Patricia Pessoa Valente

Darcio Genicolo Martins

Este artigo é o último de uma <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pesquisa-jota-insper">série de reflexões</a> sobre os resultados da pesquisa realizada pelo Centro de Regulação e Democracia do Insper em parceria com o JOTA. O trabalho teve como objeto os setores de infraestrutura aeroportuária, rodoviária e metroviária. A união da imparcialidade da pesquisa acadêmica ao jornalismo jurídico permitiu a construção de um retrato acurado da percepção dos diversos atores acerca da regulação de infraestrutura dos transportes.
É razoável que o Tribunal de Contas da União (TCU) interfira no processo regulatório a qualquer momento? A judicialização da regulação é o melhor mecanismo para resolver conflitos? O Poder Executivo deve prover mecanismos de proteção cambial aos agentes envolvidos no processo regulatório? Claramente, não há solução first-best nestes casos.
A coordenação setorial que leva a escolhas coletivas de soluções second ou third-best depende do auto-interesse dos atores, mas também, de como eles percebem o melhor arranjo nestes casos para o bom funcionamento do setor. Portanto, quanto mais convergentes as percepções sobre temas controversos, de difícil análise objetiva, maior é a probabilidade de uma escolha mais eficiente para o ambiente regulatório. Lidar com este equilíbrio tênue entre coordenação e conflito é um dos elementos-chave para o desenvolvimento de um ambiente de negócios saudável, e, assim, as percepções e expectativas dos agentes configuram um ótimo indicador para isso.
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A pesquisa realizada pelo Centro de Regulação e Democracia do Insper em parceria com o JOTA teve como objetivo apresentar um diagnóstico de como os diferentes atores públicos e privados percebem o ambiente regulatório da infraestrutura de transporte e mobilidade e seus arranjos institucionais em funcionamento.
A análise teve como focos de análise, elementos primordiais ao bom andamento do processo regulatório como o enforcement das leis e dos contratos de concessão, a ausência de previsibilidade das mudanças regulatórias e falhas na condução de processos decisórios que impactem as concessões nos setores-alvo. O diagnóstico se baseou em consultas realizadas a atores estratégicos do ambiente regulatório de transportes como entidades estatais e órgãos de controle, além de agentes privados nacionais e internacionais (financiadores, concessionárias, investidores etc.).
Procurou-se selecionar profissionais que têm ou tiveram cargos relevantes, tanto no setor público como na iniciativa privada, com alto poder decisório e com importante experiência atuando no ambiente regulatório dos transportes. Suas respostas, portanto, tendem a refletir as opiniões e impressões do grupo ao qual pertencem (ou pertenceram) porque: (i) estão (ou estavam) inseridos e interagem (ou interagiram) no ambiente regulatório a partir da função que desempenham (ou desempenharam), função esta identificada com seu grupo; e (ii) por terem papel relevante, tem (ou tinham) a capacidade de influenciar a percepção de seus próprios pares.
A partir da consolidação de dados obtidos via questionário fechado e de entrevistas junto a profissionais atuantes em transportes, foi possível identificar percepções acerca de alguns pontos importantes. Nos artigos anteriores, abordamos as principais percepções reveladas na pesquisa: (i)<a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/usuario-processo-regulatorio-30092020"> a pouca atenção dada ao usuário no contexto da regulação da infraestrutura</a>, e em especial na atividade decisória sobre direitos e deveres da concessionária; (ii) a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/agencias-reguladoras-interferencia-politica-07102020">interferência política nas agências reguladoras</a>;
(iii) <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/nao-criem-mais-leis-14102020">a aposta na criação de novas leis</a> como mecanismos de solução dos entraves regulatórios vivenciados na infraestrutura dos transportes; frequente e, por vezes, indevida atuação de órgãos de controle no processo regulatório; (iv) <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/judiciario-seguranca-juridica-andam-juntos-21102020">a intensa judicialização do processo regulatório</a> no setor de transportes; (v) a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tcu-regulacao-narciso-acha-feio-nao-espelho-28102020">atuação excessiva dos órgãos de controle, em especial do TCU</a>, que desponta como um ator intenso do ambiente regulatório;
(vi) <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/financiadores-os-ilustres-atores-do-ambiente-regulatorio-04112020">o desconhecimento, por parte dos financiadores</a>, sobre relevantes procedimentos e características da regulação; (vii) <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/chegou-a-vez-das-seguradoras-11112020">a aproximação necessária das seguradoras</a> do ambiente regulatório brasileiro; (viii) a <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/em-infraestrutura-alterar-modelagens-reflete-inconstancias-ou-melhorias-18112020">alteração das modelagens como fruto de melhorias e inconstâncias do ambiente regulatório</a>; e (ix) <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/regulacao-equipes-tecnicas-e-air-pelo-fortalecimento-das-agencias-reguladoras-25112020">a relevância do fortalecimento da área técnica das agências reguladoras</a> para que se mitigue a influência política externa.
Estudos sobre infraestrutura de transporte e mobilidade urbana apontam consenso quanto à carência de investimentos público e privado no setor, com prejuízos ao desenvolvimento econômico e social do país. Um dos desafios da academia, neste contexto, é elaborar propostas e respectivos planos de implementação capazes de promover o efetivo e duradouro investimento privado em transportes. Para isso, a academia se vale de pesquisas quantitativas e qualitativas.
Pesquisas quantitativas são cruciais para subsidiar tais objetivos, pois a partir destas análises se faz possível, por exemplo, extrair relações de causalidade entre variáveis e avaliar impactos de mudanças regulatórias na alocação de recursos e na execução de contratos no contexto de setores regulados de infraestrutura. Contudo, pesquisas qualitativas, fazendo uso de questionários e entrevistas, apresentam-se como fundamentais para complementarem e, por vezes, suplementarem os resultados obtidos em abordagens quantitativas.
<blockquote class="jota-article__eye">Trabalhos qualitativos permitem a identificação e descrição detalhada dos mecanismos da dinâmica regulatória, do papel dos principais players e das relações existentes entre variáveis quantitativas.</blockquote>
Além disso, revela expectativas e percepções dos agentes que interagem neste ambiente e possuem interesses distintos, por vezes opostos.
Nesse contexto, pela importância teórica e prática de se realizar pesquisas qualitativas e, por haver uma escassez absoluta de estudos desse tipo para os setores de infraestrutura aeroportuária, rodoviária e metroviária no Brasil, a pesquisa Jota-Insper ganha destaque no debate público. Conhecer as percepções e expectativas dos atores acerca do ambiente regulatório dos transportes ajuda, essencialmente, a entender os principais fatores que levaram ao equilíbrio estabelecido ou, de outra forma, ao arranjo institucional predominante.
Arranjo institucional seria, de acordo com Davis e North (1971)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, “(...) um arranjo entre unidades econômicas, que governa a forma pela qual essas unidades podem cooperar e/ou competir”. No contexto regulatório, este arranjo abrange a concepção e o desenho de agências, incluindo a definição dos processos de nomeação para cargos diretivos, o escopo das responsabilidades e autoridade da agência, autonomia orçamentária, estabelecimento de ritos e processos regulatórios com o intuito de proteger os direitos das partes interessadas e tornar transparente o processo de resolução de conflitos.
Este arranjo está permeado de diferentes instituições que condicionam o bom (ou mau) funcionamento de um setor. Instituições, de acordo com North (1990)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, “[...] são as regras do jogo em uma sociedade ou, mais formalmente, são as restrições elaboradas pelos homens que dão forma à interação humana”. Estas regras incluem tanto as formais, como leis e outras normas escritas, as informais, que são práticas estabelecidas tacitamente entre agentes econômicos ao longo do tempo e os mecanismos que garantem a obediência a estas regras. Portanto, as instituições e a maneira que elas estão organizadas estruturam os incentivos no intercâmbio entre os agentes, quer seja ele político, social ou econômico.
Desta forma, é possível afirmar que há instituições e arranjos institucionais mais adequados que outros para impulsionar o desenvolvimento de setores regulados. Porém, os melhores arranjos nem sempre são fáceis de serem identificados e implementados. Por exemplo, os processos de nomeação e remoção de indivíduos em cargos diretivos de agências reguladoras podem afetar a capacidade do regulador de operar independentemente dos interesses políticos de curto prazo e a capacidade do governo de garantir que o regulador está seguindo as políticas estabelecidas pelo governo. Se o presidente, o parlamento ou o ministério de um país podem remover o regulador a qualquer momento, podem-se gerar incentivos a servir aos interesses político-partidários de curto prazo. Por outro lado, um regulador vitalício que detém o controle de seu próprio orçamento teria um poder extraordinário e, na ausência de controle social e jurídico, poderia ser capaz de seguir uma agenda pessoal que poderia conflitar com o interesse público.
Ao se avaliar as alternativas institucionais a serem escolhidas ou mantidas, além do caráter objetivo, devem ser consideradas as percepções dos agentes sobre as soluções mais adequadas ao ambiente regulatório em questão. Por mais que os agentes tenham interesses conflitantes, há a necessidade da existência de alguns consensos básicos sobre fatores primordiais da dinâmica regulatória, um “common ground” regulatório.
O caminho ainda é longo na academia e essa agenda de pesquisa sobre percepções dos atores do ambiente regulatório deve ser estendida a outros setores. Para além dos muros da academia, é preciso também ecoar as vozes dos atores atuantes nos diversos setores regulados para que a regulação consiga ser permeada pelos benefícios de considerar as opiniões dos seus stakeholders nos arranjos institucionais de um dado ambiente regulatório. E, não apenas a infraestrutura dos transportes pode se beneficiar, mas qualquer setor regulado. As vozes do ambiente regulatório estão aí, só precisam ser captadas, analisadas e canalizadas como insumos para o processo de criação da própria regulação. Mãos à obra!
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O episódio 46 do podcast Sem Precedentes discute se o contrato de trabalho intermitente é ou não constitucional. Ouça:
https://youtu.be/o8E3sXtx7j0
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Davis, Lance E., North, Douglass C. “Institutional Change and American Economic Growth”. Cambridge: Cambridge University Press, 1971.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> North, Douglass C. “Institutions, institutional change and economic performance”. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

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JOTA

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