Júlio M. de Oliveira

Carolina Romanini Miguel

Desde o início de seu processo legislativo, a apelidada Lei da Reforma do ISS tem gerado polêmica em diversos aspectos. Essa constatação se confirma pelas inúmeras alterações sofridas no Senado, onde teve origem o Projeto de Lei nº 386/12, passando pela Câmara dos Deputados, com o Substitutivo nº 15, até o veto de alguns dispositivos pelo Presidente da República. 
Em 30/12/16, quando publicada no DOU a Lei Complementar nº 157 (LC 157), os contribuintes (e também os consumidores de serviços) puderam, finalmente, conhecer o que realmente foi alterado nas <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/iss-entenda-os-aspectos-gerais-13052021">normas gerais sobre o ISS</a>.
Diferentemente do que pretendeu o Poder Legislativo no referido Projeto de Lei nº 386/12, foram vetados os incisos XXIII, XXIV e XXV do art. 3º da Lei Complementar nº 116/03 (LC 116), que transferia, do Município do estabelecimento do prestador para o Município do tomador do serviços, a competência para exigir o ISS incidente sobre (i) planos de saúde e convênios de assistência médica, hospitalar e odontológica; (ii) administração de fundos, consórcio, cartões de crédito e débito; e (iii) intermediação, corretagem, agenciamento de contratos de arrendamento mercantil e de franquia e arrendamento mercantil de bens e direitos.
De acordo com a mensagem de veto, a obrigação de recolher o ISS ao Município de cada tomador desses serviços acarretaria perda da arrecadação tributária e aumento dos custos suportados pelo contribuinte prestador do serviço, que teria de enfrentar sérias dificuldades para conhecer e cumprir a legislação vigente em cada uma dessas Unidades. Além disso, o provável aumento desses custos resultaria no aumento inevitável dos preços dos serviços pagos pelos consumidores.
Além do sujeito ativo da obrigação tributária, o legislador pretendeu transferir a responsabilidade pelo pagamento do ISS ao tomador de serviço, norma também vetada pelo Presidente da República. De acordo com a redação proposta para o art. 6º, § 2º. III, sempre que o Município onde estabelecido o prestador (quando competente para exigir o imposto) concedesse quaisquer incentivos ou benefícios tributários ou financeiros resultantes em carga tributária inferior àquela decorrente da aplicação da alíquota de 2%, caberia ao tomador recolher o ISS ao Município de seu estabelecimento ou domicílio.
Conforme mensagem de veto, a competência tributária deve estar prevista antes da ocorrência do fato gerador, não podendo ser transferida a outro Município que não o do estabelecimento do prestador, segundo eventual concessão de benefícios fiscais.
A LC 157 também interfere na carga tributária mínima do ISS. Apenas para recordar, o art. 156, § 3º, I, da Constituição Federal determina caber à lei complementar fixar as alíquotas mínima e máxima do ISS. Porém, quando da edição da LC 116, somente a alíquota máxima foi definida, correspondente à 5%. Para evitar a guerra fiscal entre os Municípios, o art. 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) estabelecia que, enquanto a lei complementar não disciplinasse a concessão de incentivos fiscais, a alíquota mínima do ISS seria de 2% (exceto para alguns poucos serviços), sendo vedada a concessão de benefícios que resultassem em carga tributária inferior a esta.
Com a inclusão do art. 8º-A à LC 116, a alíquota mínima foi fixada em 2%, seguindo o que já dispunha o ADCT, e a vedação aos benefícios fiscais passou a constar dos parágrafos do mencionado artigo. Apenas alguns serviços poderão ter carga tributária inferior a 2%, sendo inclusive beneficiados com a isenção do imposto, preservando o interesse público. São eles:
- 7.02 Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos;
- 7.05 Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres; e
- 16.01 Serviços de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros.
Registre-se que os parágrafos 2º e 3º do art. 8º-A da LC 116 consideram nulo o ato normativo que violar a determinação da carga tributária mínima quando o serviço for prestado a tomador ou intermediário localizado em Município distinto daquele onde está localizado o prestador. Neste caso, o prestador terá direito de obter a restituição do montante recolhido com fundamento nesta norma declarada nula.
Esta regra é incompatível com os vetos acima mencionados acerca dos sujeitos da obrigação tributária. Isto porque a nulidade da norma editada pelo Município onde se localiza o estabelecimento do prestador, em princípio, seria acompanhada pela transferência da competência tributária para o Município do tomador, cabendo a este, na condição de responsável, efetuar o pagamento ao Município de seu estabelecimento ou domicílio. Porém, com o veto às transferências da competência tributária e da responsabilidade pelo pagamento do ISS, a nulidade da norma que concede redução da carga tributária juntamente com o direito à restituição do imposto ao prestador do serviço, acabam por desonerar completamente a prestação.
A perda da competência tributária com sua transferência para o Município do tomador parece ter sido a sanção escolhida pelo legislador pela concessão indevida de benefícios fiscais de ISS. Porém, se essa transferência foi vetada pelo Presidente da República, a nulidade da norma concessiva do benefício, juntamente com a obrigatoriedade de restituir a parcela do imposto paga pelo prestador, não se mostram as consequências mais adequadas para evitar a redução ilegal do ISS.
Além dessa polêmica trazida pela LC 157, a inclusão de determinadas atividades na lista de serviços anexa à LC 116 igualmente tem gerado dúvidas e preocupações aos contribuintes e aos usuários de determinados serviços. Dentre as principais novidades, consta a inclusão dos seguintes itens:
1.09 - Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei no 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS);
7.16 - Florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação, reparação de solo, plantio, silagem, colheita, corte e descascamento de árvores, silvicultura, exploração florestal e dos serviços congêneres indissociáveis da formação, manutenção e colheita de florestas, para quaisquer fins e por quaisquer meios;
13.05 - Composição gráfica, inclusive confecção de impressos gráficos, fotocomposição, clicheria, zincografia, litografia e fotolitografia, exceto se destinados a posterior operação de comercialização ou industrialização, ainda que incorporados, de qualquer forma, a outra mercadoria que deva ser objeto de posterior circulação, tais como bulas, rótulos, etiquetas, caixas, cartuchos, embalagens e manuais técnicos e de instrução, quando ficarão sujeitos ao ICMS;
16.01 - Serviços de transporte coletivo municipal rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros; 
17.25 - Inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita); e
25.05 - Cessão de uso de espaços em cemitérios para sepultamento. 
As principais questões relacionadas à inclusão dessas atividades na lista dos serviços sujeitos à incidência do ISS são:
<ol>
<li style="font-weight: 400;">todas as atividades configuram efetivamente a prestação de um serviço, assim entendida como relação obrigacional onde uma parte compromete-se a fazer algo (obrigação de fazer), mediante uma retribuição pecuniária a ser implementada pela outra? </li>
<li style="font-weight: 400;">sendo positiva a resposta à questão anterior, estes serviços estão compreendidos na competência dos Estados e Distrito Federal, sujeitando-se à incidência do ICMS? </li>
</ol>
O item 25.05, por exemplo, trata de cessão de uso, atividade que não compreende uma efetiva obrigação de fazer, sendo questionável a constitucionalidade de sua sujeição à incidência do ISS, segundo manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da locação de bens móveis.
Quanto ao serviço indicado no item 17.25, importa destacar que sua tributação pelo ISS já foi objeto de veto quando da edição da LC 116. Naquela ocasião, constava no item 17.07 a veiculação e divulgação de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, por qualquer meio. O veto fundamentou-se em decisão do STF, no sentido de que se trata de serviço de comunicação, sujeito, portanto à incidência do ICMS.
A inserção de mensagens publicitárias e outras dos canais de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita caracteriza prestação de serviço de comunicação tanto quanto se a veiculação ocorresse em canais de radiodifusão onerosa e restrita ou em revistas e periódicos. A observância da imunidade prevista nos arts. 150, VI, “d”, e 155, § 2º, X, “d”, da Constituição Federal não é suficiente para tornar constitucional a inclusão deste item na lista.
Com relação às atividades descritas no item 13.05, estas foram incluídas após ampla discussão na esfera judicial, iniciadas desde a década de 1960. O legislador entendeu por bem excluir da incidência do ISS os impressos personalizados sujeitos à posterior operação comercial, ou seja, itens como rótulos, embalagens, manuais e bulas, que se inserem num processo de industrialização. Essa medida permite àqueles que adquirem tais impressos apropriar créditos de ICMS, preservando o princípio constitucional da não cumulatividade.
Outro item cuja inclusão tem gerado discussões refere-se ao 1.09, principalmente por relacionar-se diretamente ao netflix e ao spotify e preocupar os usuários desses aplicativos cujo funcionamento é bastante complexo e novo. Novamente é necessário identificar a eventual existência efetiva de uma obrigação de fazer, reiterando que a mera cessão de conteúdos próprios da empresa contratada não configura a prestação de um serviço sujeito à incidência do ISS. Além disso, é fundamental uma análise das normas técnicas que disciplinam os serviços de comunicação, para que se afaste a incidência do ICMS. Isto porque, de acordo com o art. 156, III, da Constituição Federal, compete aos Municípios instituir imposto sobre serviços não compreendidos no art. 155, II, de competência dos Estados e Distrito Federal.
No que concerne ao item 7.16, a novidade principal refere-se à expressão “para quaisquer fins e por quaisquer meios”. De acordo com a atual redação desse item, os serviços relacionados Florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação, reparação de solo, plantio, silagem, colheita, corte e descascamento de árvores, silvicultura, exploração florestal e dos serviços congêneres indissociáveis da formação, manutenção e colheita de florestas, ainda que se destinem à comercialização, sujeitam-se à incidência do ISS. A possível dúvida na interpretação e aplicação dessa norma é semelhante ao problema da industrialização por encomenda, ainda sem uma solução explícita e segura para os contribuintes.
Diante desses preliminares comentários sobre as alterações trazidas pela LC 157/16, é possível concluir que antigas questões relativas ao ISS permanecem, enquanto outras acabam de surgir, demandando profundos estudos e muito trabalho daqueles que, de alguma forma, estão envolvidos com a legislação do ISS.

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JOTA

Solução para antigos problemas ou introdução de novas polêmicas


Alterações na legislação do ISS

Solução para antigos problemas ou introdução de novas polêmicas