação de vastos territórios africanos e asiáticos. A exemplo, a Conferência de Berlim (1884-1885) marca a repartição do continente africano conforme os interesses das potências europeias exportadoras de capital.
Ainda no final do século 19, desponta a Conferência de Haia em 1899, com a participação somente do México enquanto nação latino-americana, o que demonstra ainda a dificuldade em tornar efetivo o princípio da igualdade estatal e reconhecer a existência de outras nações não-europeias.
Ao contrário da 1ª Conferência de Haia, a 2ª Conferência, em 1907, contou com grande presença de nações latino-americanas – inclusive Rui Barbosa, conhecido como o "Águia de Haia", representando o Brasil.
Nessa conferência, foi aprovada a Convenção Drago-Porter, que estipulava a utilização da arbitragem internacional para resolver disputas. Contudo, a Cláusula Porter no texto aprovado permitia que, em uma situação de recusa de um país em se submeter à arbitragem ou em cumprir a decisão arbitral, o outro Estado teria o direito ao uso da força.
Destarte, observa-se a marcante divisão entre os países exportadores de capital que se valiam do uso da força para garantir os interesses de seus nacionais perante os Estados latino-americanos, e do outro lado tais nações a defender doutrinas da jurisdição territorial e tratamento nacional.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>
As doutrinas Bello, Calvo e Drago foram de grande importância ao defender a igualdade soberana dos Estados, bem como a garantir um tratamento equânime entre investidores estrangeiros e nacionais. Os contratos futuros de exploração de recursos em tais países, bem como os acordos bilaterais de investimento já no século 20, passaram a apresentar a cláusula Calvo, ou seja, a necessidade de resolver as disputas entre o Estado e o investidor estrangeiro somente no nível nacional. Em outras redações mais recorrentes de desses instrumentos legais, após a tentativa de se buscar soluções pelas vias jurisdicionais domésticas, permitia-se o uso da arbitragem internacional.
O contexto do século 19 na América Latina influenciará de forma marcante a relação entre o Estado e investidores estrangeiros ao longo do século 20, bem como as novas realidades do século 19, caracterizado por uma pluralidade na origem dos fluxos dos investimentos estrangeiros.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> SHAW, Malcolm. International Law. 6th ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, 38-39.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> VIÑUALES, Jorge E.; LANGER, Magnus Jesko. Foreign Investment in Latin-America: Between Love and Hatred. March 15, 2010. Latin-America: Dreams and Legacy, Claude Auroi, (ed.), Forthcoming, 2010, p. 2-3.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Op. cit. n. 3, p. 7.

américa latina

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JOTA

Campo ainda se encontrava submetido a um contexto eminentemente eurocêntrico, a proteger unicamente os interesses europeus da época

A América Latina no Direito Internacional do século 19

Potências europeias não reconheceram, de início, princípio da igualdade entre os países em relação às recém-formadas nações da América Latina