Luís Renato Vedovato

Nos primeiros dias após a intervenção federal no Rio de Janeiro ter sido decretada, percebeu-se uma preocupação por parte de alguns líderes militares com as consequências que suas ações no Estado poderiam trazer para si mesmos. O general da reserva Augusto Heleno declarou na Globonews, que se preocupa com a segurança jurídica daqueles militares que atuarão na intervenção, sugerindo que o Supremo Tribunal Federal deveria se manifestar sobre o poder de polícia dos militares e que seria extremamente importante que as “regras de engajamento” para a ação no Rio permitissem o uso de força letal contra indivíduos armados, citando a condução das ações no Haiti. 
Segundo a jornalista Cristina Lôbo, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, teria dito ser importante que os militares tivessem garantias “para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade”. 
Em outras palavras, há um incômodo que assola os militares sobre a aplicação do direito às condutas que vierem a tomar no transcorrer da intervenção. Reconhecendo-se a importância dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, tendo em vista que o caso Gomes Lund, que determinou a ilegalidade da lei de anistia de 1979, foi decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 2010, levando à instalação da Comissão da Verdade no país. Sem a investigação internacional, a desconsideração do direito interno poderia ser mais evidente. Assim, o Direito Internacional permitiu o fortalecimento do direito interno.
Não há notícia de manifestação formal das Forças Armadas brasileiras sobre esses pontos, o que indica serem opiniões isoladas dos oficiais citados, por isso, o presente texto é, antes de mais nada, apenas um exercício. Não se pretende debater a constitucionalidade da intervenção federal. Todavia, segundo a nota técnica 01/2018, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e da Câmara Criminal da Procuradoria Geral da República, há argumentos suficientemente fortes para que se conclua pela sua incompatibilidade com a Constituição, se alguns elementos não forem corrigidos.
Entretanto, para aqueles que entendem que atos ou decisões internas no Brasil podem garantir que militares em ações no Rio de Janeiro possam não ser punidos - ou mesmo investigados - há uma péssima notícia: o avanço do Direito Internacional.
Em 2002, o Brasil ratificou, por ato do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Estatuto de Roma, criador do Tribunal Penal Internacional (TPI). Foi uma longa negociação para a construção do texto, impulsionado pela necessidade de dar uma resposta às constantes violações em larga escala que aconteceram no mundo de forma mais evidente na década de 90. Violações que levaram a ONU a criar dois tribunais penais internacionais específicos para julgar os responsáveis pelas atrocidades na ex Iugoslávia e em Ruanda. No entanto, como o modelo de Nuremberg, inspirador para os dois tribunais citados, tinha se esgotado, exigia-se a construção de um tribunal permanente e anterior aos fatos que julgaria, fugindo, assim, da aparência de casuísmo. Veio, então, o TPI e, em 1998, o Estatuto de Roma foi aprovado.
Depois de mais de 15 anos de funcionamento, há quem diga que os resultados alcançados pelo TPI não são muito animadores. As críticas a ele são que há poucas decisões finais até o momento, além de africanos formarem a totalidade dos acusados, o que pode indicar uma seletividade penal também no âmbito internacional, repetindo o que há internamente. Porém, no Direito Internacional, esse prazo é muito curto para se traçar o destino do TPI.
Se serve como exemplo, o artigo 7o, parágrafo 1o, letra “a”, do Estatuto de Roma, define que se entende “por ‘crime contra a humanidade’, qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio”.
Além disso, o parágrafo 2o, letra “a”, do mesmo artigo, define que “por ‘ataque contra uma população civil’ entende-se qualquer conduta que envolva a prática múltipla de atos referidos no parágrafo 1o contra uma população civil, de acordo com a política de um Estado ou de uma organização de praticar esses atos ou tendo em vista a prossecução dessa política”. 
Logo, matar pessoas sem que se configure situação de legítima defesa pode significar cometimento de crime contra humanidade, se os vários homicídios forem entendidos como uma política do Estado, decorrente de decisões dos órgãos internos do país, que permitam o uso de força letal, com consequente proibição de investigação.
Ora, os que se incomodam com as normas internas, pretendendo afastá-las à caça de maior “liberdade de ação”, esquecem-se de que ainda há juízes na Haia. Alto lá!

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JOTA

Direito Internacional permitiu fortalecimento do direito interno

Alto lá! Há juízes na Haia

Direito Internacional permitiu fortalecimento do direito interno